Se há uma palavra que define o resultado da votação da abertura do processo de destituição de Dilma Rousseff, tanto para os deputados a favor como para os contrários ao pedido, é surpresa. A aprovação do impeachment por 367 votos, 25 a mais do que os 342 necessários, superou as expectativas do grupo ligado ao vice-presidente do Brasil, Michel Temer, que esperava uma vitória com uma margem mínima. De fato, as projeções dos jornais Folha de São Paulo e Estadão apontavam uma vitória por até 360 votos.
O governo, por outro lado, contava com o apoio de última hora de deputados de partidos com menor representação na Câmara dos Deputados. As negociações terão ocorrido numa marcação “homem-a-homem”, sem intermediação dos líderes partidários, e envolvia a nomeação de parlamentares para cargos no governo. Durante a votação do impeachment, circulava nas redes sociais uma lista que indicava o apoio certo de pelo menos 140 deputados para travar o processo. Dilma conseguiu reunir apenas 137, que somados às sete abstenções e duas ausências, totalizam 146 votos.
Mas de onde surgiu esta diferença entre os resultados esperados de ambos os lados e o resultado final da votação?
O Observador recuperou os votos dos deputados e comparou com os dados de intenção de votos publicados pelos jornais Estadão e Folha de S. Paulo para descobrir quem foram os “traidores” e os “misteriosos” que contribuíram para dar a surpresa na votação.
Os “traidores” e os “traidores declarados”
Há alguns deputados, ex-membros do governo Dilma Rousseff, que votaram a favor da abertura do processo de impeachment. É o caso de Mauro Lopes (PMDB), ministro da Aviação Civil até a última quinta-feira. Segundo relata o jornal Folha de S. Paulo, Lopes havia pedido o seu afastamento da pasta para votar contra a destituição de Dilma. No entanto, o deputado votou “sim” ao impeachment, como forma de seguir a orientação de voto do seu partido.
Pelo povo de Minas e esperando o crescimento do transporte nesse país, que está muito ruim, quero dizer do fundo da minha alma, pela minha mulher, pelos meus filhos e netos e pela minha querida Caratinga, meu voto é sim”, declarou Lopes.
Ministro de Dilma até quinta, Mauro Lopes vota a favor do impeachment.https://t.co/Y8ZJW286pl pic.twitter.com/yGBqMcllAe
— Heber Dias (@prosapolitica) April 18, 2016
Outro exemplo é Alfredo Nascimento, ex-ministro dos Transportes, que teve de abandonar a pasta em 2011, primeiro ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff. O deputado também é presidente do PR, partido que havia decidido dar liberdade de voto para os seus parlamentares.
Durante a votação, Nascimento anunciou que renunciava o comando do partido porque gostava de manifestar-se contra Dilma Rousseff.
Em respeito ao meu partido, aos meus colegas parlamentares, quero comunicar esta Casa que renuncio ao mandato de presidente do Partido da República por dar o meu voto de forma diferente”, disse.
Alfredo Nascimento reunicia o cargo de presidente do PR e vota a favor do impeachement – https://t.co/orUbBuKaaB pic.twitter.com/iRF170sMDm
— RevistaBzzz (@RevistaBzzz) April 17, 2016
O jornal Estadão cita ainda o deputado Adail Carneiro (PP), que esteve com Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada no sábado. O deputado terá prometido votar contra o impeachment — promessa não cumprida no domingo. Na contabilidade do governo, os deputados Nelson Meurer (PP) e Toninho Wandscheer (PROS), também votariam contra o processo, mas acabaram por votar a favor.
Durante a votação, houve ainda espaço para “traições declaradas” de deputados que já haviam anunciado uma posição contrária ao partido no qual estão filiados. É o caso de Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara dos Deputados. Em nome do partido, o deputado falou no seu discurso que o sentido de voto do PMDB seria a favor da abertura do processo. O parlamentar, contudo, votou contra o impeachment, uma decisão já conhecida pela direção do PMDB.
Picciani é um aliado do governo Dilma e terá tentado convencer parlamentares do partido a travar o processo, movimentação que lhe pode custar a liderança na Casa Legislativa.
"Bancada do PMDB optou pelo voto favorável ao impedimento", diz líder Leonardo Picciani (PMDB-RJ) pic.twitter.com/vSL9yCCHUj
— Ao Vivo GZH (@aovivogzh) April 17, 2016
Os “misteriosos” que criaram suspense até o último momento
Os motivos são diversos: medo de posicionar-se diante da opinião pública, medo de receber represálias dentro do partido, criar um fator de imprevisibilidade para a votação, receber assédio dos meios de comunicação social, esperar a melhor oferta de grupos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Os “misteriosos”, deputados indecisos ou que não se pronunciaram publicamente sobre a abertura do impeachment antes da votação, criaram suspense até o último momento na Câmara dos Deputados.
