O horário de trabalho da função pública vai regressar às 35 horas semanais. Mas a mudança não é para todos. A proposta que o PS entregou sexta-feira à noite no Parlamento, a que o Observador teve acesso, prevê que nos serviços onde haja falta de pessoal a aplicação do horário de trabalho mais curto seja “ajustada às necessidades” e “até 31 de dezembro”. Além disso, o diploma continua a deixar de fora todos os trabalhadores do setor público cujo vínculo seja um contrato individual de trabalho.
Regressar a um horário de trabalho de sete horas por dia e 35 por semana foi uma promessa eleitoral do PS. Mas depressa se percebeu que os custos da medida obrigariam os socialistas, uma vez chegados ao Governo, a uma transição mais suave do que o desejado — tanto pelos trabalhadores, como pelos partidos da esquerda que sustentam o Executivo.
A proposta que o PS entregou na Assembleia da República na noite de sexta-feira — o último dia do prazo para entregar alterações aos diplomas em discussão — foi muito debatida entre os socialistas e a equipa do Executivo, sabe o Observador.
Havia dois pontos fundamentais em análise: primeiro, como conciliar a data reclamada pelo partido e prometida pelo primeiro-ministro para a entrada em vigor do novo horário (1 de julho) com a limitação exigida pelo ministro das Finanças de não fazer crescer os custos com pessoal.
Segundo, como resolver o problema dos diferentes tipos de vínculo dos trabalhadores do setor público e garantir que a redução do horário seria válida para todos sem, uma vez mais, fazer subir os custos.
De acordo com a proposta de alteração, o poder do ministro das Finanças fez-se sentir. Os socialistas mantêm a data de 1 de julho como objetivo, mas inscrevem uma norma transitória que, na prática, não só prevê uma entrada faseada da medida, como a faz depender, nos casos em que resulte num aumento de custos, do ministro Mário Centeno.
Desde logo, há um travão na despesa:
Em 2016 as despesas com pessoal dos órgãos e serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não podem exceder os montantes relativos à execução de 2015, acrescidos das alterações remuneratórias previstas [no Orçamento do Estado deste ano].”
Nos casos em que “razões excecionais fundadamente o justifiquem”, o teto dos gastos com pessoal pode ser excedido, mas para isso é preciso “autorização” de Centeno, prevê a proposta de alteração.
Depois, o novo horário não vai entrar em vigor ao mesmo tempo em todos os serviços:
“Nos órgãos e serviços em que se verifique a necessidade de proceder a contratação de pessoal, a aplicação do tempo normal de trabalho pode ser, em diálogo com os sindicatos, e até 31 de dezembro de 2016, ajustado às necessidades, para assegurar a continuidade e qualidade dos serviços prestados.”
Por fim, a proposta nada prevê para os trabalhadores do setor público que tenham como vínculo um contrato individual de trabalho, regido pelo Código do Trabalho. Tanto os sindicatos como o PCP, BE e Verdes queriam que o novo horário se aplicasse automaticamente para todos, mas com esta proposta estes trabalhadores vão continuar sujeitos a um horário de 40 horas.
A forma de transitarem para o horário mais curto será através da assinatura de acordos coletivos de trabalho. A situação é particularmente premente nos hospitais-empresa, onde há pessoas com os dois tipos de vínculo a trabalhar lado a lado.
Por isso, José Abraão, secretário-geral do Sintap – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública, exige ao Governo que se retome o processo de negociação coletiva com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) “já a partir do dia 27 de maio”, quando se prevê que o diploma das 35 horas seja aprovado na Assembleia da República.
“Só falta fechar o ponto do horário de trabalho”, diz o dirigente, referindo-se ao processo negocial do acordo coletivo com a ACSS. E frisa:
É só uma questão de vontade política. Seria mais uma promessa cumprida pelo Governo aplicar o horário de 35 horas a uns pela alteração da lei e a outros pela negociação coletiva.”