Enquanto o Brasil vive a expectativa da votação na Câmara dos Deputados da abertura do processo de destituição de Dilma Rousseff, há outro processo que silenciosa e lentamente está a arrastar-se no Conselho Ética da Casa Legislativa há 176 dias, de um dos protagonistas da atualidade política brasileira. Trata-se de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados do país, investigado por corrupção e lavagem de dinheiro pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de alegadas luvas de 1,25 milhões de euros recebidas de um contrato do estaleiro Samsung Heavy Industries com a Petrobras.
Esta investigação, realizada no âmbito da Operação Lava Jato, motivou o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados a abrir um processo de desvio de conduta pela suspeita de que Cunha tenha mentido durante um depoimento prestado ano passado, numa comissão parlamentar dedicada aos casos de corrupção na Petrobras. Cunha terá omitido a existência de contas bancárias fora do Brasil, das quais será beneficiário.
Esta quinta-feira o processo de cassação de Eduardo Cunha sofreu um novo revés, com a renúncia do deputado Fausto Pinato do Conselho de Ética, responsável por julgar o caso. A decisão foi motivada porque o deputado, primeiro relator do processo, trocou recentemente de partido, do PRB para o PP, e acredita que a função de relator no caso pertence ao PRB. “Como a vaga era do PRB e eu saí de maneira amistosa, o partido solicitou a vaga. Foi um acordo, senão, o PP [atual partido do deputado] ficaria com cinco vagas”, disse Pinato ao site G1.
O Conselho de Ética é formado por 21 deputados pertencentes a diferentes partidos. Pinato fazia parte dos 11 membros que votaram a favor da continuidade do processo de cassação de Cunha, enquanto outros 10 integrantes votaram pelo fim do processo. O PRB indicou a deputada Tia Eron como substituta – parlamentar próxima a Eduardo Cunha -, o que apontaria para uma mudança de voto mais favorável ao presidente da Câmara dos Deputados.
“O jogo está desenhado. Não podemos ficar à mercê da boa vontade de Eduardo Cunha, que quer mandar em tudo”, afirmou o deputado José Carlos Araújo, presidente do Conselho de Ética, em entrevista ao jornal El País.
A troca de deputados na Comissão de Ética não deve terminar ainda. A Mesa Diretora da Câmara, presidida por Eduardo Cunha, apresentou um projeto de resolução que tem como objetivo adequar o número de representantes de cada partido na comissão, após o término do período no qual estava permitido que os deputados trocassem de partido sem a perda de mandatos. Cunha é acusado de ter-se aproveitado desta “troca partidária” para influenciar a escolha de novos nomes, mais favoráveis a travar o processo de cassação do seu mandato.
“Isso fará com que sejam substituídos pelo menos três titulares do Conselho de Ética: o seu presidente, o relator do caso do deputado Eduardo Cunha e o ex-relator, os três que mudaram de partido. Portanto essa é uma manobra inaceitável, que tem por objetivo, na prática, zerar o jogo no Conselho de Ética”, afirma o deputado Alessandro Molon, do partido Rede Sustentabilidade, citado pelo site G1.
Cunha respondeu às críticas durante uma sessão parlamentar, argumentando que estava apenas a seguir o regimento interno da Casa Legislativa. O projeto de resolução ainda precisa ser votado na Câmara dos Deputados, mas ainda não foi definida uma data.
Esta não é a primeira vez que o presidente da Câmara dos Deputados é acusado de atrasar a votação definitiva do parecer. Cunha já tentou recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular o processo, além de convocar sessões parlamentares, na condição de presidente da Câmara, na mesma hora que as reuniões do Conselho de Ética para forçar a falta de quórum.
Operação Lava Jato e impeachment
A 3 de março, o Supremo Tribunal Federal acolheu por unanimidade a denúncia do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra Eduardo Cunha, de ter recebido 1,25 milhões de euros para tornar viável a contratação do estaleiro Heavy Industries Samsung, responsável pela construção dos navios-sonda Petrobras 10000 e Vitoria 10000.
A contratação terá acontecido sem licitação, a partir de documentos assinados em 2006 e 2007, através de Fernando Soares, lobista relacionado à Diretoria Internacional da Petrobras, indicado pelo PMDB, partido de Eduardo Cunha. A Samsung terá transferido 10,10 milhões de euros para o empresário Júlio Camargo, que depositou o dinheiro na empresa offshore Piemonte, no Uruguai. Cunha terá recebido valores desta empresa a partir de empresas de fachada.
Em outubro de 2015, o banco suíço Julius Baer encontrou e bloqueou 2,1 milhões de euros no nome do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, dividido entre ativos em dólares e francos suíços aplicados em fundos de investimento realizados em contas correntes de offshores, valor não declarado para as autoridades fiscais brasileiras.
Na altura, Cunha negou à imprensa ter recebido qualquer dinheiro de forma irregular e disse que “daria de presente” as contas fora do Brasil para aqueles que as encontrassem:
Vocês podem preparar em qualquer escritório de advocacia internacional qualquer documento que diga empresa, trust, de qualquer natureza, para eu assinar procuração de doação, busca, verificação, não é só de Israel não, de Israel, da Arábia Saudita, do Líbano, de qualquer lugar do mundo que você queira, de qualquer conta bancária, que eu dou de presente para reverter a quem quiser porque não existe”, disse, citado pelo jornal Folha de S. Paulo.
No entanto, em janeiro deste ano, dois empresários da Carioca Engenharia fizeram uma “delação premiada” à Polícia Federal, em que afirmam que Eduardo Cunha recebeu luvas em cinco contas no exterior para viabilizar dinheiro público para o projeto do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. A obra foi idealizada por consórcio formado pelas empresas Carioca, Odebrecht e OAS – todas alvos da Operação Lava Jato. A trama chega, inclusive, ao escândalo dos Panama Papers, que revelaram que uma das offshores utilizadas para intermediar o recebimento das luvas por Cunha foi aberta pela Mossack Fonseca.
Os problemas judiciais de Eduardo Cunha coincidem com a abertura do processo de destituição de Dilma Rousseff. O processo foi aceite pelo presidente da Câmara dos Deputados do Brasil 2 de dezembro de 2015, após ter rejeitado outros 37 pedidos protocolados anteriormente. Críticos da decisão questionam o timing da abertura, uma vez que no mesmo dia os três deputados do PT, partido de Dilma Rousseff, votaram no Conselho de Ética a favor da continuação da investigação à conduta do líder da Câmara dos Deputados.
Como presidente da Câmara dos Deputados, Cunha foi o responsável por definir que a votação do processo de impeachment fosse realizada num domingo, dia em que não é comum haver atividade parlamentar e que facilitaria a mobilização popular a favor do processo. De fato, Dilma Rousseff acusou-o nas suas últimas entrevistas de ser o “vice-chefe do golpe” e estar articulado com o vice-presidente, Michel Temer, para facilitar a impugnação do mandato da presidente.