Quando era criança. fazia construções com as molas da roupa da mãe. Mais tarde, substituiu-as por palhinhas. E depois por tecidos. Adorava Matemática, porque lhe permitia comprovar tudo através da lógica. E para juntar uma paixão à outra, fez carreira académica na área da engenharia civil.
É no terraço do telhado da Câmara Municipal de Telavive, em Israel, que Liliana Marques conta ao Observador como se desconstrói diariamente (de um para três): Liliana, a engenheira, a professora, a fundadora de uma startup tecnológica com 2 milhões de euros de investimento. Pelo meio, explica: estar cinco dias com 31 mulheres empreendedores de países como o Quénia, Austrália, Japão, França ou Itália é inspirador. “Vês que é possível, que não é preciso ter medo”, afirma.
Desde domingo a representar Portugal no Start Tel Aviv 2016, a competição que o Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita lançou para distinguir mulheres da área tecnológica, Liliana quer aproveitar a viagem a Israel para visitar estufas industriais. A presença naquele que é o festival de inovação mais importante do país, o DLD, é mais uma oportunidade para apresentar a Coolfarm a investidores. E se tudo correr bem, quando regressar a Lisboa, Israel junta-se aos países com que a startup de agrotech está a fechar acordos de venda: Singapura, França, EUA, Reino Unido.
Quando não está no projeto que lançou em 2014 com Eduardo Esteves, João Igor, Gonçalo Cabrita e que permite às plantas crescerem sem intervenção do utilizador, a Coolfarm, Liliana gosta de passear, sobretudo a pé. “Perco-me nos pensamentos”, conta. Aos 32 anos, e natural de Coimbra, se tiver de escolher um prato preferido, opta por um hambúrguer, em matéria de filmes aponta para o “Drive” e que música ouve e gosta, sim, mas desde que não seja para trabalhar. “Não me consigo concentrar”, diz.
Controladora assumida, diz que antes de lançar a Coolfarm tinha a vida toda planeada. “Portanto, não estava nos meus planos mudar de rumo, mas algo me dizia que tinha de o fazer, que tinha de me desafiar. E ainda bem que o fiz! Já surgiram outros projetos desde então e espero que venham a surgir muitos mais”, conta.
Além da startup de agricultura, Liliana desenvolveu o SteelMyHeart um projeto em que cria peças de mobiliário com materiais de construção e formas alusivas a elementos estruturais. “O aço (steel) foi o material que estudei durante anos e por algum motivo ‘roubou’ o meu coração”, diz.
O jantar que se transformou numa ideia de 2 milhões
Em Telavive, Liliana tem a companhia do cofundador e marido João, com quem namora desde os 15 anos. Do país que é o terceiro no mundo com mais empresas tecnológicas cotadas no índice nova-iorquino NASDAQ, estão a tentar levar a Coolfarm a bom porto, perdão, a boa estufa. E a ideia que nasceu num jantar como uma app para conseguir controlar plantas a partir do telemóvel já é um sistema de inteligência artificial que trabalha em complexos industriais.
“O Gonçalo estava a fazer o doutoramento em robótica, podia automatizar o modo como as plantas crescem nas varandas, o João queria fazer uma aplicação e o Eduardo já falava numa Farmville real. A ideia surgiu assim”, conta.
Quando dois dos cofundadores foram para o programa de aceleração de startups da Beta-i, o Lisbon Challenge, em Lisboa, Liliana continuou a dar aulas na Universidade de Coimbra e a fazer um pós-doutoramento. No intervalo, ia tratando da documentação necessária para apresentar o projeto a investidores. Conseguiram um milhão de euros de um investidor particular, em 2015, e outro milhão em fundos comunitários, em 2016. E aquela que começou por ser uma startup B2C – para o consumidor final, transformou-se numa B2B, para empresas.
Hoje, a Coolfarm comercializa um sistema de controlo para estufas, que permite às plantas crescer em ambientes controlados. “Temos um complexo industrial onde são conectados sensores que leem o que se passa na estufa em tempo real, em termos de ambiente, quantidade de nutrientes que existem na água, entre outros. Todos os dados são recolhidos no computador e enviados para a cloud, onde são processados. O sensor ótico que desenvolvemos também envia para a cloud informação sobre o estado de saúde e a velocidade de crescimento da planta”, conta.
Através de um sistema de inteligência artificial, o agricultor recebe informação sobre o que realmente faz cada planta crescer de um modo mais saudável e dá-lhe recomendações nesse sentido: para que que tenha menos margem de erro e gaste menos recursos, como água. Dentro da Coolfarm, já estão a desenvolver, contudo, um novo projeto, sobre o qual Liliana não quer falar. Mas adianta que têm surgido outras oportunidades de negócio relacionadas com o sistema de controlo que já têm e que têm a ver com estabelecimento de parcerias com a competição.
“Dava aulas na Universidade de Coimbra até perceber que queria fazer mais coisas. Não queria estar só focada num assunto. Percebi isso depois de acabar o doutoramento, deixei de ter um objetivo concreto e perdia um bocado o sentido fazer o que estava a fazer. Estive uns dois, três anos a perceber como poderia mudar o rumo a minha vida”, conta.
O Start Tel Avive decorre há cinco anos, mas esta foi a primeira vez que Portugal participou, sob a alçada da Embaixada de Israel em Portugal. A edição de 2016 visava distinguir mulheres entre 25 e 35 anos que tivessem fundado uma startup tecnológica e as vencedoras têm agora a oportunidade de emergir numa experiência de 5 dias naquele que é considerado o hub número 1 de inovação tecnológica para mulheres empreendedoras, com acesso a workshops, eventos e reuniões com investidores.
O júri da final da competição integrou Graça Fonseca, secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa, Elvira Fortunato, diretora do CENIMAT (Centro de Investigação em Materiais Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa), Sofia Tenreiro, diretora-geral da Cisco Portugal, Jorge Portugal, diretor-geral da COTEC Portugal, Ricardo Marvão, cofundador da Beta-i e Rui Serapicos da CIONET Portugal.