A chamada “agenda fraturante” vai dominar o próxima reunião magna dos socialistas. Os militantes do PS reúnem-se a 3, 4 e 5 de junho, na FIL, em Lisboa, para o XXI Congresso do partido, e terão na ordem de trabalhos alguns temas sensíveis, como a despenalização da eutanásia, a legalização das drogas leves e a regulação da prostituição.

O facto de existirem moções setoriais sobre estes temas vai obrigar o partido a assumir uma posição formal sobre o assunto. Ainda assim, os textos não devem ser votados pelos militantes no próprio congresso: as moções setoriais vão ser discutidas mais tarde, na reunião da Comissão Nacional do partido (órgão máximo entre congressos).

De qualquer forma, a “agenda fraturante” marcará inevitavelmente a agenda do partido nos próximos meses. O debate é, em grande parte, promovido pela Juventude Socialista: a jota vai levar ao congresso nada mais do que três moções setoriais — e estas são dez, no total.

Despenalizar a eutanásia

O tema entrou em força na agenda política portuguesa depois de a petição promovida pelo movimento Direito a Morrer com Dignidade ter atingido as assinaturas necessárias para ser discutida no Parlamento. Até ao momento, no entanto, o Bloco de Esquerda foi o único partido assumir que vai avançar com um projeto de lei no sentido de legalizar a eutanásia. Agora, é a vez do PS entrar na discussão.

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Da autoria de Maria Antónia Almeida Santos, vice-presidente da comissão de Saúde, deputada socialista e filha do histórico dirigente socialista António Almeida Santos, e da deputada Isabel Moreira, a moção defende, em linhas gerais, que “deve deixar de ser punível” o “o ato médico de retirar a vida a um doente terminal a seu pedido reiterado e com o seu consentimento”.

As autoras da moção pedem a criação de um Grupo de Trabalho, “constituído por elementos das diversas áreas relevantes para o tema”, e defendem a despenalização da injeção como forma de eutanásia.

Atualmente, lembram as socialistas, “administrar uma dose terapêutica para alívio da dor de um doente terminal e replicar essa dose”, mesmo que isso “possa provocar a morte” do paciente, já não é punível por lei. Noutros casos, os médicos já estão obrigados a respeitar a vontade do paciente quando este “pede que não lhe sejam administrados mais medicamentos ou que lhe sejam desligadas as máquinas”. Ou seja, é preciso dar o próximo passo no sentido de garantir o “princípio da autonomia individual” e “da afirmação dos direitos dos doentes em fase de fim de vida“.

A moção apresentada por Maria Antónia Almeida Santos e por Isabel Moreira é subscrita por vários dirigentes nacionais do PS, entre eles João Galamba, Manuel Pizarro, Porfírio Silva, Pedro Bacelar Vasconcelos, assim como Elza Pais, presidente das Mulheres Socialistas, e pelo líder da Juventude Socialista, João Torres.

Legalizar as Drogas Leves

É uma das três moções promovidas por João Torres — e uma das bandeiras antigas dos jovens socialistas. No texto levado ao congresso, a JS defende que o Estado deve “garantir um controlo efetivo sobre todas as fases do processo, desde a produção” de canábis, “até à venda ao consumidor final, que fica, assim, verdadeiramente protegido”.

A ideia é clara: ao garantir a legalização e regulação do mercado de drogas leves, o Estado não só consegue proteger o consumidor, mas também arrecadar receita com a venda deste tipo de estupefacientes. ”

Não nos parece apropriado menosprezar o importante contributo que a legalização da comercialização da canábis traria para o financiamento do Estado. (…) De facto, através de impostos indiretos, como o IVA, mas também através de um imposto especial sobre o consumo, que, como é sabido, existe, por exemplo, no caso do tabaco, será possível tributar muita da riqueza gerada por um vasto mercado paralelo, afetando-a aos bens públicos e sociais, nomeadamente à prevenção e ao tratamento de pessoas em situação de dependência, bem como para os gastos gerais com o Serviço Nacional de Saúde e a Educação”, pode ler-se no texto da moção.

A JS desafia, por isso, o PS a promover uma “discussão, interna e aberta à sociedade civil, no que concerne à legalização e à regulação das drogas leves em Portugal” e a apresentar “um projeto de lei que vise, nomeadamente, a legalização do consumo recreativo de canábis“.

A moção apresentada pela JS já motivou a reação de João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD). Ao Diário de Notícias, o responsável aproveitou para recordar que os resultados do modelo adotado em 2001 “foram globalmente positivos” e que “não há pressa nenhuma em saltar para um modelo” não proibicionista. “Haja calma“, aconselhou João Goulão.

