A história é anterior a 2010. Arrastou-se até hoje. Este sábado, a federação distrital do PS que esteve envolvida em mais escândalos nos últimos anos vai a votos, depois do último ato eleitoral ter sido suspenso. Coimbra representa do caciquismo no seu pior. Já houve duas investigações judiciais. Angariação massiva de militantes. Pagamento de quotas por atacado com dinheiro cuja origem se desconhece. Militantes que transportavam mais de 15 mil euros em dinheiro vivo para pagar quotas. Um arguido por tráfico de influências (ilibado). Obtenção de verbas junto de empresários ou advogados para saldar quotizações. Falsificação de fichas, de assinaturas, de moradas (provado). Uma militante expulsa (e reintegrada) por ter denunciado os casos. E dirigentes suspensos sem efeito porque os casos prescreveram. Uma candidatura desistente. Afinal tudo parece ter ficado na mesma.
A direção do PS só não decidiu iniciar um processo de refiliação em Coimbra, para renovar os cadernos eleitorais e limpar os ficheiros de militantes, porque está a pensar fazê-lo a partir de setembro em todo o país. Hugo Pires, secretário-geral do PS para a Organização disse ao Observador que esse processo “não foi feito em Coimbra para não parecer uma coisa direcionada”. Quando a refiliação for feita, é para o PS no seu conjunto.
Comecemos pelo fim, por aquilo que aconteceu no processo que antecedeu as eleições deste sábado. A Federação Distrital do PS/Coimbra continua a ferro e fogo. No dia em que se realizam as eleições que vão consagrar novamente Pedro Coimbra como dirigente máximo socialista no distrito, os opositores internos continuam a falar em “farsa eleitoral”, “fraude” e “vergonha nacional”. Pedro Coimbra rebate todas as acusações e garante que este é “o ato eleitoral mais escrutinado e fiscalizado de sempre na federação”. António Manuel Arnaut, o challenger — filho do histórico socialista António Arnaut — recusa ir a eleições e promete levar o caso até ao Tribunal Constitucional, se a situação não for regularizada.
O sufrágio distrital estava marcado para 4 e 5 de março, mas foi suspenso por ordem expressa da cúpula socialista em Lisboa. Os órgãos nacionais do partido resolveram suspender preventivamente 16 militantes envolvidos num esquema de fichas irregulares, criado para favorecer a lista de Pedro Coimbra nas eleições de 2012 — o mesmo esquema que alimentou a maior investigação judicial jamais realizada, em Portugal, a uma fraude interna de um partido.
As eleições seriam remarcadas para 21 de maio, que seria o dia do confronto entre Pedro Coimbra e António Manuel Arnaut, o socialista que “queria reabilitar o PS”. No entanto, o advogado decidiu suspender a candidatura por considerar que o processo eleitoral “não garante as mínimas condições” de legalidade e transparência. E tentou travar as eleições, apresentando um pedido de impugnação, alegando que a Comissão Organizadora do Congresso (COC) não tinha sido eleita pelo órgão próprio. Mais: o candidato que desistiu de ir a votos, alega que, nos cadernos eleitorais, ainda constam os nomes de alguns militantes que foram preventivamente suspensos; haveria também pessoas que pagaram as quotas a tempo e cujos nomes não constam nas listas.
No entanto, o órgão de jurisdição distrital do PS de Coimbra considerou “totalmente improcedente” a impugnação apresentada. Arnaut recorreu aos órgãos nacionais do PS e não recebeu qualquer resposta. As eleições vão mesmo concluir-se este sábado.
“Parece que não há vontade política de pôr a Federação de Coimbra a funcionar em condições”, diz ao Observador António Manuel Arnaut. Apesar das críticas, Arnaut prefere não comentar a posição assumida pela direção nacional do partido e repete apenas o que já tinha escrito num comunicado que fez chegar ao Observador. “O processo eleitoral para as eleições federativas de Coimbra encontra-se viciado” e não estão garantidas “as mínimas condições de legalidade e transparência, tratando de forma desigual as candidaturas existentes.”
