Quinze anos depois da descriminalização do consumo de drogas, o presidente do SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) faz um balanço positivo, lembrando que diminuíram consumos, doenças e mortes, e acredita que em breve vão surgir propostas concretas para criar salas de chuto.
“A apreciação que fazemos é que a evolução dos diversos indicadores da dependência têm evoluído de uma forma globalmente positiva. Não é um problema resolvido na sociedade, mas a apreciação é que foi boa medida”, disse à Lusa João Goulão, referindo-se à descriminalização do consumo de drogas. João Goulão salientou, contudo, que esta medida faz parte de “um pacote muito mais vasto que resultou de esforço que já vinha sendo feito” desde 1999, quando foi aprovada a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga.
Nestes 15 anos, assistiu-se a uma diminuição das doenças resultantes dos consumos, sobretudo a contaminação com o vírus VIH, das mortes por overdose e da pequena criminalidade com a toxicodependência.
Mas não só, “aumentou o acesso ao tratamento para pessoas que se querem tratar, melhoraram as políticas de redução de danos e assistiu-se a um retardar do início de consumos por parte dos mais novos, sem que tivesse havido um disparar de consumos na população em geral, sem que tivesse havido narcoturismo, sem que se tivesse instalado em Portugal turismo relacionado cm drogas”.
Neste período houve algumas vicissitudes, entre as quais um aumento do consumo de heroína – sobretudo recaídas de antigos consumidores -, após um longo período em que este tipo de consumo tinha vindo a decair.
Este recrudescimento é explicado com “intercorrências que marcaram muito fortemente a sociedade portuguesa, nomeadamente a crise financeira com o consequente impacto social que teve: aumento do desemprego, dificuldade das famílias e o resultante “desmoronar dos percursos que alguns toxicodependentes tinham imprimido à sua vida e que se viram confrontados com problemas que não conseguiram enfrentar”.
A criação das salas de consumo assistido – vulgarmente designadas por “salas de chuto” – é uma hipótese que foi aventada na altura da descriminalização e que de vez em quando volta a ser posta em cima da mesa, mas sem que nunca tenha avançado, uma situação que poderá mudar em breve. João Goulão explicou que a ideia nunca foi esquecida, mas tem havido “desencontros entre a liderança de princípios e a liderança de governos”.
Em 2001 foi produzida legislação que enquadra medidas de redução de danos com várias medidas, entre as quais salas de consumo assistido, estando previsto um acordo entre o poder autárquico e o Governo no sentido da criação desse tipo de respostas.
“De alguma forma, na altura em que a premência da criação de dispositivos desse género era maior, não houve condições politicas. Quando tivemos condições para o fazer, em que houve abertura do município para avançar, o que se constatou foi que o consumo por via injetável estava a cair de forma tão rápida, que considerámos que seria um sinal errado avançar com um dispositivo desse género”, explicou.
A ideia foi então posta de parte, ainda mais porque se constatou que era possível chegar às franjas da população com outras medidas, como as equipas de rua ou o programa de troca de seringas, e que, simultaneamente, os consumos mais problemáticos estavam a cair.
Mais recentemente, a questão voltou a levantar-se, devido ao recrudescimento desses consumos, “daí a questão estar novamente em discussão, com abertura do poder autárquico e central para avaliar a pertinência da instalação destes dispositivos”. “Estamos numa fase em que me parece provável que surjam propostas concretas”, sublinhou.