Em Portugal, o consumo de drogas leves continua a ser proibido, mas há muito que deixou de ser sancionado com pena de prisão. No texto da moção, a JS reconhece que o consumo de canábis não é “100% seguro”. E é por isso mesmo que o Estado deve regular esse mercado, combatendo o “mercado paralelo” que atualmente subsiste.

Regular a prostituição

Ao mesmo tempo, a jota socialista defende a legalização da prostituição, sob o argumento de que a “prática de prostituição” continua condenada ao limbo jurídico: “Nem [é] legal, nem [é] ilícita”.

Além de marginalizadas, estas pessoas estão totalmente abandonadas, desprovidas de contrato de trabalho, com contribuições e impostos, de proteção social ou mesmo do direito a terem acesso a crédito à habitação”, pode ler-se no texto da moção.

Partindo desta realidade, a JS defende que o Estado deve “apoiar tanto quem escolhe prestar serviços sexuais, como quem pretende deixar de exercer essa atividade”. A legalização da prostituição, “acompanhada dos mesmos direitos laborais que têm os restantes ofícios” seria um primeiro passo para dignificar “estas pessoas aos olhos da sociedade”. A jota defende que as prostitutas vejam salvaguardados os seus “direitos laborais, sociais e de cidadania plena”, e que tenham acesso a “direitos básicos, como o de terem higiene e segurança no trabalho, direito a baixa médica, férias, horas extraordinárias, subsídio de desemprego, reforma e a formação profissional”.

Uma regulação eficaz permitiria trazer para o “lado da economia formal uma realidade que pertence à economia paralela, através do pagamento de impostos“, reitera a JS.

Limitar proporcionalmente os salários dos gestores

É a terceira moção setorial apresentada pela JS. A juventude liderada por João Torres quer impor um teto às remunerações auferidas pelos gestores públicos (e não só). De acordo com a proposta da jota socialista, um gestor de topo só poderia receber um salário até 20 vezes superior ao salário mais baixo da respetiva empresa. Se o salário mais baixo fosse de 530 euros, por exemplo, os gestores não poderiam receber mais do que 10.660 euros mensais.

A medida teria força vinculativa e obrigaria todos os gestores públicos a respeitarem a regra. Mas, se fosse aprovada pelo Governo socialista, a proposta poderia, inclusive, afetar o setor privado. “No curto prazo, deverão ser instituídas penalizações na contribuição para Segurança Social de empresas [públicas ou privadas] em que o salário em vigor mais elevado exceda em mais de 20 vezes o salário mais baixo pago na mesma organização”.

No texto da moção, a JS recupera dados relativos a 2011 que davam conta de que, nas empresas cotadas no índice PSI-20, os presidentes dessas empresas “ganhavam, em média, 44 vezes mais do que a generalidade dos trabalhadores”. “É impossível os poderes públicos permanecerem insensíveis ao problema e optarem por não tomar medidas orientadas para a correção de uma fonte de desigualdades crescentemente insuportável”, argumenta a jota.

A juventude liderada por João Torres desafia ainda o PS a “elaborar um estudo aprofundado sobre as desigualdades salariais em Portugal, atendendo a dimensões como grau de qualificações, a origem demográfica, o género, a faixa etária e a distinção entre cargos de topo, intermédios e de demais patamares”.

Reformar a Justiça

Da concelhia de Guimarães, chega uma moção assinada pelo socialista Cláudio Serra, com o objetivo de suprir as “falhas” produzidas pela reforma do mapa judiciário de Paula Teixeira da Cruz.

Não se revela admissível, que num Estado de Direito Democrático, se transfira para os cidadãos o preço duma Justiça especializada, num contexto de dificuldades em termos de transportes, população envelhecida e dificuldades económicas, comportando gravosas consequências no contexto económico e social já por si só débil”, pode ler-se no documento.

Nessa linha, os promotores desta moção setorial propõem, entre outras coisas, a “criação de secções de proximidade de competência especializada (…) com a possibilidade de aí serem realizados julgamentos”, a “criação de locais de atendimento próximos da população, nomeadamente nas freguesias” e a “implementação de sistemas de videoconferência em Câmaras Municipais nos concelhos que tenham encerrado o tribunal, evitando o percurso de longas distâncias, que podem em muitos casos chegar a 100 km apenas para prestar depoimento”.

Criar uma lei-quadro para as autarquias

António Marçal, presidente da União de Freguesias de Lousã e Vilarinho, vai levar ao congresso o atual mapa de freguesias. Crítico da reforma promovida pelo anterior Governo, o autarca quer acredita que “o poder local e regional” não pode “ficar ao sabor da amálgama de legislação a que foi sujeito nos últimos anos”.

