No ano de 2015, o Exército foi o ramo com a pior execução financeira da Lei de Programação Militar (LPM), o documento que define os investimentos em equipamento para as Forças Armadas. Segundo o relatório de execução da LPM que deu entrada na Comissão Parlamentar de Defesa — e a que o Observador teve acesso — as tropas terrestres foram as que menos projetos conseguiram concretizar, apesar de serem as que tinham menos verbas adjudicadas. A Força Aérea gastou 66,7 milhões de euros, o que representou 91% das verbas que que tinha à sua disposição; a Marinha executou 73,7 milhões de euros, ou seja, 81,6% do dinheiro da LPM destinado ao ramo; no último ano sob o comando do general Carlos Jerónimo, que se demitiu este mês, o Exército aplicou apenas 12,6 milhões de euros em equipamento, o que totaliza apenas um terço do montante que o ramo poderia gastar em 2015.

Há ainda a considerar os órgãos e serviços centrais do Ministério da Defesa, que gastaram mais dinheiro: 163,5 milhões de euros (98,7%) de execução; e o Estado-Maior das Forças Armadas (EMGFA), que executou 7,5 milhões de euros (84,1% das verbas). No total, em 2015, as Forças Armadas gastaram 376,6 milhões de euros, o que corresponde a uma execução global de 86% da LPM.

O investimento não concretizado pelo Exército que envolvia o valor mais elevado (16 milhões de euros) era a transferência das Oficinas Gerais de Material de Engenharia (OGME) da Ajuda, em Lisboa, para Benavente. Segundo uma fonte oficial do Estado-Maior do Exército, “o projeto de transferência das OGME para Benavente implica a construção de um conjunto de infraestruturas, cujo prazo de execução estimado é de três anos. Considera-se que possa estar concluído em 2017”. O ramo pronunciou-se em resposta ao Observador explicando que, “em 2015, foi adjudicada a primeira fase da obra em causa, no valor de 1,26M€, mas sem execução física, pelo que não houve lugar a pagamentos”.

Um dos problemas do Exército, que afetou a concretização deste projeto — e que influencia todas as Forças Armadas — tem a ver com a transferências de saldos da LPM de um ano para outro. “Realça-se ainda que o financiamento deste projeto [transferência das OGME] é integralmente proveniente de saldos transitados e nessa ótica, está sujeito a constrangimentos”, avança o Estado-Maior. De acordo com as respostas ao Observador, a principal responsabilidade é dos Ministérios da Defesa e das Finanças que, para não prejudicarem a execução orçamental atrasam até ao limite a transferências de verbas necessárias aos investimentos militares.

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Em primeiro lugar, metade das dotações de 2015 para o Exército na LPM resultam de saldos transitados desde 2012, ou seja, de dinheiro que não foi gasto ao longo desses anos. “As dotações de saldos transitados, cuja autorização de atribuição é da competência do ministro da tutela, têm ocorrido geralmente no final do primeiro trimestre, não podendo os procedimentos aquisitivos ser iniciados antes dessa atribuição”. Depois de ter as verbas, o Exército admite que não conseguiu ultrapassar todos os processos burocráticos de modo a concluir os investimentos: “Se a este facto se juntar a necessidade de nova tramitação, resulta daqui que parte das dotações só estiveram disponíveis em meados do ano. Os trabalhos necessários ao lançamento dos procedimentos e o cumprimento estrito dos prazos prescritos no Código das Contratações Públicas (a que os investimentos militares também estão sujeitos), fez com que determinado tipo de procedimentos ficasse automaticamente inviabilizado”.

Relatório da Defesa muito crítico das Finanças

O próprio relatório de execução da LPM é muito crítico sobre esta questão da transferência dos saldos orçamentais de uns anos para os outros. Alberto Coelho, 0 diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional que assina o documento, escreve que “existem fatores que condicionam e impedem a execução financeira e material” adequada da lei. Vai mais longe, ao sublinhar que as Finanças acabam por prejudicar o reequipamento das Forças Armadas ao nem sempre transferirem a totalidade de verbas que estava consignada à LPM: “A edificação de capacidades é comprometida pela existência reiterada de saldos transitados, aos quais não foi autorizada a sua aplicação total em despesa, ou a sua aprovação é tardia”, aponta aquele responsável ministerial.

Ao não aplicar as verbas adjudicadas, o Exército pode ficar prejudicado em 26 milhões de euros este ano, que é o valor do saldo que lhe sobra de 2015.

O Exército justifica ainda que não conseguiu executar pequenas dotações, “por ter havido procedimentos cujos prazos de entrega dos materiais pelos fornecedores excederem o ano económico”. Outro aspeto invocado pelo ramo relaciona-se com o contrato de manutenção das viaturas blindadas de rodas Pandur, “cujas entregas contratualizadas pela firma não foram realizadas em 2015 e por esse motivo não foram pagas”. O Estado-Maior das tropas terrestres refere ainda haver “dotações que se referem ao projeto de aquisição de Viaturas Táticas Ligeiras Blindadas, cujo processo aquisitivo (que se pretende que tenha natureza plurianual) é mais complexo, não tendo sido possível concluí-lo em 2015”.

Em paralelo com os saldos, outro problema apontado de forma crítica no relatório são as cativações que as Finanças fazem recair em cada exercício orçamental sobre a LPM. “O valor das cativações anuais tem reduzido os montantes financeiros previstos na LPM”, pode ler-se no documento enviado aos deputados. “Consequentemente, as cativações não permitem inscrever na lei as aquisições programadas, comprometendo desta forma o planeamento, a execução de projetos, obrigando à recalendarização dos mesmos e ao adiamento de compromissos.” As críticas que constam no relatório aos sucessivos ministérios das Finanças vão mais longe e chegam à conclusão de que o Terreiro do Paço tem prejudicado o reequipamento e a gestão dos ramos militares: “Pode afirmar-se que as cativações anuais impedem que a lei seja o instrumento de tradução financeira para o planeamento e investimento das Forças Armadas”.