Todos os verões têm um romance-sensação que invade os areais: desde a trilogia Millennium, de Stieg Larsson, às 50 Sombras de Grey, de E.L. James, passando por títulos como A Rapariga no Comboio, de Paula Hawkins ou Gone Girl, de Gyllian Flyn, não faltam livros a ser disputados pelas editoras a fim de serem publicados a tempo da época estival, na esperança de que se tornem o bestseller do ano (não é uma meta fácil de atingir: em Portugal, por exemplo, publicam-se mais de 10 mil títulos por ano)

Maestra, de L. S. Hilton, chega às livrarias cheio de premissas: que é o sucessor de As 50 Sombras de Grey, que é o thriller mais chocante do ano, que o avanço foi na ordem dos muitos milhares de euros, que os direitos para a adaptação cinematográfica foram disputados – e vendidos – antes da publicação do livro, que os seus direitos de tradução foram vendidos para quase 40 países por valores altíssimos.

É fácil perceber o porquê da aposta da editora em fazer deste um bestseller: Maestra (o primeiro volume de uma trilogia) é um thriller protagonizado por uma heroína que, envolvida num golpe de milhões relacionado com uma fraude no mundo da arte, frequenta as orgias mais exclusivas das grandes cidades europeias, iates de milionários, lojas de alta costura e hotéis de luxo na Riviera francesa enquanto desaperta braguilhas com um movimento de língua deixando um rastro de sangue por onde passa. Só que, em vez de ser assinado por uma dona de casa desesperada de meia idade, Maestra sai da caneta de Lisa Hilton, historiadora britânica formada em Oxford, com vários livros de história publicados e presença regular em jornais como o The Observer ou o Daily Telegraph e revistas como a Vogue.

Se Maestra será, ou não, o sucesso de vendas esperado apenas o tempo o dirá. Certo é que, como disse ao Observador numa entrevista realizada por e-mail, a autora recusa a comparação com o romance de E. L. James, definindo Maestra como um thriller em oposição a uma história de amor. Aliás, amor é algo que permanece à margem das páginas do romance. Judith, a anti-heroína, não tem qualquer intuito de se apaixonar. Quer apenas sexo, dinheiro & arte.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

maestra

“Maestra”, de L.S. Hilton (Presença)

Acaba de publicar Maestra, um thriller passado no mundo da arte e do dinheiro protagonizado por Judith, uma mulher forte e segura de si, que usa os homens para atingir os objetivos. Qual foi o ponto de partida para o romance?
Foi a Judith. Quis criar uma personagem realmente moderna e quis também quebrar algumas regras que ainda regem as personagens femininas na literatura.

Antes da publicação, a vida de Maestra foi complicada: os direitos de tradução foram vendidos para várias línguas, os direitos para adaptação ao cinema também. Mas foi preciso algum tempo para arranjar quem o quisesse editar. Teve que fazer várias versões?
O livro que agora se publica é exatamente o mesmo que escrevi de início. Não houve várias versões. Mas nem o meu agente nem o meu editor habitual o queriam. Demorei cerca de um ano até encontrar alguém que não o odiasse. Não sei se é já um grande sucesso. Claro que a atenção e a publicidade que têm surgido são uma grande vantagem mas um livro realmente bem sucedido é aquele que estabelece um relação com os leitores ao longo do tempo.

Maestra foi comparado com Gone Girl, A Rapariga no Comboio, 50 Sombras de Grey, a trilogia Millennium ou até O Talentoso Mr. Ripley. São títulos distintos mas há pontos em comum: o mistério, as marcas de um thriller, alguns deles com mulheres como protagonistas, crime, polícia… Como vê estas comparações?
É muito bom ser comparada com Patricia Highsmith. Talvez a Judith partilhe com Lisbeth Salander a predisposição para a violência, embora tenham motivações muito diferentes. Mas a comparação com As 50 Sombras de Grey é injusta para os leitores – Maestra é um thriller, não é uma história de amor. Gostaria de colocar uma etiqueta na capa a avisar qualquer pessoa que tenha gostado de As 50 Sombras de Grey para não comprar este livro.

Judith trabalha no mundo da arte, tentando estabelecer-se profissionalmente num meio em que o berço parece ser mais importante que o mérito profissional. O que a interessou neste mundo?
Obviamente que o retrato que faço do mundo da arte e exagerado. No entanto, acredito que a meritocracia se está a tornar um mito na Europa – existem tantas áreas em que é impossível arranjar trabalho sem antes se trabalhar por nada, ou quase nada. O que, inevitavelmente, diminui as oportunidades. E tanto as artes, como a moda e os media parecem ser particularmente culpados a este respeito.

O que lhe interessou no mundo da arte?
Tenho escrito sobre arte, de uma forma ou doutra, durante toda a minha vida. E este livro foi uma forma de falar de arte num contexto muito diferente. A arte clássica não é chata e cheia de pó: é sexy, gloriosa, cheia de vida. Infelizmente são poucos os que a veem assim.

Judith é uma mulher jovem e forte: sabe o que quer e luta para o alcançar, usando o sexo como arma. Pode ser assustadora para alguns homens. Será que, por exemplo, homens conservadores de meia idade vão conseguir ler o romance? Poderão alguns leitores recusar à partida uma história e personagens como estas?
Penso que Maestra é, em muitos aspetos, um livro masculino. Pelo menos eu não o escrevi para um público exclusivamente feminino. Se Judith consegue ser assustadora, tanto melhor – significa que é uma boa personagem. Parece que o livro tem chateado muita gente, o que só pode ser bom. Portanto, espero que as pessoas mais conservadoras o leiam e que percebam que não é assim tão mau.

Aliás, o livro é um thriller, um género, por excelência, masculino. É o tipo de livro que gosta de ler?
Sim. Estava interessada em brincar com as convenções do noir clássico. E gosto de um bom page turner. Os livros devem ser divertidos.

Como é o seu processo de escrita?
Escrevi este livro apenas para mim. Adorei escrevê-lo. Mas desconfio sempre de escritores que dizem gostar do processo de escrita propriamente dito. É um diálogo constante com aquilo que está mal em nós. Escrever não é um trabalho difícil – tenho imensa sorte em ganhar assim a vida e penso que muitas vezes os escritores se levam demasiado a sério. Não somos médicos, engenheiros nem professores, pessoas que têm empregos realmente importantes. Não gosto particularmente de escrever mas não sei fazer mais nada. Gosto da fase em que tudo está ainda no pensamento – às vezes as ideias ficam anos na minha cabeça até que as passe para o papel. Escrevo sozinha na minha mesa de cozinha, não suporto cafés nem bibliotecas.

Os direitos para a adaptação ao cinema de Maestra foram já vendidos. Já sabe quem vai realizar o filme?
O argumento já está pronto, foi escrito pela Erin Cressida Wilson, que adaptou também A Rapariga no Comboio. A minha opinião sobre a escolha dos atores não será tida em conta mas já tive algumas conversas bem divertidas em Los Angeles sobre isso. Tudo o que posso dizer por agora é que se conseguirmos contratar a atriz que temos em mente, bom, ninguém vai acreditar…