Feitas as contas, dos 24 deputados que se declararam indecisos ou que não quiseram revelar o seu voto antes de domingo, 16 votaram a favor da destituição de Dilma Rousseff, enquanto oito votaram contra.
Entre os 16 deputados, encontravam-se integrantes do autointitulado grupo “Nem Dilma nem Cunha”, parlamentares que pertencem a partidos a favor do impeachment, mas que não queriam legitimar o processo conduzido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. No entanto, acabaram por seguir a orientação de voto dos seus partidos, favoráveis à abertura do processo.
Faz parte deste grupo o deputado Júlio Delgado, filiado no PSB. Em entrevista a Folha de S. Paulo, Delgado já se havia pronunciado sobre a sua dúvida. “Minha tendência é seguir o meu partido, mas essa tese da falta de legitimidade do Cunha é forte”, afirmou.
Julio Delgado (PSB) nega mudança de voto e diz que segue favorável a impeachment https://t.co/FwOSQqtOgh pic.twitter.com/jyYVDfJWgo
— Diario de Pernambuco (@DiarioPE) April 16, 2016
Do outro lado, Ronaldo Lessa, filiado no PDT, votou contra o impeachment, após dias de indecisão.
Não sei se até o final da tarde de hoje eu anuncio meu voto. A inclinação principal é votar com a orientação do partido. Mas ainda não decidi. Me preocupo com ruptura de um mandato. Para tirar tem que estar bem calçado de que houve crime. A questão política não pode se sobrepor à jurídica”, revelou, em entrevista ao site G1, dois dias antes da votação. Lessa foi o último parlamentar a votar no domingo.
Um pequeno contraponto a favor de Dilma: os abstencionistas
A poucos minutos do início da votação, grupos favoráveis à destituição de Dilma Rousseff temiam a ausência de dez dos 513 deputados na Casa Legislativa. Com um iminente resultado renhido, as ausências favoreceriam o governo ao dificultar que se chegassem aos 342 votos necessário para aprovar o impeachment. O jornal Estadão relatou que durante o início da sessão, pessoas próximas do vice-presidente, Michel Temer, terão estado à caça dos deputados que se encontravam ausentes.
Resultado: houve apenas dois deputados ausentes na votação. Clarissa Garotinho (PR) justificou a sua ausência ao jornal Extra ao dizer que estava afastada da Casa Legislativa por uma questão de saúde. “Há 10 dias, passei mal em Brasília e fui levada para o departamento médico da Câmara. Lá fiquei em observação por uma hora e fui submetida a um eletrocardiograma. Na terça-feira desta última semana fui consultada pelo médico que acompanha o meu pré-natal e ele solicitou a licença-maternidade”, disse.
Aníbal Gomes (PMDB) também utilizou a mesma justificativa. “O deputado Aníbal Gomes passou por uma cirurgia delicada na coluna e está internado na UTI, por isso está ausente”, explicou Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara dos Deputados, durante a votação.
Houve, no entanto, um pequeno contraponto que pesou a favor de Dilma Rousseff. Tratam-se dos sete parlamentares que optaram por abster-se durante a votação.
Foi o caso de Pompeo de Mattos (PDT), que afirmou ser contra a corrupção ao se abster. “Nem Dilma, nem Temer, nem Cunha. Quero eleições limpas e honestas”, declarou durante a votação.
Já o secretário estadual de Transportes, Sebastião Oliveira, filiado no PR, votou pela abstenção depois de adiar 24 horas o seu pedido de afastamento do governo, de modo a beneficiar a presidente. Outro caso é o do deputado Beto Salame (PI), que já foi destituído da direção do partido no estado do Pará após abster-se da votação, segundo avança a revista IstoÉ Dinheiro.
#Votação1704 Sebastião Oliveira (PR), que não havia adiantado seu voto, se absteve de votar pic.twitter.com/3ThNlvfbIb
— Jornal do Commercio (@jc_pe) April 18, 2016
Desobediências por partido
Segundo aponta a agência Aos Fatos, dos 137 votos contrários à destituição de Dilma Rousseff, apenas os deputados do PT, o PC do B e o PSOL seguiram o sentido de voto dos partidos.
Entre os partidos que fazem parte da base de governação, o PDT foi o menos desobediente: 6 dos 19 deputados do partido votaram “sim”. No PR, a taxa de desobediência sobe para 26 de 40 deputados e no PSD, para 29 de 37 parlamentares.
O fenómeno repetiu-se de maneira mais tímida ente os partidos da oposição. PSDB, DEM, PRB, Solidariedade, PSC, PV e PMB votarão todos a favor do impeachment. No PP, houve opositores à decisão: sete deputados votaram “não” ou abstiveram-se. O partido já abriu um processo disciplinar contra os parlamentares.