Amor é fogo que arde sem se ver. Pois, está bem. O fogo pode não se ver, mas a lanterna do smartphone não precisa de ficar desligada. Antes de se atirar a uma versão de “Make You Feel My Love” de Bob Dylan, Adele pediu ao público do Meo Arena que pegasse nos telemóveis e enchesse o pavilhão de pirilampos. A malta acedeu, claro. E foi nesse momento que o amor se soltou mais visivelmente no recinto. Casais em beijos longos, abracinhos marotos e suspiros pouco contidos. Damn!, esta mulher sabe o que faz.
Pode-se dizer muita coisa de Adele. Que lança os foguetes e apanha as canas, que não precisa de grande aparato para dar um concertão e que tem, ao mesmo tempo, sentimento e ginga quanto baste para manter o Meo Arena sintonizado do primeiro ao último minuto da hora e quarenta e cinco que esteve a cantar. Mas no fundo, basta dizer isto: Adele tem uma voz poderosíssima que sabe usar em qualquer circunstância, seja nas baladas carregadinhas da própria história pessoal, seja nas canções mais mexidas. Porque ela também as tem, apesar de logo a início ter avisado que quem esperava um concerto animado vinha ao engano. Era bluff, percebeu-se imediatamente, mal soaram os primeiros acordes de “Rumor Has It”, um dos seus temas mais dançáveis. Era bluff, percebeu-se nas várias pausas que fez para falar ao público (às vezes pareceram um bocadinho longas de mais).
Adele até pode já ter sofrido muito na vida, como não se cansa de repetir nas letras que escreve, mas é uma mulher às direitas. “Nunca tinha ouvido um público tão entusiasmado. E olhem que eu já estive num concerto dos One Direction”, diz logo da primeira vez que se dirige à multidão. Faz piadas, bebe, pergunta às pessoas porque é que não se embebedam, fala do filho, elogia a comida portuguesa, conta piadas sobre Bruce Springsteen, mete conversa com toda a gente. Triste, Adele? Qual quê! Se não fosse ela, não saberíamos que a Catarina fazia anos este sábado. A rapariga estava pelas primeiras filas e a cantora fez questão de a pôr no palco, de pôr todo o pavilhão a cantar-lhe os parabéns e de obrigar o pai (da Catarina) a tirar-lhes uma selfie. Antes, já conseguira descobrir uma multidão de britânicos e vários pombinhos a celebrar aniversários de namoro ou casamento.
Mas, mais do que este fogo-de-artifício com que muitos artistas enchem chouriços para disfarçar que não têm nada para dizer, Adele conquista pelo poder da música. Começou por ter uma pequena orquestra de cordas a acompanhá-la e, a dada altura, já era só ela e dois guitarristas, como se lhe estivesse a passar pela cabeça cantar um fado. Não cantou, mas fica a curiosidade sobre como seria ouvir um “Foi Deus” saído desta garganta.
Se a voz é uma arma, Adele é todo um exército. Por isso, o espetáculo não é particularmente aparatoso. Tirando o bonito efeito da chuva a cair-lhe em redor enquanto cantava “Set Fire To The Rain”, dos confetis que caíram no final e das fotografias de criança que pôs a passar no ecrã durante “When We Were Young”, foi um concerto límpido, focado na música, monopolizado pela voz. Talvez por esse motivo o público fosse bastante mais heterogéneo do que se poderia pensar. Havia casais novos e velhos, famílias completas, amigos machões e engravatados, amigas quarentonas, adolescentes que nunca tinham vindo a um concerto, homens e mulheres já feitos que ainda dizem “lol”. E, mesmo ao nosso lado, um casal de nórdicos em que ele, gigante, sabia de cor grande parte das letras, enquanto a mulher, igualmente grande, se limitava a dançar.
“Don’t underestimate the things that I will do“, canta Adele num dos êxitos que a catapultou para a vida que tem hoje, “Rolling In The Deep”. Ao fazê-lo, já mesmo ao cair do pano, sacode o ombro e revira os olhos. É um statement daquela a quem chamaram “gorda depressiva”. Se jogasse à bola, Adele provavelmente festejaria como o Ronaldo, que dá aquele salto como que a dizer “eu estou aqui”. Lisboa sabe disto e gosta. Bo tem mel, Adele.