“Que esta Cidade do Futebol seja um reencontro nacional.” Foi assim que o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, olhou para o novo quartel-general da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Em dia de 102.º aniversário da FPF, a Cidade do Futebol foi inaugurada esta quinta-feira, com a presença de Marcelo, Paulo Vistas (presidente da CM de Oeiras) e Tiago Brandão Rodrigues (ministro da Educação), que substituiu o primeiro-ministro. Estiveram presentes muitas outras personalidades da política e, naturalmente, do mundo do futebol, dos clubes, de associações e árbitros. No final, juntou-se uma multidão para ver as modas e saudar alguns velhos conhecidos. “Ó, Toni! Continuas a ser o maior!” O ex-treinador do Benfica sorriu…

A Cidade do Futebol foi ontem apresentada aos jornalistas — veja aqui as fotografias. Hoje era dia de formalismos, apertos de mão, sorrisos, suspiros pelo futuro e tempo de despir a placa. Era dia de aniversário da FPF e isso justificava a inauguração, mesmo com obras por acabar. Os convidados começaram a chegar a partir das 11 horas da manhã, uns pelo próprio pé, a maioria num autocarro designado para o evento. Parecia o velhinho jogo “Quem é Quem” entre os jornalistas. Se houve quem passasse mais despercebido, os antigos jogadores e dirigentes não gozavam dessa sorte. Parecia uma noite de Óscares, só faltou a passadeira vermelha.

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Era este o cenário. Dois corredores, um para os convidados e protagonistas, outro para os jornalistas

Humberto Coelho, Pauleta, João Vieira Pinto, Pedro Proença, Joaquim Evangelista, Mónica Jorge, Rui Jorge e Ilídio Vale chegaram na primeira vaga. Depois vieram Caneira, Abel Xavier, Ricardo, Álvaro Magalhães, Pedro Barbosa, Hugo Leal, Paulo Madeira, Dimas e Dani.

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Era impossível não magicar um onze com aquela gente, ou recordar algumas histórias e proezas em Mundiais e Europeus. Eles nunca gozaram de algo assim, uma casa própria. Andaram sempre com a mala às costas. Rui Costa diria nessa tarde não sentir inveja, sentia sim felicidade por quem podia desfrutar do novo centro do futebol nacional. Os tempos mudaram.

O presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol foi o primeiro a falar aos jornalistas. “É uma obra imponente e importante. Não é só para os treinadores, valoriza o futebol português. O futebol de formação fica mais próximo do futebol profissional. A centralização dos trabalhos favorece o desenvolvimento”, disse José Pereira.

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicado dos Jogadores, seguiu na mesma toada. “É uma impressão digital do futebol português. Temos mais talento que outras grandes nações.” Já Gilberto Madail, ex-presidente da FPF, lamentou algo do passado. “Lamento não ter cumprido o sonho da casa das seleções, que tinha outras valências e até um hotel, mas aplaudo este projeto.”

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Antes da inauguração, Toni deixou elogios à Cidade do Futebol (D.R.)

Entre alguns (muitos) tempos mortos, registava-se o vaivém de pessoas. A cerimónia estava agendada para as 15 horas, mas acabaria por acontecer mais cedo. Tem a palavra Toni, ex-jogador e ex-treinador do Benfica: “Todos, ao longo da história do futebol português, sonharam com esta casa das seleções, um espaço onde vai evoluir todo o edifício do futebol português, desde a formação ao futebol sénior. É um dia em que o futebol está de parabéns. É o primeiro passo para uma grande competição”, disse, piscando o olho já ao Euro-2016, em França.

“Nessa altura [1984] andámos com a mala às costas. Fica tudo mais centrado aqui. Lembro-me que fizemos a nossa preparação em Palmela” — Toni

Toni fazia parte da comissão técnica da seleção no Euro 84, também em França, e lembra que há diferenças: “Nessa altura andámos com a mala às costas. Fica tudo mais centrado aqui. Lembro-me que fizemos a nossa preparação em Palmela, foi aí o nosso quartel-general para preparar o Europeu.”

Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, acompanhado por Augusto Inácio, preferiu não prestar declarações, tal como faria pouco depois Luís Filipe Vieira, o presidente do Benfica. Rui Costa e Nuno Gomes, uma dupla do Benfica que também foi dupla na Fiorentina, chegaram juntos. Os jornalistas pediram umas palavras ao antigo camisola 10 da seleção. “Boas tardes. Deixem-me ver aquilo primeiro.”

