Mário tem 29 anos e frequenta o 2.º ano do curso de Economia. Depois de ter abandonado a universidade em 2011, “devido a problemas financeiros”, regressou aos estudos em 2014 graças a um novo apoio do Estado (o Retomar) destinado a jovens desempregados que interromperam o curso superior. Este ano fez um pedido de renovação deste apoio, mas continua à espera da bolsa, apesar de a lei ter prazos definidos, que já foram ultrapassados.
O problema é que o dinheiro da bolsa ainda não chegou, mas o dinheiro das propinas já tem estado a sair do bolso destes estudantes. “As propinas se não forem pagas acumulam juros até ao dia do pagamento e as notas das unidades curriculares que fazemos não são lançadas”, explicou ao Observador. Este jovem assegura que já houve alunos a “desistir” novamente dos estudos por não terem recebido ainda esta bolsa no valor de 1.200 euros anuais.
Mário garante que só não está a pensar desistir porque a mulher tem trabalho “e os pais vão ajudando com comida, renda de casa, e outras despesas”. Mas neste momento já tem duas propinas em atraso.
O prazo de candidaturas ao Retomar terminou a 10 de outubro de 2015 e, contando os prazos estabelecidos na lei, a decisão final da Direção Geral do Ensino Superior (DGES) deveria ter chegado na primeira semana de janeiro (decorridos 60 dias úteis) e o pagamento da bolsa devia ter sido feito até 17 de fevereiro (30 dias úteis, no máximo, depois da decisão).
Questionada sobre este atraso no pagamento, fonte oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior explicou que se está a aguardar “a abertura dos concursos para os fundos comunitários destinados a este objetivo e subsequente disponibilização dos valores necessários ao pagamento das bolsas”, não fazendo qualquer projeção quanto à futura data de pagamento.
Aguarda-se a abertura dos concursos para os fundos comunitários destinados a este objetivo e subsequente disponibilização dos valores necessários ao pagamento das bolsas”, esclareceu fonte oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
A mesma fonte confirma que “a candidatura a uma bolsa do Retomar não suspende a obrigação de pagamento das propinas por parte do estudante” e que “compete a cada instituição de ensino superior avaliar a situação no quadro do seu regulamento de propinas”. Mas garante que a “DGES ainda não foi informada sobre desistências de inscrição no ensino superior pelo facto de a bolsa Retomar ainda não ter sido paga”.
O Programa Retomar foi criado em 2014/2015 para voltar a chamar ao sistema de ensino superior jovens até aos 30 anos que estão desempregados e desistiram dos estudos.
A iniciativa prevê a atribuição de até três mil bolsas anuais, no valor de 1.200 euros por ano. Mas os números têm ficado bem aquém do estimado. Este ano letivo, de acordo com dados do próprio Ministério, houve 333 alunos a candidatarem-se a este apoio, tendo sido atribuídas 133 bolsas. Além destas, foram renovadas 89 bolsas, de um total de 195 pedidos de renovação.
Mário garante, porém, que nem teve ainda indicação do resultado da decisão da DGES, mostrando a mensagem que lhe aparece na página da sua candidatura.
Alunos que foram estudar para longe de casa também ainda não receberam
E não são só os alunos que se candidataram ao Retomar que continuam à espera do apoio. O mesmo se está a passar com os estudantes que se candidataram ao + Superior – um programa com 1.020 bolsas anuais de 1.500 euros, que promove a mobilidade dos estudantes e visa incentivar a frequência em instituições com menos procura.
A filha de António está no 2.º ano do curso de animação sociocultural do Politécnico da Guarda e no ano passado teve direito à bolsa de 1.500 euros, que começou a ser paga por volta de dezembro ou janeiro, recorda o pai. Este ano renovou a candidatura, que foi aceite, mas pagamento nem vê-lo.
António, que vive em Santo Tirso, já endereçou vários pedidos de esclarecimento à DGES, que tem apenas dito que “neste momento não dispomos da data em que irá ser efetuado o 1º pagamento. Quando efetuarmos o pagamento, os alunos abrangidos pela bolsa de mobilidade no âmbito do Programa +Superior, receberão uma mensagem no telemóvel”.
O problema é que, enquanto o apoio chega e não chega, e sem bolsa de ação social para ajudar, as despesas vão-se acumulando quando já passam sete meses desde o início do ano letivo. Por mês, António gasta entre 400 e 500 euros com a filha entre propinas, alojamento, alimentação, deslocações, entre outras.
Daniel Freitas, presidente da Federação Académica do Porto, afirmou ao Observador que a Federação já tinha recebido queixas de estudantes relativas aos atrasos do + Superior e que já tinha questionado, há mais de um mês, a Direção Geral do Ensino Superior, mas que lhe disseram, na altura, que ainda não havia decisão em relação às candidaturas dos mais de 2.300 alunos.
Já se percebeu que os atrasos vêm dos fundos europeus, mas não é uma verba tão avultada que não pudesse ser antecipada pelo Ministério”, referiu Daniel Freitas.