A chuva não desmobilizou estudantes e populares do Cortejo de Coimbra, com os guarda-chuvas a juntarem-se aos carros coloridos e apetrechados de referências sexuais, à cultura popular, bem como à situação política e social do país.

André chegou de Viseu, trajado a rigor para assistir ao cortejo. Está a tremer, a água escorre da cabeça aos pés, mas não se fala em desistência, apesar de o tempo o ter deixado “desanimado”. “Há que festejar até ao fim”, disse à agência Lusa o estudante de 19 anos. Um aluno de Engenharia Informática, de 22 anos, diz que se “investiu muito tempo” nos carros de curso e “ninguém vai abdicar do trabalho”, verificando que hoje, em Coimbra, se vive “o caos habitual” do Cortejo

Estudantes despejam cerveja, ‘cartolados’ levam bengaladas e, por todo o lado, ouvem-se cânticos de cada curso, misturados com o som da sirene de ambulâncias e com alguns gritos adequados ao contexto – “Hipotermia lá-lá-lá-lá”, gritava um estudante.

“Chapéus para a chuva”, anuncia, de voz enrouquecida, António Lourenço, de 62 anos, que é mais interpelado que os comerciantes vizinhos que procuram vender pipocas. O homem, natural de Coimbra, vinha para vender gelados, mas acabou a vender guarda-chuvas. “Os gelados vendem-se mais, mas o tempo não deixou”. Contas feitas, às 16:00, juntamente com a mulher, tinha vendido apenas um gelado e algumas dezenas de guarda-chuvas.

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“A chuva está a estragar o negócio. Mas pode ser que São Pedro ajude, para os estudantes comprarem umas pipoquinhas”, comentava Maria do Céu Carneiro, do Porto.

Outra vendedora, que ia vender “brinquedos”, afirmava que, “com o tempo, a borracheira passa”.

“Já cheguei a gastar 30 barris de cerveja, hoje ainda só vendi 15 ‘finos'”, queixava-se João Pedro, a vender cerveja na Praça da República, recordando que a chuva, no cortejo da Queima, “não é normal”: “Chove antes e depois, mas São Pedro poupa sempre o cortejo”.

Face ao tempo, os próprios carros alegóricos (um total de 101), cumpriram mais depressa o percurso entre o largo Dom Dinis e a Portagem. Pelo caminho, podiam ver-se algumas referências a problemas sociais. “Comprimido para o enjoo? A viagem à procura de emprego é longa e vais andar às voltas com estágios não remunerados”, dizia Farmácia.

José Sócrates, Passos Coelho e António Costa também foram visados em alguns carros. Medicina mostrou o Serviço Nacional de Saúde como um paciente a precisar de um desfibrilhador, Arquitetura lembrava a emigração com a inscrição “Ready to export [pronto a exportar]” e Relações Internacionais dizia que “D. Quixote fugiu à procura de ‘offshores'”.

“Em princípio, é sair do país e ir à procura de trabalho no estrangeiro”, comentou Alexandra Barreiro, finalista de Psicologia, referindo que “a incerteza do futuro é algo que está muito presente”.

Sandra Pinto, de 23 anos, diz que a possibilidade de emigrar já lhe passa pela cabeça, sendo a Queima das Fitas “a última festa” antes das preocupações de tentar entrar no mercado de trabalho.

“Há um sabor amargo. É uma coisa que está muito presente, porque os salários cá são baixos e só oferecem estágios profissionais, e emigrar é uma boa opção para se ir à procura de melhor salário. Mas hoje é para esquecer esse futuro incerto”, afirmou João Alves, finalista de Engenharia Electrotécnica.

A Queima das Fitas prossegue com noites na Praça da Canção, que se estendem até sexta-feira.