Os casos prescreveram
O responsável pela Organização do partido, Hugo Pires, explica ao Observador que a partir do despacho do Ministério Público foram suspensos 18 militantes que aceitaram as sanções judiciais (multas e trabalho comunitário), apesar de não terem sido julgados e condenados em tribunal (a história é contada lá mais adiante). O secretário-geral adjunto explica ainda que as 192 fichas falsas identificadas pela investigação judicial foram passadas a pente fino. “As pessoas tiveram de reconfirmar a sua filiação para o partido as reintegrar”, diz Hugo Pires. “Desses, só 32 entraram nos cadernos eleitorais”.
Quanto aos dirigentes e militantes suspensos, continua Hugo Pires, dos 18 arguidos no caso das fichas falsas, dois abandonaram o PS. Quanto aos restantes 16, acabaram por ver as suas suspensões anuladas porque, segundo os estatutos do partido, os casos estavam prescritos ao fim de dois anos.
“Não podíamos ir mais longe por causa da prescrição”, justifica Hugo Pires.
Quem não se conforma é Cristina Martins, antiga líder da secção socialista da Sé Nova de Coimbra, a militante que expôs o esquema das fichas falsas — e que por isso acabou expulsa pelo partido, uma decisão mais tarde anulada pelo Tribunal Constitucional. “Andamos a brincar aos partidos? Não basta parecermos sérios, temos de ser sérios. Eu acredito que António Costa não sabe metade do que se passa. [Mas] não posso confiar num partido em que a Ana Catarina Mendes [secretária-geral-adjunta] sabe o que se está a passar e não faz nada.”
Apoiante assumida de António Manuel Arnaut, Cristina Martins acredita que a “suspensão” dos “arguidos do processo fichas falsas não passou de uma farsa”. “Na realidade, nunca existiu um novo processo eleitoral em Coimbra, presumo que tenha sido apenas um embuste para iludir os militantes a acreditarem que sim e a apoiarem uma segunda candidatura, (…) para que o ato eleitoral parecesse verdadeiro e desta forma validar aquilo que não passa de um somatório de irregularidades”, escreve Cristina Martins, num comunicado que enviou esta sexta-feira para os órgãos máximos do partido e que fez chegar também ao Observador.
A terminar, Cristina Martins desafia António Costa a devolver a dignidade ao PS/Coimbra. “Já que os elementos que o substituem no Largo do Rato têm mostrado total solidariedade com as irregularidades em Coimbra e os prevaricadores”, escreve, referindo-se, mais uma vez, a Ana Catarina Mendes. “Em Coimbra, não pode haver eleições porque os cadernos são fraudulentos”, diz ao Observador.
O Observador tentou contactar a secretária-geral-adjunta do PS para comentar as declarações de Cristina Martins, mas não foi possível obter uma resposta. Hugo Pires diz que estas acusações não têm razão de ser. “Os cadernos foram passados a pente fino pelos serviços e pelos responsáveis. Se existirem mais fichas falsas, as pessoas que as apresentem.” Sobre Cristina Martins afirma: “Não tenho nada a acrescentar às afirmações dessa camarada. Mas não tem razão nenhuma naquilo que diz”.
Dirigente insiste nas acusações
Na carta que fez chegar aos órgãos nacionais do PS, a militante socialista que desencadeou toda a investigação do Ministério Público insiste nas acusações que estiveram na origem do processo: Pedro Coimbra participou no esquema de adulteração de fichas de militantes.
O caso denunciado por Cristina Martins remonta a 2010. Nesse período, diz a militante socialista, Pedro Coimbra terá aprovado a entrada de centenas de militantes, violando os estatutos do PS. Esta dirigente socialista e professora da Matemática alega que Pedro Coimbra “aprovou a entrada desses militantes, assinando as fichas nos lugares destinados aos secretários coordenadores e respetivos secretariados das secções”. Afirma que Pedro Coimbra “deferiu essas entradas de novos militantes, assinando pelo “cargo político” de vice-presidente da Federação, órgão não previsto nos Estatutos do PS, em 2010”. Acusa-o de ter aprovado “a entrada de militantes na Concelhia de Coimbra, enquanto presidente da concelhia de Penacova, o que também não lhe era permitido pelos estatutos”. Cristina Martins denuncia ainda que “os militantes em causa entraram no PS Coimbra em Maio de 2010, mas apareceram filiados em março de 2010, (isto é, constam como militantes antes de serem filiados, com a única e clara intenção de terem os seis meses necessários para votarem nas eleições, que se realizavam em outubro desse ano”.
