“As coisas parecem estar a correr bem. Existe um Orçamento do Estado aprovado para este ano que cumpre as exigências da Comissão Europeia, pelo menos para já“. A análise é de Fergus McCormick, o responsável máximo pelos ratings soberanos da DBRS, a agência decisiva para Portugal e que segura o país (e os bancos) no Banco Central Europeu (BCE). Em entrevista telefónica concedida ao Observador, a partir de Nova Iorque, Fergus McCormick diz-se “menos preocupado” com Portugal mas alerta que a turbulência do mês passado foi um “aviso claro” dos mercados. Um “aviso” que mostrou que, se as políticas não forem as certas, nem as compras de dívida do BCE serão suficientes para manter o acesso de Portugal aos mercados.
Numa teleconferência em meados de fevereiro, o Fergus avisou que a “reversão de algumas políticas do anterior Governo não [estavam a ajudar] nem um bocadinho à confiança dos investidores”. Na sua opinião, contudo, não se tinha visto o suficiente em termos de reversões para justificar uma opinião mais negativa. Mantém essa opinião?
Sim, essa continua a ser a nossa opinião. As coisas parecem estar a correr bem. Não temos visto desvios políticos significativos nem divergências graves com a Comissão Europeia e com o BCE. Existe um Orçamento do Estado aprovado para este ano que cumpre as exigências da Comissão Europeia, pelo menos para já. E, de um modo geral, a confiança dos investidores melhorou um pouco – isto apesar de o contexto económico mundial, incluindo na Europa, se ter deteriorado desde a última vez que falámos e desde a nossa última avaliação a Portugal. Isso afeta todos os países do mundo.
Na altura, em meados de fevereiro, a DBRS dizia que “Portugal era uma preocupação”, devido aos “riscos políticos” que estavam a fazer subir os juros da dívida. Agora, as taxas parecem estar a baixar [chegaram aos 4,5% a 11 de fevereiro mas caíram, agora, para 2,9% no prazo a 10 anos]. Estão mais tranquilos?
Sim, estamos menos preocupados. Mas sublinho o efeito das medidas extraordinárias lançadas pelo BCE que, francamente, surpreenderam o mercado pela sua amplitude e pela sua profundidade – isso está a ajudar [a baixar os juros no mercado]. As taxas de juro têm, de facto, baixado um pouco. Mas sublinho que o aumento dos juros para mais de 4%, em fevereiro, foi um aviso claro dos mercados a Portugal – uma indicação sobre os limites dos estímulos monetários do BCE. Mostrou que, em última análise, é responsabilidade dos Governos gerir as suas finanças públicas e as suas economias. E, em Portugal, são necessários muitos, muitos mais anos de ajustamento.
O aumento dos juros para mais de 4%, em fevereiro, foi um aviso claro dos mercados a Portugal – uma indicação sobre os limites dos estímulos monetários do BCE. Mostrou que, em última análise, é responsabilidade dos Governos gerir as suas finanças públicas e as suas economias. E, em Portugal, são necessários muitos, muitos mais anos de ajustamento.
A DBRS é a única agência (reconhecida pelo BCE) que atribui um rating de qualidade a Portugal, o que atribui ao vosso rating uma importância extrema. Sentem algum tipo de pressão pelo facto de as outras três agências [S&P, Moody’s e Fitch] terem os ratings delas em lixo?
Nós somos conscientes das movimentações dos ratings das outras agências, mas formamos a nossa própria opinião. Pressão? Não. Francamente, não.
Mas é caso único — Portugal é o único país onde o vosso rating tem esta importância.
Sim, julgo que é o único caso que temos assim. Mas acreditamos que Portugal tem um grau de estabilidade que, na nossa opinião, justifica um rating de qualidade. Não apenas devido ao apoio europeu mas por causa do enorme ajustamento do saldo orçamental que o país realizou desde a crise. E, também, por causa das várias medidas de caráter estrutural que foram aplicadas, a recuperação significativa nas exportações — uma das maiores em toda a Europa. O país passou por muitas mudanças nos últimos anos, acreditamos nós, e os frutos disso ainda não foram totalmente colhidos. A nossa opinião é que dizer que Portugal, neste momento, é um emitente muito endividado não é automaticamente um crédito de lixo. Não concordamos com isso.
Falou na questão do “apoio europeu”, caso seja necessário. Já na teleconferência tinha dito que, em comparação com outras agências, a DBRS tinha tendência para atribuir um peso maior ao “compromisso europeu” com a moeda única. Isso pesa muito na vossa análise de Portugal?
Sim, claro. Atribuímos um valor importante a esse apoio. O facto de Portugal ou outro país pertencer à zona euro não significa que, por si só, tenha um crédito melhor. Mas significa que se for necessário um país recorrer a um programa cautelar ou a um resgate pleno ou, ainda, às muitas linhas de liquidez e apoio financeiro disponíveis, isso torna mais fácil o refinanciamento do país e torna um default menos provável.
