Chegou tarde à conferência de imprensa. A primeira coisa que disse foi que queria ter visto os macacos, que andavam a pairar sobre o campo de golfe. A sério. A gargalhada dele enche a sala. Os jornalistas suspiravam por ele, os olhos arregalavam-se. O sentimento era potenciado pelas palavras de Ryan Lochte, que afirmou que Phelps estaria nos Jogos de Tóquio, daqui a quatro anos. O timing da chegada era perfeito: acabavam de perguntar a Joseph Schooling, o medalha de ouro nos 100m mariposa (Phelps foi prata), sobre a história da fotografia dele com o norte-americano, em 2008. Phelps era o ídolo de Schooling. “Eu nem consegui sorrir…”
Oito anos depois, o nadador da Singapura, de 21 anos, ganhou o primeiro ouro da história do seu país (50.39”), ainda por cima roubou-o ao seu super-herói. Até quando Phelps perde, é em grande estilo. Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos, três nadadores agarraram a medalha de prata na mesma prova. Aconteceu com Phelps, o sul-africano Chad Le Clos e o hungáro Laszlo Cseh (51.14”). Antes de subir ao pódio, o trio falou muito, gesticulou, riu e deu as mãos. A ideia foi de Le Clos. “Eu penso que foi ótimo porque somos bons amigos e temos uma longa história juntos. Pareceu-me certo fazê-lo”, disse o sul-africano.
QUE IMAGEM! Phelps não mudou nada de 2008 pra cá pic.twitter.com/zeclS4qfXS
— Carol Concê (@carolparaense) August 13, 2016
Michael Phelps já contava com quatro ouros antes destes 100m mariposa. Ou borboleta, como dizem os brasileiros. O Estádio Aquático Olímpico compôs-se para ver a última prova individual do maior campeão olímpico de todos os tempos. Ele entrou em palco sereno, limpou a plataforma e preparou-se. A rotina de sempre, imune a tudo. A intensidade durante a corrida foi brutal. Os adeptos vão à loucura e os gritos crescem à medida que os nadadores se aproximam da meta. É um espetáculo bom de ver. Intriga este fascínio pela natação.
Phelps abraçou o rapaz com quem tirou uma fotografia há quase dez anos. Depois seguiu para a zona mista, onde estava o Observador e outros jornalistas à espera dele. “Foi divertido. Fui lento. Pode ter sido uma combinação de coisas, mas é como é. Viramos a página”, começou por dizer. A postura é de campeão. Ele diverte-se. Estava tranquilo e bem-disposto, valorizando o seu desporto. De vez em quando perdia-se dois segundos porque tentava ver o que se passava na TV, que transmitia outra prova. “Ontem à noite tive, provavelmente, a noite em que dormi mais nesta semana: dormi nove, dez horas. Foi uma grande prova do Joe, estou ansioso para ver como ele evolui nos próximos quatro anos.”
Sobre a partilha do pódio, Phelps diz ter sido algo wild, que traduzido à letra é selvagem. Troquemos para surreal. Depois lembrou-se de quem era. “Eu sou eu, por isso vou ser um bocadinho duro comigo, porque não gosto de perder. Mas aceito. Aceito a corrida que fiz esta noite. Restam-me duas voltas na minha carreira. Estou feliz, ansioso por amanhã [sábado]. Esclareço já: o Ryan [Lochte] não sabe o que está a dizer. Eu vou a Tóquio, mas não vou competir. Eu vi isso hoje e disse ‘ohhh, obrigado, Ryan…'”
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Na conferência de imprensa, a admiração de Schooling ganhou a forma de palavras. “Em miúdo eu queria ser como ele. É uma loucura pensar no que aconteceu nestes oito anos”, comenta, recordando a fotografia que tirou com a máquina perfeita das piscinas.
Desde que Phelps entrou na sala, as perguntas foram todas direcionadas para ele. “Hey, o Joe é que ganhou o ouro! Façam-lhe perguntas a ele”, sugeriu. O jornalista a seguir seguiu o conselho, mas depois voltou tudo à normalidade. Ou seja, holofotes em Phelps. Pedem-lhe para falar no novo medalha de ouro. “Eu tenho acompanhado. Ele pode chegar onde quiser. Depende dele.” Schooling acenava com a cabeça, como se estivesse a ouvir o seu pai ou treinador. Foi uma imagem curiosa.
A cada frase que atira, Phelps quase oferece um título para cada jornalista. É sempre a distribuir jogo, risos, gargalhadas e ideias fortes. É alguém equilibrado, com estrutura, com opinião, com bagagem. “Ter a possibilidade de fechar a porta no desporto da forma que eu queria, é isso que me faz feliz”, revelou, mencionando ainda que o seu objetivo no início da aventura era mudar a natação.
Voltou a insistir que não voltará a nadar depois dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Está satisfeito com a forma como fechou a loja. Bom, ainda não fechou: falta uma prova por equipas.
Schooling, que receberá cerca de 900 mil dólares de prémio, foi o primeiro homem a parar Michael Phelps no Rio 2016. O norte-americano vai contando 22 medalhas de ouro, três de prata e duas de bronze na sua história olímpica. Quando ele ouve o registo, na altura que é anunciado, abana a cabeça e esbugalha os olhos, como que ainda não acreditando no que se tem passado desde 2000.
Pediram-lhe que inventasse um ou outro conselho para um garoto que fosse dar os primeiros passos na modalidade. Ele hesitou pouco, no seu estilo pausado. “Não tenham medo de assumir que o céu é o limite. Eu era só um miúdo com um sonho.” Schooling confidenciou depois que conversou com Phelps sobre a medalha de ouro, porque a sensação era inacreditável. Phelps disse-lhe apenas duas palavras: “Eu sei…”