As acusações de Cristina Martins culminam num ponto: “esses militantes”, inscritos alegadamente de forma irregular, “continuam nos cadernos eleitorais, sendo alguns familiares de um elemento da Comissão Organizadora do Congresso (COC)”. “E este é o primeiro passo. Há muito mais e eu vou denunciar”, diz Cristina Martins, ao Observador.
Pedro Coimbra defende-se. “Apresentou-se a votos quem quis ou quem foi capaz”
Pedro Coimbra, presidente da Federação do PS/Coimbra desde 2012, rebate todas as críticas. “Este ato eleitoral na Federação Nacional é o mais escrutinado e fiscalizado de sempre na Federação de Coimbra”. Mais, acrescenta o socialista: este é um dos atos eleitorais “internos de um partido a nível nacional que mais a pente fino foi passado, como foi dito pelos responsáveis nacionais do partido”.
O deputado do PS afasta ligações às alegadas irregularidades detetadas nos cadernos eleitorais. “Cadernos eleitorais, data das eleições, data do congresso distrital, regulamento eleitoral, nada é comigo, mas antes com órgãos nacionais próprios do partido. Sujeitei-me humildemente a qualquer data, ao regulamento aprovado, aos cadernos eleitorais e ao ato eleitoral”, reitera ao Observador.
Sobre a Comissão Organizadora do Congresso (COC), que Arnaut diz estar ferida de legalidade, Pedro Coimbra diz não “ter a menor dúvida que está eleita e bem eleita” e lembra que este órgão inclui “dois elementos da candidatura” de Arnaut, que acompanharam todo o processo bem de perto.
“[A COC] está constituída de acordo com as orientações dadas por escrito pelo responsável máximo do Secretariado Nacional do PS. Qualquer tipo de insinuação a esse respeito só pode pretender dizer alguma frustração eleitoral da candidatura adversária”, insiste Pedro Coimbra.
O deputado do PS deixa um recado às forças de Arnaut:
Apresentou-se a votos quem quis ou quem foi capaz e quem não se apresentou a votos foi porque não quis ou porque não foi capaz.”
Desafiado a comentar as alegadas irregularidades da COC, Pedro Coimbra lembra que “os órgãos nacionais do partido já se pronunciaram” sobre o modo de eleição da comissão, afastando qualquer indício de irregularidade e considerando a COC “bem constituída e legítima”. Pedro Coimbra nunca foi formalmente acusado pelas autoridades portuguesas, que alegaram “falta de indícios”.
O primeiro caso de Coimbra: quotas pagas em massa e uma acusação de tráfico de influências
A diferença nas votações tinha sido apenas de dois votos para os dois rivais. A confusão, essa, foi enorme. A eleição de outubro de 2010 para a Federação Distrital do PS de Coimbra abriu esta guerra suja que ainda hoje dura, como se vê. A história começou toda aqui. De um lado estava a fação de Victor Baptista, então deputado e presidente da federação. Do outro estava Mário Ruivo, que em 2008 já tinha feito uma tentativa frustrada de chegar à liderança da distrital e falhara. Porquê? Porque percebeu que se não pagasse quotas em massa a milhares de militantes não conseguiria ser eleito, ou pelo menos ter um resultado aceitável.
Nesta história há outros protagonistas a ter em conta. Pedro Coimbra, o agora polémico Pedro Coimbra, era o número dois de Victor Baptista na federação. E também tinha sido o número dois de Mário Ruivo no Centro Distrital da Segurança Social (a que este presidia), um organismo do Estado que serve consecutivamente de bodo aos aparelhos partidários.
Mário Ruivo ganhou a eleição com 2.264 votos. Victor Baptista teve 2.262. Para quem conhece como funcionam os grandes partidos perceberia desde logo o seguinte: Mário Ruivo seria de certeza candidato a deputado em lugar elegível. Dificilmente isso aconteceria a Victor Baptista. Mas este é apenas um detalhe. A guerra rebentou.
