À hora de publicação deste artigo, uma única bitcoin custava 582,65 euros. O valor não é o mais alto deste ano, nem tampouco o mais alto de sempre: a 16 de junho, o câmbio fazia-se a 688,23 euros por bitcoin e, em novembro de 2013, o preço de uma unidade ultrapassou mesmo os mil euros. Ainda assim, a tendência tem sido de crescimento e, graças a um fenómeno quadrienal que acontecerá este sábado, prevê-se que o preço da moeda digital cresça ainda mais, de acordo com o MarketWatch.
Mas comecemos pelo princípio. A bitcoin é uma moeda descentralizada e global: descentralizada porque não é regulada por nenhuma entidade oficial; global porque é usada em praticamente todo o mundo — e se é a primeira vez que está a ouvir falar dela, temos dois trabalhos aprofundados sobre o tema, aqui e aqui. A quantidade de bitcoins (também chamada de oferta, ou supply) é controlada de forma automática por milhares de computadores em todo o mundo, programados para tal.
[jwplatform zxYsiByE]
Como referimos, este sábado é dia de halving. Trata-se de um fenómeno que reduzirá dramaticamente a oferta de bitcoins. Mais propriamente, reduzirá para metade a intensidade com que novas bitcoins são produzidas por esses computadores. Segundo o MarketWatch, o fenómeno só acontece de quatro em quatro anos e, de acordo com alguns especialistas, deverá resultar numa escalada do valor da moeda.
O fenómeno está intrinsecamente ligado ao próprio conceito de bitcoin. Quando a moeda foi pensada, o seu criador (ou criadores) Satoshi Nakamoto fê-la para que a oferta fosse deflacionária por natureza, ao contrário de outras divisas cuja oferta é teoricamente ilimitada. Assim, Nakamoto programou o software para reduzir gradualmente a oferta de bitcoins.
225.000.000
Diariamente, cerca de 225 milhões de euros em bitcoins são transacionados em todo o mundo.
CoinCap.io/MarketWatch
Segundo o MarketWatch, os computadores geram atualmente 3.600 bitcoins por dia, ou mais de dois milhões de euros aos preços de hoje. E isso faz-se da seguinte forma:
1 – Qualquer pessoa pode ter computadores a correr o software da bitcoin. Esses computadores têm que permanecer ligados para que possam processar as transações de bitcoins. Essas pessoas chamam-se, na gíria, mineiros de bitcoin.
2 – Em traços gerais esses computadores vão usando a capacidade de processamento para tentarem resolver complexas equações que, fundamentalmente, representam as várias transações.
3 – Essas transações são convertidas em blocks e registadas no chamado blockchain — uma espécie de registo supostamente inviolável com todas as transações de bitcoins feitas desde que a moeda foi criada em 2008.
4 – Por cada transação processada, os computadores geram novas bitcoins que o mineiro pode vender ou conservar. Por isso, competem para serem os primeiros a resolver as tais equações criptográficas que estão na base desta moeda digital e o processo repete-se a cada dez minutos.
E é aqui que entra o fenómeno halving, que se espera que aconteça por volta das 17h00 deste sábado, quando o block número 210.000 for minado algures no mundo. Nesse momento acontecerão três coisas: a transação será processada, o mineiro responsável pelo computador que resolveu a equação receberá 25 bitcoins, ou 14.378 euros, e a intensidade com que novas bitcoins são produzidas poderá, então, ser reduzida. O próximo block a ser minado já só valerá 12,5 bitcoins, ainda assim pouco mais de sete mil euros.
Um especialista ouvido pelo MarketWatch refere que não é possível prever ao certo o que acontecerá ao valor da moeda após esse fenómeno e que tem tudo a ver com quantas das bitcoins criadas nesse dia forem injetadas no mercado — recorde-se que mineiros podem optar por as conservar em vez de as vender. Porém, o halving só terá o efeito esperado caso muitas dessas bitcoins sejam transacionadas.
De referir ainda que a constante subida do valor da bitcoin poderá ainda estar relacionado com a expectativa do que poderá acontecer este sábado. Em novembro de 2012, quando o fenómeno halving aconteceu pela primeira vez, o preço da moeda digital começou a subir gradualmente.
“Houston, temos um problema”
A bitcoin desperta ódios e amores. Muitos acreditam que a divisa vai continuar a crescer indefinidamente, enquanto outros acham que tudo não passa de uma bolha prestes a implodir. De uma forma ou de outra, o sistema atravessa neste momento dois grandes problemas: a carência de capacidade de processamento e a ameaça à descentralização.
Eis uma história para compreender o primeiro. Recentemente, um repórter da rádio norte-americana NPR e um jornalista do The New York Times tentaram transacionar entre eles dinheiro em bitcoins para o programa de rádio Planet Money. O valor era baixo: 5 dólares, isto é, 0,000785 de uma bitcoin. A transação ficou pendente, a aguardar processamento por parte de algum computador. Esperaram, esperaram, esperaram. Até que, ao fim de mais de uma semana, a operação pura e simplesmente desapareceu. É o que acontece quando existem muitas transações em fila de espera e capacidade de processamento muito limitada para lhes dar seguimento. Resumidamente: faltam computadores.
O segundo problema deve-se aos próprios donos dos computadores. É que, enquanto qualquer pessoa pode ter um computador a minar bitcoins, é preciso muito poder de computação para que isso lhe seja relevante. Isso implica muitos computadores e, claro, muita despesa — nomeadamente em eletricidade para os alimentar.
Nesse campo, as pessoas com acesso a eletricidade mais barata têm vantagem. É o caso da China, onde são já processadas a vasta maioria das transações de bitcoins. Essa centralização da atividade tem sido vista como uma ameaça ao ideal de liberdade que está na base da moeda digital.
Para já, é preciso esperar — talvez semanas — para saber como o halving afetará a bitcoin e os mineiros mais pequenos. Mas uma coisa é certa: o fenómeno estará a ser acompanhado de perto por muita gente por esse mundo fora.