A edição de julho/agosto da galardoada revista britânica Monocle é conhecida em todo o mundo por apresentar anualmente o top das 25 melhores cidades para viver. A deste ano – acabada de sair – coloca Tóquio no pódio e Lisboa em 16.º, um lugar que tem vindo a subir gradualmente. O que sobressai neste ranking são os critérios de seleção que têm vindo a ser usados pela revista, como o número de ciclovias, as infraestruturas de comunicação disponíveis ou as condições dadas à classe criativa e empreendedora: sintomas de uma cidade sustentável e inteligente.
Mas, afinal, o que é uma cidade inteligente? “É um aglomerado urbano que, tirando partido dos mais recentes desenvolvimentos tecnológicos disponíveis, procura responder às necessidades dos seus habitantes de forma sustentável e eficaz”, afirma Miguel de Castro Neto, professor e subdiretor da Information Management School da Universidade Nova de Lisboa (NOVA IMS), onde coordena a pós-graduação em Smart Cities.
Nas cidades inteligentes, a inovação e a criatividade são pilares de soluções que visam melhorar a qualidade de vida da população e integram todas as dimensões da inteligência: humana, através da inovação e da criatividade, coletiva, pela cooperação de todos na criação, e, claro, artificial, que inclui todas as ferramentas tecnológicas públicas disponíveis e as infraestruturas de comunicação. “É uma cidade das pessoas e para as pessoas”, explica Miguel de Castro Neto, parafraseando Jane Jacobs, uma pensadora das cidades conhecida pela obra “Morte e Vida de Grandes Cidades”, nascida há precisamente cem anos.
Para este professor e investigador, as startups e o ecossistema empreendedor constituem a alavanca da construção das cidades inteligentes e do desenvolvimento de soluções disruptivas. No entanto, deixa um alerta: é essencial para que este cenário se concretize “a adoção de políticas públicas de dados abertos, que possam ser utilizados e reutilizados livremente para fins comerciais e outros sem quaisquer limitações, como aconteceu nas cidades lideres a nível global na construção da inteligência urbana”.
Neste novo modelo de cidade, a capacidade de usar a tecnologia e criar informação a partir dos dados produzidos quer pelos municípios, quer por todos os cidadãos, poderá contribuir para o seu crescimento, garantindo uma cultura participativa. Quanto às startups, “irão criar novos produtos e serviços, muitos deles que não somos capazes de antecipar e, em última análise, construir mercados que hoje não existem”, conclui Miguel de Castro Neto.
Uma startup inteligente que aposta numa área milenar
Se as startups ocupam um lugar de destaque no desenvolvimento de cidades inteligentes e sustentáveis, a CoolFarm responde com a sua tecnologia a uma área crucial: a agricultura urbana sustentável.
Esta startup nasceu entre quatro amigos de longa data – Gonçalo Cabrita, Liliana Marques, Eduardo Esteves e João Igor – que partilhavam a ambição de produzir vegetais de forma eficiente, usável e economicamente viável. “A CoolFarm está pensada para as estufas urbanas, que são uma forma sustentável, ecológica e comercial de produzirmos vegetais de alta qualidade mais frescos porque estão mais perto dos consumidores e ao dispor deles”, afirma João Igor, co-fundador e responsável pelo design e comunicação. Desta forma, a agricultura urbana pode aproximar os jovens da área, gerar mais emprego e até tornar a vida citadina mais saudável e amiga do ambiente, sublinha.
Esta startup, sediada em Coimbra, usa um software baseado em inteligência artificial e machine learning que controla de forma inteligente as condições de água, do ar e da luz dentro de uma estufa, “proporcionando às plantas o que elas precisam e apenas quando precisam, otimizando assim recursos naturais, mecânicos e humanos”, sublinha João Igor. A hidroponia, técnica de eleição usada pela CoolFarm, permite poupar até dez vezes mais água e controlar todos os nutrientes que são dados às plantas.
Nos últimos dois anos, a Coolfarm cresceu com programas de aceleração, como o Lisbon Challenge da Beta-i, parceira do Programa Ativar Portugal Startup 2016, promovido pela Microsoft, e com um investimento privado na ordem de um milhão de euros, além de fundos europeus e outros prémios monetários. Neste momento, encontra-se em fase de testes em quatro espaços principais, em Portugal e em Londres. O início da venda em grande escala está prevista ainda neste ano, a começar em Portugal, na Europa e EUA.
