Quatro anos e meio de diferença, dois primeiros-ministros de cores políticas distintas e duas situações diferentes. Mas declarações igualmente polémicas a tocarem no mesmo ponto: professores e emigração. Houve incentivo do primeiro-ministro ou não? Os sociais-democratas, que diziam que não sobre as declarações de Passos em 2011, dizem hoje que sim sobre as palavras de António Costa em Paris. Os socialistas, que diziam que sim em 2011 sobre o então primeiro-ministro, dizem hoje que não quando se fala de António Costa. Mário Nogueira, da Fenprof, fica, desta vez, do lado de Costa. Ele que em 2011 convidara Passos a seguir o seu próprio conselho.
Mas vamos às frases em comparação:
É muito importante para a difusão da nossa língua. É também uma oportunidade de trabalho para muitos professores de português que, por via das alterações demográficas, não têm trabalho em Portugal e podem encontrar trabalho aqui em França”, António Costa a 12 de junho de 2016.
“Estamos com uma demografia decrescente, como todos sabem, e portanto nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado da língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”, Passos a 18 de dezembro de 2011.
Passos era questionado sobre esta hipótese numa entrevista dada ao Correio da Manhã. Costa fazia o balanço da visita de três dias a Paris, sublinhando o “compromisso” assumido pelo presidente francês de “investir na educação do português nas escolas francesas, não só para as comunidades de origem portuguesa, mas para todos os estudantes em geral, reconhecendo nos portugueses uma das grandes línguas globais”.
Direita ao ataque, esquerda à defesa
Desta vez a polémica começou com comentários colocados nas redes sociais. Foi o caso de Duarte Marques, do PSD, que no Facebook disse aguardar “a indignação nacional, as críticas de Mário Nogueira, da Catarina, do Jerónimo e de todos os esganiçados que por aí pululam”.
O também social-democrata Hermínio Loureiro também estranhou o silêncio em 2016 dos que se tinham indignado em 2011.
Finalmente João Almeida, do CDS, partilhou, na sua página do Facebook, as palavras de Passos e Costa e acrescentou, citado pelo jornal i, um comentário: “A incoerência da esquerda é isto. O silêncio de grande parte da opinião publicada é algo muito mais grave”.
Nada disse, contrapõe-se à esquerda. “O contexto faz tudo”, argumenta Edite Estrela para sublinhar o que considera ser “muito diferente” entre as duas declarações. “Quem estuda literatura sabe que o texto e o contexto são indissociáveis. E até a forma como se diz. António Costa falou naquilo como uma boa notícia e não como uma imposição”.
O contexto, mas também a forma, muda tudo, para a socialista. E Mário Nogueira, o homem do sindicato dos professores, não pensa de forma muito diferente. “Criticávamos Pedro Passos Coelho porque ele não estava a criar oportunidade para as pessoas e até reduziu a rede de oferta de ensino lá fora. Encerrou a possibilidade de colocação lá fora nos anos seguintes”, assegura em declarações ao Observador. Agora, regista, “fala-se numa comissão” para analisar o alargamento do ensino do português em França.
É aqui que Nogueira regista a diferença. “O que Passos disse foi para os professores irem dar aulas noutro sítio. Outra coisa é o Governo promover, através de protocolos e acordos bilaterais, essa possibilidade”. Até porque, frisa, um professor não pode ir dar aulas para outro país sem mais, “o quadro habilitacional é muito diferente”.
Mas não estão afinal ambos a criar lá fora o que não criam cá dentro? “Professores da rede portuguesa no estrangeiro sempre houve, já foram muito mais do que são hoje e não havia nenhuma pressão de desemprego, era uma opção das pessoas”. E este argumento não servia em 2011? “O que Pedro Passos Coelho disse foi para os professores irem dar aulas para outros países”. E Mário Nogueira volta a insistir no enquadramento das declarações de António Costa: “Há um país que demonstrou disponibilidade para o ensino de uma determinada língua, e que vai criar condições técnicas”.
Mas Nogueira avisa para riscos
Ainda assim, o secretário-geral da Fenprof não deixa de manifestar “uma dúvida” e uma “preocupação maior” sobre as consequências das palavras de Costa. É que associar portugueses ao ensino do português em França, “tem riscos”. “Os professores de português ao serviço em Portugal são portugueses formados para esse efeito”, exemplifica Mário Nogueira.
Se os professores seguirem o conselho de António Costa, aproveitando um eventual reforço do ensino da língua em França, isso pode “exigir uma troca que pode não ser vantajosa”, com franceses a pretenderem dar aulas de francês em Portugal, por exemplo.
“Mais do que lugares na Europa para professores de Portugal darem português, a prioridade é criar lugares na rede destinada aos filhos dos imigrantes, no Reino Unido, Espanha, França e Luxemburgo”.
Marcelo atacou Passos em 2011
Em 2011, as declarações de Passos levaram o mesmo Mário Nogueira a ironizar: “O senhor primeiro-ministro podia aproveitar e ir ele próprio desgovernar outros países e outros povos. Não desejo, no entanto, que esses países e esses povos sejam os nossos irmãos de língua portuguesa”.
Na altura, as palavras do então primeiro-ministro foram criticadas pelo então comentador político e atual Presidente da República. Nessa altura, Marcelo Rebelo de Sousa dizia: “Atenção que ele não é um comentador político, é o primeiro-ministro de Portugal”. “Se ele tem dito que há desemprego, mas o Governo está a tratar com as autoridades brasileiras e angolanas, no sentido de encontrar saída profissional, vocacional e pessoal, isso era bem dito. Agora como ele disse…”.