Werner Herzog não é um realizador como os outros. E não é só por fazer filmes diferentes. O alemão de 73 anos, cujo Rainha do Deserto já está nos cinemas, é uma pessoa com uma visão única sobre o mundo e uma idiossincrasia extrema na forma de o viver. É alguém que, como Drax em Guardiões da Galáxia – uma comparação que não agradaria lá muito ao próprio –, não reconhece ironia e leva tudo literalmente. É ele quem o diz, num vídeo em que explica por que é que só descobriu, após décadas de amizade, que o seu amigo e colega realizador John Waters era gay.

Além disso, é um homem que uma vez, para honrar uma aposta, comeu o próprio sapato, só tem, há mais de um quarto de século, um único fato para quando precisa de estar apresentável, descobriu que o amigo de longa data John Waters, o realizador, era gay há relativamente pouco tempo, emprestou a voz a desenhos animados como Metapocalypse e Rick & Morty e foi o vilão em Jack Reacher, com Tom Cruise, e apareceu na última temporada de “Parks and Recreation”. Ser o mau de um blockbuster de Hollywood ou aparecer numa sitcom podem não ser os atos mais bizarros para artistas comuns, mas para Werner Herzog contam como do mais fora que ele já fez. E há de ser dos poucos realizadores do Novo Cinema Alemão com uma canção rap com o seu nome. Mas a lista de factos estranhos sobre ele nunca mais acaba. Ficam cinco provas do quão único Herzog é:

Roubou uma câmara para fazer o primeiro filme

Num episódio de há dois anos do podcast “Bullseye” (começa aos 29:50 minutos, caso queira ouvir), num segmento, Herzog explicou o dia em que considera que se tornou artista. Em Munique, numa antecessora da escola de cinema atual, recusavam-lhe sempre o uso das câmaras que lá havia e só davam autorização para usar a um aspirante a realizador que, nas palavras de Herzog, não tinha qualquer valor e de quem nunca mais ninguém ouviu falar. Solução: entrou na sala onde estavam três ou quatro câmaras de 35mm guardadas, viu que estava silêncio e roubou uma delas. Não só não se arrependeu como continuou a usá-la durante vários anos e chama ao ato “expropriação” e não “roubo”. Era uma necessidade e ele tinha direito natural a ter aquela câmara, era como respirar, diz nos comentários em DVD de “Aguirre, a Cólera de Deus”, de 1972, no qual esse mesmo equipamento foi usado.

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Só viu um filme aos 11 anos. Não gostou.

Confiante desde sempre, no mesmo podcast Herzog conta que a primeira vez que viu um filme foi aos 11 anos, mas não gostou muito, havia mais coisas a passar-se em Sachrang, a aldeia numa montanha na Bavaria em que cresceu. Tinha ido para lá morar com duas semanas, quando a casa ao lado da sua família em Munique foi bombardeada. O outro entretenimento? Armas e explosivos deixados para trás por ex-oficiais da SS que tinham fugido. Pirotecnia dessa era mais impressionante para o jovem Herzog, que mais tarde, na adolescência viu filmes de série B e decidiu que conseguia fazer muito melhor.

Levou um tiro durante uma entrevista. E continuou como se nada fosse.

Em 2006, no meio de Los Angeles, Herzog estava a ser entrevistado pelo crítico britânico Mark Kermode para promover Grizzly Man. Dizia que ninguém queria saber dos filmes dele na Alemanha, levou, do nada, um tiro de uma pressão de ar na barriga. Ficou ligeiramente atarantado e quis saber do que se tratava, mas logo que foi posto num carro para continuar a conversa noutro sítio, continuou como se nada fosse. E nem quis procurar o atirador.

Salvou Joaquin Phoenix de um acidente de carro.

Uma vez, em Los Angeles, Herzog estava a guiar e viu um acidente à sua frente. Foi o primeiro a socorrer o ocupante do carro que estava ao contrário. Olhou e reconheceu a pessoa: era Joaquin Phoenix, o ator. Percebeu que não o podia tirar pela janela e que, de repente e apesar de estar de pernas para o ar, Phoenix tinha acendido um cigarro para começar a fumar, isto apesar de gasolina estar a pingar do carro. Herzog tirou-lhe o isqueiro da mão, partiu a janela de trás e tirou-o do carro. O ator queria agradecer-lhe, mas o realizador não queria confusão e pôs-se no carro e veio-se embora. Mas a história fica bem melhor narrada na primeira pessoa e animada pelo realizador Sascha Ciezata:

Criou a sua própria escola de cinema, com um currículo extremamente alternativo.

A Rogue Film School não é bem uma escola física. É mais um conjunto de seminários dados ao fim-de-semana que acontece quando e onde calhar, sem periodicidade nem local fixos. Apresenta-se como algo que ensina uma forma de vida, não nada de técnico relacionado com fazer filmes. As matérias dadas incluem “a arte de forçar fechaduras”, “viajar a pé” – em novo, Herzog fartou-se de andar a pé e continuou a fazer isso em adulto; em 1974, por exemplo, foi de Munique até Paris, e no já mencionado podcast disse que três meses a andar a pé valem mais do que três anos numa escola de cinema –, “a euforia de ser alvejado sem sucesso”, “o lado atlético de fazer filmes”, “a criação das suas próprias licenças para filmar”, “a neutralização da burocracia”, “táticas de guerrilha” e “autossuficiência”. Os alunos são ainda advertidos de que serão censurados se falarem de “xamãs, aulas de yoga, valores nutricionais, chás de ervas, descobrirem as suas fronteiras e crescimento pessoal”. Não fique triste se não puder ir a nenhuma aula: este verão, Herzog dará um curso online, que envolve, por 90 dólares, 20 aulas em vídeo, materiais de leitura e feedback para os filmes dos alunos.