Primeiro, o escândalo das quotas pagas em massa: a candidatura de Mário Ruivo deu entrada na sede nacional do PS com cerca de 22 mil euros (elementos que a Polícia Judiciária viria a apurar na investigação que se seguiu). Aquela verba servia para pagar centenas de quotizações de militantes, em desconformidade com os regulamentos do PS. Um jovem operacional de Ruivo reuniu a verba e diria depois à PJ e ao Ministério Público que tinha sido angariada em ações para recolha de donativos. Mas para que o dinheiro desse entrada no Largo do Rato e fosse convertido em quotas e mais tarde em votos favoráveis, foi necessário mais uma artimanha. Um amigo do operacional da candidatura, que trabalhava na sede do PS passou um par de dias a contactar amigos e familiares de amigos, para converter a verba em cheques para o PS. Tinha 16 a 18 mil euros em dinheiro. Passava a esse amigos quantias que iam de 2.800 euros a 6.400 euros, metidos em envelopes, a esses amigos. E estes quando recebiam o maço de notas passavam um cheque ao PS. O pagamento de quotas correspondia o respetivo controlo do voto dos militantes.
Segundo, o escândalo da noite eleitoral: o grupo de Victor Baptista — de que fazia parte Manuel Machado, atual presidente da câmara de Coimbra — entrou em alerta quando viu chegar às mesas de voto uns papéis passados pela sede nacional a dizer “gestão de quotas”, e que permitira à fação de Mário Ruivo validar as quotas pagas massivamente. Contestaram os talões, consideraram que não era uma forma regulamentar de atestar as quotas em dia, e lançaram de imediato as suspeitas do pagamento irregular. Pior: acusavam a sede nacional de conivência. Durante a própria noite eleitoral os resultados foram instáveis. Ruivo começara com uma grande vantagem e acabaria apenas com os tais dois votos de vantagem. Os responsáveis da sede nacional do PS apontaram à candidatura de Victor Baptista a responsabilidade por rasuras e alterações indevidas nas atas das mesas de escrutínio, roubando e anulando votos ao opositor, mas Baptista sempre o negaria e tal nunca seria provado.
Terceiro, o escândalo do papel “pela calada da noite” e a alegada tentativa de tráfico de influências: todo o ruído público em torno do caso levaria o Ministério Público a iniciar uma investigação depois das denúncias de um deputado: o próprio Victor Baptista, o lesado eleitoral. Uma vez derrotado nas polémicas eleições federativas, contra-atacou. O alvo foi André Figueiredo, então secretário-geral do PS para a organização, amigo próximo de José Sócrates então primeiro-ministro. Baptista acusou Figueiredo de, meses antes das eleições para a federação, o ter abordado na Assembleia da República para lhe propor uma troca: se ele não se recandidatasse à federação de Coimbra, alguém lhe arranjava um “lugar de gestor público no Metro, na CP ou na Refer”. A ganhar um salário milionário. Baptista contou a história à Polícia Judiciária. E Figueiredo foi investigado e constituído arguido por tráfico de influências, fraude eleitoral, abuso de confiança, falsificação e financiamento partidário ilícito. Seria ilibado de todas as acusações e o caso seria arquivado. Mas não sem que antes corresse muita tinta.
A guerra de Coimbra tornou-se ainda mais evidente quando o próprio Victor Baptista distribuiu aos deputados do PS, na Assembleia da República, uma carta intitulada “Pela calada da noite!”, em que denunciava o pagamento irregular de quotas e as alegadas chapeladas na federação, que o tinham feito perder a distrital para Mário Ruivo. No mesmo texto, revelava a tentativa de tráfico de influências de André Figueiredo — conversa que este sempre negou — e assim atraiu as atenções: televisões, jornais e as autoridades judiciais.
O caso era mais complexo do que isso. André Figueiredo também acusaria Victor Baptista de ter feito uma tentativa de dar entrada na sede nacional do PS de 377 fichas irregulares. Incompletas, sem estarem assinadas, e preenchidas a cores diferentes, o que parecia configurar também muitas irregularidades. Figueiredo recusou aceitá-las. Teve uma discussão feia com Baptista, mas sem se perceber muito bem, porquê, as fichas deram entrada no Departamento Nacional de Dados (DND) do PS. Quando os serviços detetaram as fichas (alertados por Mário Ruivo, muito irritado) o funcionário que as aceitou foi despedido daquele departamento.
