Já está escolhida a futura morada das 85 obras de Joan Miró detidas pelo Estado português. O presidente da Câmara do Porto revelou que a coleção vai ficar em permanência na Casa de Serralves e o design expositivo vai ficar a cargo do arquiteto Siza Vieira, tal como já ficou para a exposição temporária. O anúncio foi feito esta sexta-feira à noite, na inauguração da exposição “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose”, na Casa de Serralves, com as presenças do Primeiro-Ministro, do Presidente da República, do ministro da Cultura e até do líder do Governo espanhol, Mariano Rajoy.
Rui Moreira referiu que a coleção “notável, coerente e indissolúvel” do modernista catalão fica “sob a tutela” da Câmara Municipal do Porto (CMP). Não será um museu municipal, mas um polo municipal. O autarca do Porto revelou ainda que, embora o modelo institucional e financeiro ainda esteja a ser finalizado, devendo ser anunciado “dentro de dias”, as receitas da bilheteira reverterão na totalidade para a Fundação de Serralves.
A opção, explicou, foi tomada por ser “a menos onerosa” para o erário público, já que não implica a construção de um museu. Mas também porque o Museu de Arte Contemporânea tem “os recursos técnicos para garantir a maximização deste projeto”. As obras que forem feitas na Casa de Serralves para adequar o espaço ao seu novo objetivo serão suportadas pelo município. “Garanti ao sr. ministro da Cultura que nada disto onerará o Estado“, acrescentou.
A exposição temporária “Joan Miró: Materialidade e Metamorfose” termina a 28 de janeiro de 2017. Ainda não há data para a abertura definitiva, já com as alterações de Siza Vieira no desenho expositivo. Ao lado de Moreira, o arquiteto portuense lembrou que a Casa de Serralves é um monumento nacional, classificado”, e que ficou provado com esta inauguração que “a Casa recebe muito bem uma exposição como esta “.
Dois meses bastaram para encontrar uma solução para as obras do ex-BPN, atualmente detidas pela Parvalorem e Parups, sociedades criadas para gerir a dívida do banco e tuteladas pelo Ministério das Finanças. Em julho, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, disse numa entrevista ao Público que o desejo do Governo era de que as obras ficassem no Porto, “assim o Porto responda”. Dois dias depois, Rui Moreira convocou a comunicação social para responder afirmativamente ao desafio, oferecendo um espaço municipal que servisse de museu, ou nacional, ou municipal.
Terminadas as visitas dos técnicos do Ministério da Cultura aos locais disponibilizados pela autarquia — mantidos em segredo –, António Costa anunciou esta semana que as obras iam “fixar-se definitivamente na cidade do Porto”. Por isso mesmo, Rui Moreira lembrou-o esta noite, como alguém “a quem o Porto fica para sempre com uma dívida de gratidão”.
Esta noite, Rui Moreira recordou que Ana Pinho, presidente do Conselho de Administração da Fundação, lhe disse que “Serralves estava muito interessado” nesta solução, por se enquadrar “muito naquilo que é a estratégia da Fundação”. No entanto, na mesma entrevista em que Castro Mendes desafiou o Porto a encontrar uma solução, acrescentou que “não é objetivo de Serralves ficar com os Mirós”. Ao Observador, Ana Pinho explicou que “Serralves nunca fez qualquer declaração sobre esse assunto“. “Só muito recentemente fomos abordados pela CMP e entrámos neste processo. ” Luís Filipe Castro Mendes não desenvolveu uma explicação para as suas declarações passadas, dizendo apenas que esta questão tinha de ser colocada à Fundação. Ao Observador, Rui Moreira arriscou uma explicação:
“Eu acho que se criou aqui um equívoco relativamente a uma entrevista que a Suzanne Cotter [diretora do museu] tinha dado, e deu a impressão a algumas pessoas de que Serralves poderia não estar interessado. O que ela disse na altura foi que, relativamente ao Museu de Arte Contemporânea, ali ao fundo, que tinha muita dificuldade em encaixar uma coleção desta natureza porque não se adequava a período”.
Dissipada está a dúvida sobre se o Estado vai alienar alguma das obras. Castro Mendes garantiu esta sexta-feira que a coleção ficará sob propriedade do Estado na sua totalidade. No entanto, esta não é uma solução a custo zero para o Estado, quanto mais não seja porque representa um custo de oportunidade. As 85 obras de Joan Miró foram herdadas do BPN na sequência da nacionalização do banco, em 2008. Em 2014, o Governo de Passos Coelho tentou vendê-las através da leiloeira Christie’s em Londres, o que permitiria um encaixe de pelo menos 35,9 milhões de euros, tendo em conta a avaliação da leiloeira. Ficar com a coleção implica não fazer o encaixe desse valor. O que significa que o Ministério das Finanças conta com menos 35,9 milhões para diminuir a dívida deixada pelo BPN, por exemplo.
Mas não só. Na altura, o Primeiro-Ministro social-democrata justificou a decisão da venda explicando que manter as obras na posse do Estado Português não era uma prioridade. E que mesmo que tivesse esta soma disponível, que teria outras prioridades para o setor. “Há muitas outras coisas importantes para fazer na Cultura”, disse, dando o exemplo dos concursos para os apoios às artes e do património já classificado, que precisa de ser recuperado e conservado.
Questionado pelo Observador sobre esta matéria, Castro Mendes disse que “houve muitos estudos”. “Posso-lhe garantir que o Ministério das Finanças conhece muito bem este processo. É uma decisão do Governo na sua globalidade.”
Última atualização às 23:50 de sexta-feira