“Em três décadas, vamos ter de aumentar a produção de comida em cerca de 70% e 80% da população viverá nas cidades. Desta forma, a CoolFarm dará um contributo enorme para o desenvolvimento de cidades sustentáveis e inteligentes”, sublinha João Igor.
Sustentabilidade da energia é sinónimo de cidade sustentável
Numa área diferente, mas também essencial para a sustentabilidade das cidades, atua a IsGreen. A startup aposta num sistema inteligente de gestão da iluminação em edifícios, do ar condicionado e de outros equipamentos, podendo adequar o consumo às necessidades dos consumidores. “Fornecemos apenas a quantidade de luz mais adequada no momento, sem colocar em risco o conforto dos utentes no local”, explica Carlos Rosário, co-fundador e acionista desta startup, que recorre também ao machine learning, isto é, a equipamentos têm a capacidade de processar a informação local e tomar decisões com base nela.
Os vários clientes da IsGreen, desde bibliotecas públicas, piscinas municipais, pavilhões gimnodesportivos a edifícios de escritórios têm em comum poupanças que variam entre os 65% e os 80%, o que só por si já é um contributo para o desenvolvimento das cidades inteligentes. Além deste, Carlos Rosário sublinha a capacidade de antever variáveis: “a tecnologia ILS [Inteligent Lighting System] permite a análise do edifício em tempo real e os dados que obtemos possibilitam a gestão do local no próximo segundo ou mês com recurso a um sistema preditivo”. Desta forma, é possível, associando big data à previsibilidade da usabilidade do espaço, “efetuar uma extrapolação para edifícios adjacentes do mesmo tipo e perceber as necessidades de consumo de um bairro, de uma cidade e dos seus utentes”, justifica.
A IsGreen utiliza a plataforma AZURE da Microsoft, que lhes permite tirar partido da facilidade de criação de servidores virtuais e criação de redes neuronais. Com várias parcerias, entre as quais a EDP comercial, e a entrada de acionistas, esta startup, fundada em 2011 por Carlos Rosário e Jaime Sotto-Mayor, continua a conceptualizar e a desenvolver novas tecnologias. Para já, foi efetuado um acordo com a SigFox, primeira rede de Internet das Coisas a cobrir Portugal e grande parte da Europa para que a tecnologia da IsGreen se alargue a outros mercados.
Acabar com a dor de cabeça número um das grandes cidades
Por fim, se há algo que prejudica uma cidade é o excesso de trânsito. É neste cenário que entra a Mobiag, uma startup que aposta num modelo inovador de car sharing ou mobilidade partilhada para retirar o excesso de carros das cidades e melhorar a qualidade de vida das pessoas. “Cada viatura de car sharing retira cerca de 10 viaturas próprias da cidade; se tivermos cem, retiramos mil viaturas próprias”, explica Rui Avelãs, VP Business Development da Mobiag, apontando a principal vantagem para o crescimento de uma cidade inteligente.
No entanto, além da eliminação de dióxido de carbono e de carros, Rui Avelãs sublinha outra estatística importante: cerca de 30 por cento do trânsito é causado por pessoas que procuram um local para estacionar. “Com o car sharing, posso deixar a viatura num local, apanhar outra noutro ou usar esta solução como complemento dos transportes públicos; através da web app, é possível reservar o carro, desbloqueá-lo, pagar o serviço e calcular viagens, entre outras funcionalidades”, sugere.
A plataforma tecnológica da Mobiag funciona, assim, como “o Airbnb da mobilidade partilhada”, explica, porque cria uma espécie de mercado onde várias entidades podem vender serviços de car sharing. É por isso que além do CityDrive, o projeto piloto que a startup lançou para a área de Lisboa, tem como parceiros operadores de car sharing, rent-a-cars e fabricantes de automóveis, que podem operar em qualquer parte do mundo, e os mais variados clientes, do Montepio à Ernst & Young. Neste momento, a Mobiag fornece a plataforma tecnológica para 12 países na América, Europa, Austrália e África.
Fundada em 2011, pela mão de João Félix e outros investidores, e incubada desde 2011 na Startup Lisboa, a Mobiag foi uma das 10 startups em todo o mundo a entrar em julho deste ano no programa de Berlim do maior acelerador de tecnologia a nível mundial – o TechStarts. Mais um passo rumo a um crescimento sustentado desta startup que quer tornar as cidades mais inteligentes… e com menos trânsito.