Os curiosos são muitos, há muitos apertos de mão e perguntas ao proprietário do Palácio do Kebab e à sua entourage. Quem passa, estranha apenas a presença dos jornalistas. De resto, nada indicaria que ali houve um caso sério de violência. É um dia normal, com alunos das escolas profissionais de um lado e para o outro.
Dentro do estabelecimento, os olhos estão cravados nas imagens da TV, que repetem até à exaustão os desacatos de segunda-feira de manhã. Um amigo do proprietário não deixa escapar a oportunidade: “Olha aqui! Olha este com pistola, a ir-se embora. Agora vê-se a pistola. Já viste o que podia ter acontecido? Tiros… Eu acho que ele teve coragem a mais”, diz ao Observador, comentando assim a reação do proprietário do restaurante face ao grupo de jovens que invadiu o espaço.
Num café nas imediações, comenta-se o circo montado pela comunicação social, brinca-se por uma senhora ter aparecido em vários noticiários e há quem pergunte o que se passou. “Se iam comer e acabam a levar dinheiro e o telemóvel do homem… isso justifica”, que é como quem diz: isso explica o que aconteceu.
O episódio teve lugar por volta das oito da manhã de segunda-feira, quando um grupo de jovens entrou no Palácio do Kebab, um estabelecimento que abre às 10h00. O proprietário, com a cabeça mal tratada, com alguns arranhões profundos, não quer ser identificado nem aparecer em imagens. O homem tem 35 anos, nacionalidade turca, está em Portugal há quatro e vai conseguindo expressar-se em português razoavelmente, mas o assunto é sério e, por isso, recorre a um amigo também ele turco, que tem um espaço comercial no Martim Moniz, com um português ótimo. “Não posso fechar, tenho de trazer a minha família da Turquia”, explica o protagonista da história ao Observador.
As imagens divulgadas pela SIC esta terça-feira mostram um grupo numeroso de jovens em confronto com um homem, que tem um ferro na mão. “Isto só abre às 10h00 e eles entraram por volta das 8h00. Aproveitaram a porta estar semiaberta. Ele disse-lhes que não podia vender comida, não tinha nada preparado”, traduz o amigo do dono do Palácio do Kebab. “Foram diretos à caixa registadora e tiraram-lhe o telefone também. Pegaram no extintor e usaram-no contra aquilo [aponta para uma das paredes, onde estavam garrafas e prateleiras]. Ele defendeu-se com um ferro. Cá fora, mandaram-lhe garrafas e pedras. E depois houve três tiros, estão aqui os buracos [aponta para uma parede].”
E continua: “Eram 20 e tal [pessoas]. Àquela hora não deviam estar bons”, diz o amigo turco, quando questionado sobre se estariam alcoolizados. A seguir conseguiu enfiar-se dentro do estabelecimento, barricou-se, fechou as portas. O grupo tentou abrir a porta e invadir o local novamente, mas sem sucesso. Foi assim que acabou este episódio. O grupo envolvido será constituído por pessoas entre os 22 e os 30 anos.
Os cartuchos dos disparos estarão já na posse da Polícia Judiciária (PJ). No vídeo parece ouvir-se apenas um tiro, mas os dois turcos falam em três. É exatamente por essa razão que foi a PJ a assumir a investigação. Segundo a PSP, poderão estar em causa crimes como homicídio qualificado na forma tentada e ofensas à integridade física qualificada. A Lusa, durante esta terça-feira, já havia confirmado que a PSP identificou seis homens por suspeitas de envolvimento nos desacatos no Cais do Sodré.
O Comando da PSP de Lisboa confirmou que tudo aconteceu pelas 7h30, após uma discussão entre um grupo e o proprietário de um restaurante, na Rua Dom Luís I.
O estabelecimento fica localizado na rua da discoteca Place, da Escola Profissional de Imagem, da ETIC e ainda da Fundação Portuguesa das Comunicações — é uma paralela à Avenida 24 de Julho. “É a primeira vez que lhe acontece um episódio destes”, explica o amigo. “Ele não pode fechar o estabelecimento, é o ganha-pão dele. Nem pode mudar de sítio. Abriu isto há um mês! Investiu tudo o que tinha aqui. Ele tem mulher e dois filhos na Turquia. Vai continuar aberto, tem de ser.” A vigilância, dizem, é impossível: “É muito caro”.
O dono do restaurante especializado em kebabs quer trazer a família para Portugal, mas até teve de mudar os planos para o fazer. “O meu negócio é sapatos, mas como estou à espera do visto de residência, não posso sair de Portugal. Há quatro anos. Não posso ir à Turquia ver os sapatos e comprar para trazer. Os clientes pedem, mas não posso sair”, explica ao Observador. E foi por isso que abriu o Palácio do Kebab.