Mas quando observa como a Europa mudou nos últimos anos, nomeadamente com as regras do bail–in no setor bancário [que impõem perdas aos investidores em cenário de intervenção], acha que esse tipo de apoios – caso sejam necessários – poderia ser facultado sem que fossem aplicadas perdas aos investidores privados?
Um envolvimento dos investidores privados numa reestruturação da dívida não será, na nossa opinião, mais do que uma opção de último recurso. Seja em Portugal ou em qualquer outro lado. Já vimos um envolvimento do setor privado na Grécia e, também, em Chipre. Mas Portugal seria um caso diferente porque é um país maior e porque, dada a instabilidade e o nervosismo nos mercados (e as fracas perspetivas de crescimento em todo o mundo), a ideia de um envolvimento dos investidores privados agora poderia facilmente levar a um contágio por toda a Europa.
Dada a instabilidade e o nervosismo nos mercados (e as fracas perspetivas de crescimento em todo o mundo), a ideia de um envolvimento dos investidores privados agora poderia facilmente levar a um contágio por toda a Europa.
Mas está atento ao facto de o governo socialista estar num grupo de trabalho, com os partidos à esquerda, para discutir a sustentabilidade da dívida?
Sim, mas tendo em conta o risco de contágio ficaria muito surpreendido que, nesta altura, houvesse um acordo europeu para uma reestruturação da dívida. Mesmo que a coligação governativa em Portugal avançasse com uma proposta formal para reestruturar a dívida. Parece-me que é algo muito, muito improvável [que houvesse um acordo europeu nesse sentido].
Além do fator “suporte europeu” e de ser “um país maior”, o que lhes dá a confiança necessária para dar a Portugal um rating de qualidade?
Como já afirmei, Portugal executou o seu plano de reestruturação com muito sucesso. De um modo geral, cumpriram-se as exigências [da troika] de uma forma que foi considerada satisfatória pelas instituições. Existe uma história recente de cumprimento com as regras europeias, há um selo de qualidade que Portugal recebeu, na nossa opinião. Além disso, um país tão endividado quanto Portugal não tem alternativa que não seja cumprir com o Pacto de Estabilidade e Crescimento e as metas de médio prazo da UE. Não pode, simplesmente, lançar-se em défices elevados e derrapagens orçamentais enormes. E não pode porque, como vimos há algumas semanas, haveria movimentações no mercado de dívida e, por outro lado, porque o país deixaria de ser elegível para um programa de assistência financeira. Esta é uma questão crucial e os socialistas compreendem isto perfeitamente, julgando pela forma como terminaram as negociações recentes com a Comissão Europeia.
Portugal não pode, simplesmente, lançar-se em défices elevados e derrapagens orçamentais enormes. E não pode porque, como vimos há algumas semanas, haveria movimentações no mercado de dívida e, por outro lado, porque o país deixaria de ser elegível para um programa de assistência financeira. Esta é uma questão crucial e os socialistas compreendem isto perfeitamente, julgando pela forma como terminaram as negociações recentes com a Comissão Europeia.
A próxima avaliação da DBRS está agendada para daqui a um mês, a 29 de abril. Disse recentemente que a avaliação da Comissão Europeia seria um “fator importante” para a vossa decisão. Mas essa avaliação só chega em maio. Podem adiar a avaliação (como já fez a Moody’s), à espera do que Bruxelas disser?
Não interpretamos as regras dessa forma. O regulador (ESMA) pede um relatório pleno a cada seis meses e tenho sido muito rígido com todos os analistas para que se respeitem as datas. Nunca nos desviámos do calendário porque não olhamos para as datas como “oportunidades” para haver atualizações, como parece ser permissível. Os nossos planos são de apresentar um relatório a 29 de abril.
Mas pode, então, haver uma análise subsequente, conforme a avaliação de Bruxelas à execução e aos planos orçamentais de Portugal?
A nossa vigilância é constante. Temos uma visão muito dinâmica e à medida que os factos mudam, a nossa opinião pode mudar. Podemos, é claro, ter avaliações extraordinárias – na Grécia tivemos cinco relatórios no ano passado, dadas as circunstâncias, quando apenas estavam agendados dois.
Última questão: Há alguns meses, um eurodeputado do PS, Pedro Silva Pereira, acusou “pessoas da direita” de fazerem “uma chuva de telefonemas” para a DBRS, pressionando a agência para baixar o rating de Portugal. Confirma?
Não tenho qualquer conhecimento de quaisquer telefonemas. Mas todos os agentes políticos são livres de nos contactar, a qualquer momento. A única coisa que tentamos fazer, com o nosso trabalho, é sintetizar informação e fornecer uma visão objetiva através do nosso rating. Estamos abertos e recetivos a toda a informação, desde que seja legítima, claro. Mas, não, não tenho qualquer conhecimento de ninguém a ligar nesses termos.