Eram 20h30 quando o ministro das Finanças entrou no salão nobre do ministério — já o seu Benfica jogava há 15 minutos — para apresentar o Orçamento do Estado para 2017. Colocou em campo o seu esquema tático para este Orçamento, com as previsões que faz para os próximos anos a encherem o meio campo do terreno de jogo. À defesa, colocou as justificações que alinha para as medidas com que avançou neste Orçamento, contra algumas expectativas que o próprio Governo foi criando. Ao ataque, colocou armas de peso: garantias, sobretudo ao nível fiscal, mas também com uma aposta de peso para o flanco esquerdo: as pensões. À baliza estará Bruxelas e a “expectativa positiva” de conseguir ser como o Luisão foi no último minuto do jogo que acabou, no Estoril, logo depois de ter terminada a conferência de imprensa nas Finanças.

Meio-campo

“Não me parece que esta evolução questione o modelo que está subjacente ao programa económico do Governo, até porque na dimensão interna temos uma fortíssima criação de emprego”.

A criação de emprego está a subir, o desemprego a descer. São os dois indicadores onde Mário Centeno coloca o foco quando traça o cenário macroeconómico do próximo ano, o centro da estratégia do jogo orçamental. O ministro das Finanças faz o exercício de olhar para uma economia meio cheia e apaga o foco sobre outro indicador decisivo: o crescimento da economia. Era aqui que já se alicerçava o cenário macro que apresentou quando era apenas o ministro sombra de António Costa na preparação da campanha eleitoral das legislativas de há um ano, mas a economia não tem correspondido.

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Mas agora Centeno defende-se: “O modelo económico do Governo é sustentável”. Isto apesar de ter de admitir que a economia está aquém do que se esperava (em abril previa um crescimento de 1,8% em 2017 e no Orçamento inscreve 1,5%), mas porque desaceleraram as exportações (em abril a esperava que estivesse em 4,9% no próximo ano, mas agora só prevê 4,2% e num salto grande relativamente a este ano).

Defesa

Este é um Orçamento de escolhas (…) As escolhas que para este Governo têm um ponto muito relevante na consolidação das contas públicas, sempre aliada às preocupações sociais.”

Havia um ponto de peso para justificar — face às primeiras ofensivas que apareciam — e a expressão utilizada para a justificar foi esta aqui em cima. Por que motivo o Governo decidiu recorrer à retirada gradual da sobretaxa em 2017, em vez de acabar com ela totalmente logo a 1 de janeiro, como prometeu? “Governar é fazer escolhas e é fazer escolhas sustentáveis. É claramente preferível olhar para a realidade e ler nela os sinais positivos que tem, mas perceber que ela é exigente e requer de todos um esforço muito grande”. A sobretaxa acaba de forma gradual “mas de forma sustentável”, disse Mário Centeno. E na sua totalidade, para todos os contribuinte, deixa de existir apenas no último mês do ano em que o Governo prometeu que ela já não existiria.

“As escolhas” a que se referiu o ministro têm duas balizas, como o próprio tinha explicado mal se levantou para ir até ao púlpito e apresentar o Orçamento do Estado: as “preocupações sociais” e a “consolidação das contas públicas”. É entre estas duas componentes que Centeno diz ter construído a proposta do Governo que garantiu ter “como objetivo um país mais justo, consolidando os avanços de política económica de 2016”.

Ataque

Disse duas vezes a mesma frase que, curiosamente (ou nem tanto), responde a uma das principais preocupações manifestadas pelo Presidente da República quanto a este Orçamento. Por mais do que uma vez, Marcelo Rebelo de Sousa veio insistir na “estabilidade fiscal, que é uma estabilidade importante em termos de investimento”. E o ministro Mário Centeno parece ter ouvido o que foi dito pelo chefe do Governo que, no final de todo o processo orçamental, terá um diploma em mãos para promulgar. “Este é o Orçamento da estabilidade fiscal”, declarou Centeno.

O ministro das Finanças vinha preparado para fazer esse remate e afirmou que “os principais códigos tributários não vão ser alterados, o IRS, o IRC, o IVA, o imposto de selo, o IMI o IMT, nenhum destes impostos sofre agravamentos, vários sofrem desagravamento” no Orçamento.

Outra garantia dada pelo ministro Mário Centeno foi a redução da carga fiscal que, de acordo com o relatório, baixa em 0,1 pontos percentuais em 2017: de 34,5%. Aliás, esta foi logo uma das primeiras referências do ministro quando falou nos três pilares deste Orçamento e disse que o primeiro, a recuperação de rendimentos, “se traduz na redução da carga fiscal, em particular dos impostos diretos sobre o rendimento”. Os outros dois pilares são a recapitalização das empresas e a estabilidade da economia.

O ministro ainda se estendeu em explicações sobre outra das apostas do Governo neste Orçamento: o aumento das pensões que será feito em duas fases. Na primeira, as pensões até 838 euros aumentam ao valor da inflação, como decorre da lei e, numa segunda fase, em agosto, as pensões entre 275 euros e 628 euros aumentam dez euros. Fora deste último aumento ficam as pensões mínimas.

Mas a jogada de ataque que apareceu em primeiro lugar foi política, com Mário Centeno a começar a conferência de imprensa a “desmistificar os rumores das últimas semanas”, que deram sempre conta de um impasse negocial entre Governo e os partidos que o apoiam no Parlamento, que empurravam a resolução do grosso dos problemas para a especialidade. “O Orçamento do Estado apresenta-se quando todas as medidas estão fechadas e quando a discussão está concluída”.

À baliza

“Governo tem fortes expectativas numa avaliação positiva”

Last but not the least: Bruxelas. O documento segue segunda-feira para a avaliação da Comissão Europeia, como é exigido que aconteça, segundo as regras comunitárias, até 15 de outubro (que calha num sábado, daí o limite saltar para o dia 17). O ministro das Finanças garantiu que manteve contacto com a Comissão Europeia na preparação do Orçamento do Estado para o próximo ano e revelou ter “fortes expectativas” sobre a avaliação “positiva” de Bruxelas.

“Obviamente trocamos informação com as autoridades europeias sobre a condução da política orçamental”. O ministro respondia aos jornalistas e afirmava mesmo ter “fortes expectativas que, quer na dimensão da afirmação da ação efetiva em 2016, no atingir dos objetivos orçamentais para este ano e na avaliação que a Comissão faz, que a avaliação será positiva. E a mesma reação é esperar para o plano orçamental de 2017″.

Longe vai o impasse do primeiro Orçamento deste Governo, no início do ano, depois de apresentar o esboço orçamental em Bruxelas e ter sido obrigado a negociar medidas, ficando entre as exigências comunitárias e as reivindicações dos então novíssimos parceiros do Governo no Parlamento. Desta vez, o Governo apresenta o plano orçamental em Bruxelas já depois de ter entregue a proposta na Assembleia da República. Mas Centeno não tem garantias, apenas expectativas por confirmar.