Bem-vindos à exposição de um artista quase desconhecido. Estêvão Gonçalves Neto viveu no princípio do século XVII, foi abade e capelão, trabalhou para o bispo da Sé de Viseu e passou à história como um génio das artes decorativas. Mas pouco mais se sabe.
“É considerado o último grande autor de iluminuras em Portugal, porque deu nova vida a uma tradição que estava moribunda”, explica o curador Miguel Soromenho, do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). “Na época de Estêvão a tradição da iluminura tinha esmorecido e os trabalhos existentes eram de pouca qualidade.”
Estêvão Gonçalves Neto vai reabilitar a tradição e deixar marca. É isso que se pode ver numa exposição que o MNAA lhe dedica, a inaugurar na quinta-feira, 7, na Sala do Teto Pintado.
Intitulada “Estêvão Gonçalves Neto: O último Iluminador”, a mostra conta apenas 11 objetos, alguns deles desconhecidos ou inéditos, produzidos entre 1600 e 1627.
A saber:
- um cálice em prata dourada, esmalte e cristal de rocha, com uma inscrição dedicada ao artista;
- nove iluminuras, avulsas ou em livro, das quais só uma pertence ao acervo do MNAA (“Ecce Homo”, de 1604), sendo as restantes de coleções privadas ou de outras instituições;
- um relicário de estilo italiano, em madeira, vidro e metal dourado, ao centro do qual se encontra uma iluminura em pergaminho.
No texto do catálogo da exposição, escrito por Miguel Soromenho e Celina Bastos, lê-se que Estêvão Gonçalves Neto foi “homem de algumas posses, com bastante probabilidade bem relacionado com figuras gradas da administração política e eclesiástica”. Ainda assim “não nos deixou pistas sobre as suas origens, que continuam completamente desconhecidas”.
Ignora-se quando e onde nasce, mas sabe-se que morre em Viseu em julho de 1627. Terá começado a trabalhar como iluminador por volta de 1604, e em 1610 terá ido para Viseu como capelão do bispo, tornando-se mais tarde reitor e abade da Igreja de Santa Maria Madalena de Cerejo, concelho de Pinhel, distrito da Guarda.
Pintor iluminador, trabalhou essencialmente sobre papel e pergaminho, ganhando nome com a obra Missal Pontifical, encomenda do bispo de Viseu, hoje na posse da Academia das Ciências de Lisboa. “É a obra mais importante da história da iluminura em Portugal”, classifica Miguel Soromenho.
Executado entre 1610 e 1622, o Missal ganhou repercussão internacional em fins do século XIX, ao ser exibido na Exposição Universal de Paris de 1867, e está na origem do estatuto de génio que hoje se atribui ao autor.
Estêvão Gonçalves Neto terá aprendido em Lisboa os rudimentos da sua arte, possivelmente com Francisco de Holanda, uma das figuras destacadas do Renascimento português.
“Ele sempre foi analisado do ponto de vista das relações com artistas italianos, o que parece certo, porque mesmo que nunca tenha estado em Itália tinha evidente relação com a arte italiana que então se produzia”, diz Miguel Soromenho. “Com esta exposição levantamos também a hipótese de ele ter tido formação em Madrid, no Convento do Escorial, que tinha a maior oficina de iluminura da época”, acrescenta.
A antecipar a exposição, o Observador mostra-lhe cinco das obras que vão estar no museu da Rua das Janelas Verdes, em Lisboa (ver galeria no topo).