[Nota: As informações noticiadas neste artigo não se confirmaram. No dia seguinte, foram noticiados dois processos disciplinares a instrutores dos Comandos. O Observador foi induzido em erro por uma fonte bem colocada na estrutura do Exército, que deu informações incorretas em dois contactos: um de recolha de informação e outro de reconfirmação. Por este facto, pedimos desculpa pelo erro aos nossos leitores, com um compromisso de fazermos um esforço adicional para que não volte a acontecer.]
As mortes dos dois recrutas do 127º curso de Comandos, no início de setembro, não terão sido causadas por “infrações disciplinares” ao Regulamento de Disciplina Militar por parte dos responsáveis pela formação, segundo os testemunhos recolhidos no âmbito do processo de averiguações instaurado pelo Exército. O general Rovisco Duarte, chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), ainda espera pelos resultados das autópsias aos corpos de Hugo Abreu e Dylan Araújo da Silva, que morreram a 4 e 10 de setembro, para concluir a instrução do processo.
Há um mês que o Exército espera pelos relatórios. Enquanto as conclusões não chegam às mãos do Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), a inspeção-geral do Exército interrogou todos os envolvidos no processo que levou à morte dos dois instruendos. Neste período, foram ouvidas mais de 70 pessoas — entre colegas de curso (um grupo de 67 homens, no primeiro dia de instrução), instrutores e médicos que assistiram os dois militares. Foram também analisados os relatórios do INEM, dos hospitais do Barreiro e Curry Cabral (onde esteve internado, no primeiro caso, e para onde foi transferido, no segundo, Dylan da Silva, por necessitar de um transplante hepático que nunca chegou a ser realizado).
De todos esses testemunhos não terá resultado qualquer indício de que tenha havido violações das regras de conduta por parte dos responsáveis pela formação dos recrutas do 127º curso de Comandos. Caso contrário, explicou ao Observador uma fonte do Exército, o general Rovisco Duarte teria avançado de imediato com processos disciplinares contra os visados. O facto de o CEME não ter tomado qualquer posição será um sinal de que, segundo a investigação interna do ramo, não deverão ser atribuídas responsabilidades aos instrutores daquele curso. No entanto, corre ainda uma investigação do Ministério Público com o mesmo foco: perceber o que correu mal para que os dois recrutas do 127.º curso de Comandos tivessem morrido e outros oito tivessem precisado de receber assistência médica.
Contactado pelo Observador, o porta-voz do Exército, Tenente-coronel Vicente Pereira, limita-se a referir que “ainda não foram entregues ao CEME as conclusões do processo de averiguações”.
Autópsias concluídas “muito em breve”
Neste momento, só as conclusões dos relatórios das autópsias poderão resultar em responsabilidades para os instrutores do curso. Na verdade, a instrução do processo de averiguações do Exército só poder ser encerrada quando os relatórios das autópsias estiveram concluídas e forem integradas na investigação. Esse é o único ponto em aberto na investigação, neste momento. De resto, todos os testemunhos recolhidos pelo Exército deverão ilibar os responsáveis pela instrução.
Este consenso contrasta com os testemunhos recolhidos pela RTP, cerca de duas semanas depois de os dois militares terem morrido. Ao programa Sexta às 9, um colega de curso de Hugo Abreu garantia que, quando o recruta “tombou no terreno, já próximo da inconsciência e com imensas dificuldades respiratórias, foi forçado a respirar e a engolir terra” — um relato replicado “dezenas” de vezes à investigação da RTP por “testemunhas oculares” dos incidentes que acabaram com a morte do recruta. A mãe do militar madeirense disse que o filho teria sido “obrigado a respirar e a comer terra” pelo “sargento Rodrigues”. Foram também recolhidas declarações que davam conta de privação de água aos militares, depois de o Exército garantir que, diariamente, seriam distribuídos sete litros de água a cada homem.
Dizer que houve excesso de violência, ou violência de qualquer forma, é admitir uma coisa que não existe”, garantiu na altura o coronel Duarte da Costa, comandante das Forças Terrestres. “Não há violência na instrução militar”, assegurava.
Por esclarecer está, também, se a assistência médica prestada aos dois militares foi adequada. Foram levantadas suspeitas de que os responsáveis médicos no Campo de Tiro de Alcochete terão perdido demasiado tempo a acionar meios externos e a transferir os dois homens para outras unidades hospitalares com condições para prestar os cuidados necessários.
O general Rovisco Duarte foi claro quando ordenou a instauração do processo: é imperativo “ir ao fundo” da questão “e ser claro” na descrição dos acontecimentos que levaram à morte dos dois militares. O CEME acompanha a investigação interna mas não terá qualquer intervenção no processo.
Publicamente, na única intervenção que fez sobre este assunto, Rovisco Duarte considerou as duas mortes “anómalas” e garantiu que o Exército vai “corrigir o que tiver de ser corrigido” e “agir em conformidade” com as conclusões divulgadas. O CEME aguarda “tranquilo” pelas conclusões do processo de averiguações mas salvaguarda que “o Exército é uma instituição fortemente hierarquizada” e que “há responsabilidades de comando aos diferentes níveis”.
Temos a certeza de que os portugueses vão confiar nos Comandos. Eu estou seguro. O Exército é uma instituição credível”, defendeu o Chefe do Estado-Maior do Exército.
Na terça-feira, Rovisco Duarte considerava que o processo estaria concluído “muito em breve”. Ao Expresso, fonte do Instituto de Medicina Legal admitia a “expectativa” de que o relatório das autópsias, que vai permitir fechar a fase de instrução, deverá estar concluído na próxima semana, antes ainda do fim do mês de outubro. Desde o primeiro momento, o Exército referiu-se a um “golpe de calor” para justificar a morte dos dois militares.