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Fernando Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa

“Aqui chegados, importa saber recomeçar. Não a partir de uma página em branco como nos sugeriu Sophia de Mello Breyner…”

Às 14h28 chegou Marcelo Rebelo de Sousa, recebido por Paulo Vistas, presidente da câmara de Oeiras, e Fernando Gomes, presidente da FPF. Seguir-se-ia uma visita às instalações, de fio a pavio, dos balneários até ao relvado principal, passando pela piscina de hidroterapia. Seria tudo muito rápido. Alguns presentes brincavam com a pedalada do presidente — “ainda é convocado pelo Fernando Santos”, dizia alguém.

A placa, escondida pela bandeira nacional, seria destapada às 14h42, por Marcelo e Fernando Gomes. Abraços trocados, era altura de dar o pontapé de saída nas palavras que ficam para a história. Carlos Daniel, jornalista da RTP, foi quem apresentou o evento, com notas pessoais aqui e ali. Uma delas apontada a Fernando Santos: “O mínimo é ganharmos, mister. Agora até temos uma seleção com dois avançados que marcam ao mesmo tempo…”, disse, numa referência aos golos de Cristiano Ronaldo e Nani contra a Bélgica.

Fernando Gomes foi o primeiro a discursar. Emocionado e num ritmo lento, exaltou os 102 anos da Federação Portuguesa de Futebol. “Neste mais de um século de vida, há registo nos últimos 50 anos da vontade dos sócios da FPF de erguer um complexo que pudesse ser a casa de todas as seleções nacionais. (…) Há exatamente 50 anos, os comandados de Otto Glória também colocaram o nome de Portugal no mundo. Era o tempo de nomes como José Pereira, Morais, Alexandre Baptista, Vicente, Hilário, Jaime Graça, Mário Coluna, José Augusto, Eusébio, Torres, Simões e vários outros que conquistaram o bronze no Mundial da Inglaterra”, foi assim que arrancou Fernando Gomes.

“Depois vem o próximo sonho: desafiar a câmara de Oeiras para continuarmos esta cidade com o pavilhão para as seleções de futsal, a segunda modalidade mais praticada em Portugal” — Fernando Gomes

“É pois com forte carga emocional que abrimos portas desse desejo de milhares e milhares de jovens atletas. Abrimos portas a um tempo novo. Abrimos portas à Cidade do Futebol. (…) Depois vem o próximo sonho: desafiar a câmara de Oeiras para continuarmos esta cidade com o pavilhão para as seleções de futsal, a segunda modalidade mais praticada em Portugal.” Paulo Vistas, presidente da CM de Oeiras, deu a mão à ideia e confirmou a intenção de alongar o projeto. “É a concretização de um sonho, foi de muitos, demorou várias décadas a concretizar”, diria ainda Vistas.

Voltemos ao discurso de Fernando Gomes. “Mas aqui chegados, importa saber recomeçar. Não a partir de uma página em branco como nos sugeriu Sophia de Mello Breyner, outro nome imortal, mas a partir de planeamento, compromisso, competência, entrega e espírito de vitória.”

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Fernando Gomes, presidente da FPF, e Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação

Tiago Brandão Rodrigues representou o governo socialista, em substituição de António Costa, que se encontra doente. “É um momento especial para o futebol e o desporto”, começou por dizer o ministro da Educação. “Como dizia [Johan] Cruijff, este é um jogo que se joga com cabeça e usa os pés. A Cidade do Futebol servirá para a promoção do talento nacional, para afirmar a qualidade do desporto português.” O ministro mencionou também a intenção de reforçar a presença do desporto nas escolas.

Marcelo Rebelo de Sousa foi o último a usar da palavra. Num tom professoral, calmo e apaixonado ao mesmo tempo, o presidente da República começou por dar os parabéns a Fernando Gomes, “pelo sonho e promessa cumpridos”, lembrando depois que fez parte da FPF entre 1974 e 1976. “Vi a obra crescer diariamente, passo aqui todos os dias”, o que o levou a pensar “peso do futebol”.