Nesse sentido, António Marçal propõe que seja criada uma lei-quadro para as Autarquias que avalie a possibilidade de corrigir os limites territoriais impostos pelo anterior Governo, a alteração das delegações de competências e contratos de execução entre Câmaras e freguesias e a revisão do regime de contratação pública das freguesias.

Promover a economia social

Eduardo Graça, que chegou a ocupar o lugar de presidente do “Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso”, em Lisboa, apresenta uma moção setorial que defende a “criação de um programa plurianual de apoio às organizações do subsetor solidário da economia social, com base num modelo de contrato de financiamento, por concurso, integrando uma diferenciação positiva, em função da quantidade e qualidade dos serviços contratualizados e efetivamente prestados e da avaliação de resultados”.

Este antigo adjunto do ministro da Solidariedade e Segurança Social, Eduardo Ferro Rodrigues, em 1995, defende também a “promoção de medidas de diferenciação positiva nos regimes fiscal e de segurança social, dando resposta, de forma integrada, às diferentes necessidades de implementação, consolidação e viabilização das entidades da economia social”.

Reforçar laços com as comunidades portuguesas no exterior

Paulo Pisco, deputado socialista eleito pelo círculo da Europa, quer colocar o partido a discutir a importância de reforçar os laços do país com as comunidades portuguesas de emigrantes.

Na emigração misturam-se as misérias e as grandezas de um país que nem sempre deu futuro aos seus cidadãos, mas que sempre tiveram uma extraordinária vontade de vencer, que conseguiram superar todos os obstáculos que se lhes apresentaram no caminho”, recorda o socialista.

O deputado socialista propõe, por isso, que seja dada a devida importância ao “ensino da história da emigração nas escolas”, que seja criado um Museu Nacional da Emigração, que o partido promova um esforço efetivo de captação de militantes nessas comunidades, ao mesmo tempo que reforça os laços com esses portugueses e mantenha os canais de comunicação e informação abertos.

Reforçar os poderes das concelhias no combate… à CDU

Esta moção de Setúbal assume o desconforto com a falta de apoio das Federações, em particular da Federação de Setúbal, aos órgãos locais. Assinado por um conjunto de militantes da secção socialista do Seixal/ Arrentela/Paio Pires, o texto é claro: “É com preocupação que vemos a aproximação das Eleições Autárquicas de 2017. Se as últimas eleições legislativas no Distrito de Setúbal demonstraram (uma vez mais), que o Partido Socialista é a maior força política, vencendo em todos os concelhos, nas eleições autárquicas a realidade é bem diferente.”

Os militantes setubalenses queixam-se da falta de apoio, sobretudo financeiro, no combate à “máquina de propaganda da CDU”. “Devem as Federações, face a cada realidade Distrital e combate desigual com a CDU, reivindicar junto da Sede Nacional, autonomia financeira para as Concelhias, de forma a promover as nossas propostas políticas junto das populações”, pode ler-se no texto.

Recorde-se que António Mendes, irmão da secretária-geral-adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, é o atual presidente da distrital socialista de Setúbal. Antes dele, tinha sido a própria Ana Catarina Mendes — hoje secretária-geral adjunta — a liderar a Federação setubalense.

Os militantes das secções locais de Setúbal desafiam a Federação (António Mendes) a interceder junto da sede nacional (Ana Catarina Mendes) no sentido de garantir a “autonomia financeira para as concelhias” e “o pagamento imediato de todas as despesas pendentes referentes às secções”.

A moção promovida pelo socialista José Carlos Pereira defende ainda que as federações devem “interceder juntos das secções de forma a atualizar as bases de dados de militantes“, “para que as quotas sejam pagas por débito direto — só assim se pode garantir que os militantes estão no partido por convicção e não por outros interesses, nem para serem instrumentalizados –” e pede ainda que seja definido um “limite de mandatos para os vários órgãos do partido”.

Colocar os jovens do interior no centro das decisões políticas

Além das três moções apresentadas pela direção da JS nacional, Luís Soares, presidente da Federação de Viseu da JS, vai também avançar com um texto próprio centrado na “defesa dos jovens do interior de Portugal”. O texto está dividido em cinco áreas fundamentais: educação, emprego, empreendedorismo, habitação e cultura.

Para a área da educação, a moção assinada por Luís Soares defende a criação de bolsas de estudo municipais de mérito escolar e de apoio social para alunos mais carenciados; a criação de uma rede de ensino pré-escolar presente em todos os distritos do interior, “com um alargamento dos seus horários de funcionamento” ou a comparticipação de estágios curriculares para alunos que o realizem “fora do seu concelho de origem”.

No emprego, esta moção defende a criação de “parcerias entre as várias instituições de ensino superior ou politécnico com empresas da região” e “incentivos fiscais para empresas que combatam a precariedade laboral e que promovam a empregabilidade de pessoas oriundas de projetos de reinserção social”.