O processo, investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra (DIAP) registaria também que André Figueiredo teria, ele próprio, angariado dinheiro junto de empresários e até do seu próprio advogado, para pagar quotas da candidatura de Mário Ruivo — de forma a contribuir para afastar o grupo de Victor Baptista e Pedro Coimbra. Segundo declarações dos próprios visados à PJ, Figueiredo teria pedido um cheque de 3.144 euros ao seu advogado para ajudar o partido, tendo a verba entrado nas contas do PS para pagar quotas; um empresário que tinha uma gráfica que fazia serviços para o PS passou outro cheque no valor de 3.978 euros que deu entrada também na conta das quotas. Mas apesar dos depoimentos do advogado e do empresário aos investigadores, dizendo que o dinheiro e os valores tinham sido solicitados por André Figueiredo, este negou sempre tudo.
Fim de capítulo: nas eleições de 2011, Mário Ruivo foi eleito deputado e Victor Baptista ficou de fora. Mas a guerrilha continuou, com métodos pouco recomendáveis.
A saga das fichas falsas e a expulsão da militante que as denunciou
Nos partidos, quando há uma escalada nos métodos impróprios usados por uma fação, o mais provável é que a fação rival utilize esquemas ainda mais sujos para conquistar o poder. Parece ter sido o que se passou em Coimbra. Se já não era bom, aquilo continuou a ser muito mau. E gerou mais uma investigação judicial — desta vez com consequências –, mais peripécias, e uma novela que ainda não acabou.
Em junho de 2012 houve novas eleições para a federação do PS/Coimbra. A ala de Victor Baptista era agora controlada por Pedro Coimbra. O objetivo era vencer Mário Ruivo. E conseguiu. Mas a história repetiu-se. Pedro Coimbra ganhou a federação, entrou nas listas por esse motivo, e foi eleito deputado. Mário Ruivo ficou de fora. A questão que se coloca é dos meios para atingir os fins: a candidatura de Coimbra promoveu dezenas de fichas falsas. Quase duzentas foram identificadas sem dúvidas pelo Ministério Público. Pedro Coimbra negou sempre ter conhecimento dos esquemas, mas todos os intervenientes eram membros muito próximos da sua direção. Ele nunca foi beliscado. Este sábado será reeleito sem oposição.
Se, antes das eleições de 2010, Mário Ruivo sabia que só ganhava se pagasse quotas a toda a gente, nas eleições de 2012 a ala de Pedro Coimbra sabia que só ganhava a federação aumentando o número de militantes que votariam em si. Entre outubro e dezembro de 2011, os socialistas do distrito de Coimbra ganharam 1.315 novos militantes. No ato eleitoral, votaram mais 740 pessoas do que nas diretas anteriores. E essa diferença reverteu quase toda a favor de Pedro Coimbra: teve mais 719 votos do que em 2010. Mário Ruivo teve apenas mais 21.
Podia ser apenas uma coincidência. O que os números indicam é que os sindicatos de voto de Pedro Coimbra foram reforçados nos concelhos onde o controlo era mais facilitado. Em Penacova, concelho original de Pedro Coimbra, apareceram mais 196 militantes a votar do que na eleições anteriores e Coimbra obteve mais 205 votos. Podia ser apenas o fenómeno do rapaz da terra. Mas estes número representam um aumento exponencial de 70% na participação eleitoral nas diretas do PS no concelho, um número invulgar.
Vejamos Soure. Era o concelho cuja câmara tinha sido presidida por João Gouveia, o sogro de Pedro Coimbra. A participação eleitoral cresceu 60% e votaram mais 183 pessoas do que em 2010. A lista de Pedro Coimbra quase duplicou os votos (em relação ao resultado de Victor Baptista) e passou de 223 votos para 443. João Gouveia tinha sido uma das testemunhas d Victor Baptista contra André Figueiredo e também foi candidato a deputado em 2015. Só nestes dois concelhos Pedro Coimbra conseguiu garantir metade dos votos que teve a mais, indiciando arregimentação de militantes em massa.
Na pequena secção de Penela, por exemplo, um dirigente do PS denunciou que foram inventadas empresas para se filiarem pessoas. De 13 militantes a votar, o universo eleitoral passou para 58. A esmagadora maioria votou em Coimbra.