“O futebol é um fator de socialização dos meios urbanos, é uma forma de diálogo interclassista, é um modo de lazer numa sociedade que era pouco diversificada. É um elemento de agregação nacional” — Marcelo Rebelo de Sousa

“É um fator de socialização dos meios urbanos, é uma forma de diálogo interclassista, é um modo de lazer numa sociedade que era pouco diversificada. É um elemento de agregação nacional. A democratização precursora que a prática do futebol representou em Portugal não mais desapareceria”, reflete. O presidente mencionou ainda a “dimensão simbólica” das seleções nacionais, que “atravessaram três regimes”, “unindo os portugueses”. Marcelo pediu sobretudo que a Cidade do Futebol sirva os portugueses. “Que seja um reencontro nacional.”

À saída, Fernando Santos falou no seu tom eu-percebo-disto-calma-aí e mostrava-se satisfeito. “É um sonho cumprido. Era um objetivo. É o que tenho dito sempre: sonhar é importante, mas mais importante é concretizar os sonhos”, começou por dizer o selecionador nacional. “É muito importante para o futebol nacional. Há toda uma questão logística, que tem a ver com o treino, que vai desde os equipamentos até à parte da recuperação, saunas, fisioterapias, ginásio, todas estas questões. Tudo isso leva-nos a pensar onde vamos fazer [o estágio] e nem sempre conseguimos ter tudo, mas a partir de agora já não temos esse problema. Temos a nossa casa.”

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Rui Costa falou aos jornalistas após a cerimónia (D.R.)

Os convidados visitaram a Cidade do Futebol, no Jamor, depois da cerimónia. Quem sabe inspirado em Rui Veloso, como o prometido é devido, Rui Costa voltou para falar do que viu. “É mais um incentivo ao futebol português. É mais uma grande ajuda, com certeza, para todas as nossas seleções. Até ao nosso tempo, não o tivemos. Não invejamos, mas ficamos felizes por ver que essa obra, esse sonho que durava há tanto anos, finalmente se concretizou”, começou por dizer uma referência da seleção nacional, que jogou o Euro 96, Euro 2000, Mundial 2002 e Euro 2004.

“Ainda não vi tudo, tenho de ver mais. Só o facto de estarmos onde estamos, por servir as seleções, já me agrada. Quem fez isto, está bem preparado para aquilo que fez, sabe bem das necessidades que tem uma seleção nacional para trabalhar. Tenho a certeza que está feito à medida das nossas necessidades.”

Inauguração da Cidade do Futebol

Campeões do mundo em 1991: Tó Ferreira, Paulo Torres, Gil, ??? , João Pinto, Abel Xavier e Nelson

“O Rui está a fazer a convocatória para o Europeu…”

Prri, prrii, prriiiii. Ponto final na cerimónia, chega de formalismos. Os convidados iam abandonando, a conta-gotas. Estavam satisfeitos e orgulhosos, caminhavam tranquilamente. Perto da saída do complexo, separados por meros cinco metros, estavam as comitivas do Benfica e Sporting, que pareciam água e azeite. Rui Costa ficou agarrado à conversa com Fernando Santos, seu treinador no Benfica, em 2006/07. Luís Filipe Vieira chamava-o: “Ó, Rui! Vamos, pá” Nuno Gomes sorria e lá soltou um “o Rui está a fazer a convocatória para o Europeu”.

Augusto Inácio, dirigente do Sporting, metia-se com um jornalista desportivo com muitos anos de profissão, que enfiava o pescoço entre os ombros. “Isso é tudo frio!?” E era, senhoras e senhores. Esteve muito frio.

Lá fora começou a formar-se um maralhal. Havia miúdos, homens e mulheres, mas sobretudo adeptos da velha guarda que queriam ver heróis dos seus tempos. “Ó, Toni! Continuas a ser o maior”. Toni lá sorriu, meio sem jeito. Logo atrás, seguiam Dimas e Paulo Madeira, ex-jogadores de Toni, que se riram e confirmaram: “Continua…”

A Cidade do Futebol custou 15 milhões de euros e demorou 17 meses a ser construída. Foi apresentada ao país no dia do 102.º aniversário da Federação Portuguesa de Futebol. Talvez por isso seja justo terminar com uma ideia do discurso do presidente Fernando Gomes. “Não é o nosso ponto de chegada. Este é antes o nosso novo começo, porque na vida interessa sempre menos o que já fizemos do que aquilo que ainda nos propomos fazer. Este é o nosso ponto de partida.”

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