O Ministério Público investigou o caso ao longo de três anos. Constituiu cerca de 30 arguidos. E pediu ao PS os originais das fichas de todos os militantes do distrito. Cerca de 600 fichas ficaram nas mãos dos investigadores: 192 foram consideradas suspeitas. Rui Duarte, que tinha sido líder da JS de Coimbra e liderava a concelhia do partido, viu levantada a sua imunidade parlamentar como deputado para ser constituído arguido por indícios da prática de um crime continuado de falsificação e de “abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer o documento”. Rui Duarte sempre negou as acusações e não foi candidato a deputado em 2015.
O esquema era o do costume: angariar militantes que votassem na lista em causa e pagar as respetivas quotas. Com uma agravante — a das falsificações — que ia para além destas práticas que no interior dos partidos acabam por ser toleradas. A contrafação das fichas foi denunciada por Cristina Martins, quando era coordenadora da secção da Sé Nova, em Coimbra. Tentou que a direção de António José Seguro desse atenção ao caso. Em vão. Fez denúncias na comunicação social. Inúteis. Recorreu para os órgãos jurisdicionais do partido. De nada serviu. Avançou para a justiça. Conseguiu: antes de mais, que a Comissão Federativa de Jurisdição lhe pusesse um processo disciplinar que seria validado pela Comissão Nacional de Jurisdição, em Lisboa. Conclusão: a militante causou um “sério prejuízo ao prestígio e bom nome do partido”, ao não se coibir de “transformar estas questões num circo mediático severamente prejudicial para o PS”, dizia o texto do acórdão partidário. Mais: estava “a ferir os alicerces democráticos do partido, o que não se pode consentir nem tolerar” e agira motivada por “pura maldade”. Veredicto assinado no dia 18 de fevereiro de 2014: expulsão do partido.
A decisão partidária seria revertida ao fim de três meses pelo Tribunal Constitucional, que considerou a decisão dos órgãos jurisdicionais do partido ferida de “nulidade insanável”. A instrução do processo disciplinar estava cheia de violações “grosseiras” dos preceitos jurídicos. Cristina Martins voltou assim ao PS. Mas o processo não parou por aqui.
O desfecho do caso da falsificação das fichas
Os militantes e dirigentes do PS que acabaram por ser acusados no caso da falsificação de fichas, todos apoiantes ou muito próximos de Pedro Coimbra não foram a julgamento. Os 18 os arguidos que foram acusados, aceitaram uma suspensão provisória do processo, mediante um acordo com o Ministério Público, que consistia na prestação de trabalho comunitário ou pagamento a instituições de solidariedade de verbas que atingiam os 1.500 euros — caso do ex-deputado Rui Duarte. O antigo líder da JS de Coimbra e assessor do presidente da câmara Manuel Machado foi acusado de assinar “pelo menos 11 fichas” falsificadas, segundo o despacho de acusação. No entanto, o dirigente escreveu no Facebook, que “nunca, em momento algum” foi acusado de “falsificar quaisquer dados”. O Ministério Público foi explícito ao escrever que este arguido, em conjunto com outros apoiantes de Pedro Coimbra, “procederam à falsificação de elementos” nas fichas de militantes, “nas quais foram forjadas assinaturas e apostas moradas falsas”, para beneficiar o candidato”. Pedro Coimbra negou sempre que tivesse alguma coisa a ver com todo este esquema.
Perante todas estas evidências e confrontado com a investigação e com as decisões judiciais, o secretariado nacional do PS suspendeu as eleições para a federação de Coimbra do PS, que se deviam ter realizado no dia 5 de março e que têm lugar este sábado. Um documento elaborado pela secretária-geral adjunta Ana Catarina Mendes considerou como “muito graves” os factos ocorridos:
Acarretam um sério prejuízo ao prestígio e ao bom nome do PS e que, como tal, devem ser objeto de um tratamento rigoroso, exemplar e saneador”, dizia a deliberação do organismo de cúpula do Partido Socialista em fevereiro deste ano.
O problema é que a guerra suja de Coimbra continua. Fontes da direção do partido vão comentado em surdina que naquela federação todos os lados são iguais. André Figueiredo chegou a defender que a única solução para aquela federação era deitar abaixo os cadernos eleitorais, proceder a uma refiliação e começar tudo de novo. Ainda não aconteceu. Para já, com a vitória de Pedro Coimbra este sábado e com a desistência da candidatura rival de António Manuel Arnaut, a guerra promete continuar. Até ao próximo capítulo.