“Um resíduo? É uma matéria-prima fora do sítio“. Esta foi uma das frases-chave ouvidas no 13º Encontro Nacional de Inovação da COTEC, esta terça-feira em Lisboa, onde se debateu o conceito da Economia Circular, um conceito que emergiu nos últimos anos como alternativa à economia linear — isto é, a produção industrial em que há um esgotamento dos recursos naturais e em que os produtos são utilizados e, pouco tempo depois, descartados como resíduos. A economia circular quer fazer diferente: desde a conceção e o design, desenvolver produtos tendo em mente um reaproveitamento que mantenha os materiais no ciclo produtivo.
Vários empresários, associados da COTEC, que estiveram na conferência garantiram que há muitos anos empregam métodos de produção que coincidem com os da Economia Circular. Ainda assim, toda a plateia de 500 pessoas aplaudiu a apresentação de Ellen MacArthur, presidente da fundação com o seu nome e que se tornou um rosto da Economia Circular.
A sua inspiração veio da volta ao mundo que fez, sozinha, a bordo de um barco à vela, em tempo recorde. Os recursos que Ellen levou a bordo — comida, água, energia etc. — foram calculados ao milímetro para uma viagem de vários meses, o que lhe deu a noção muito clara de que os recursos que existem são finitos (não só a bordo do seu barco mas, também, no planeta).
O maior feito da minha volta ao mundo num barco à vela não foi o de estabelecer um novo recorde mundial”, mas a descoberta de que, com o carácter finito dos recursos, “a Economia Circular impõe-se como uma forma de economia global sustentável e eficiente” para a qual teremos de fazer a transição, afirmou Ellen MacArthur.
No discurso de encerramento da cerimónia, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, voltou a esta questão lançada por Ellen MacArthur: “porque é que a Economia Circular demorou mais tempo a chegar?”, perguntou Marcelo. A resposta? “Todos nos lembramos da profecia de que havia recursos ilimitados. Hoje, sabemos que isso não é verdade”.
O crescimento económico e a subida dos padrões de vida da população mundial (classe média deverá duplicar até 2030) e, por outro lado, o esgotamento de alguns recursos importantes torna urgente a adoção de conceitos da Economia Circular por parte das empresas.
E a reciclagem não chega. Segundo a COTEC, apenas 5% do valor original das matérias-primas são recuperados através da reciclagem de materiais e recuperação energética a partir de resíduos na Europa. Ellen MacArthtur avançou com um dado que surpreendeu quase todos na plateia: de todos os plásticos que são reciclados, apenas 2% voltam a ser reutilizados como plásticos da mesma qualidade.
Um exemplo avançado por Ellen MacArthur, para mostrar como pode ser um futuro mais circular, é o de uma empresa holandesa que produz carpetes que depois coloca nas casas das pessoas (leasing, não venda) e que o produto já é concebido com a intenção de vir a ser recuperado pela empresa — a carpete volta a quem a produziu e será reciclada com taxas de aproveitamento próximas de 100%.
Esse exemplo mostrou a ligação que a Economia Circular tem com a Economia de Partilha, ou seja, a economia onde uma empresa se tornou em quatro anos a maior empresa de hotelaria sem possuir um único hotel (AirBNB) e onde uma empresa que não possui qualquer automóvel se tornou a maior empresa de transporte (Uber).
O automóvel, que estudos demonstram que na Europa é um produto que está estacionado mais de 90% do tempo, é um candidato óbvio para a Economia de Partilha e para um aproveitamento da capacidade existente. É isso a Uber, mas ao nível da produção é também isso o caso da Renault, elogiado por Ellen MacArthur, em que há um esforço de recolha e recuperação de motores e outros componentes — peças que são, depois, vendidas com a mesma garantia das peças novas, porque foram reparadas pelas mesmas pessoas que as produziram.
O Presidente da COTEC, Francisco Lacerda, afirmou que “depois desta manhã, estou certo de que todos reforçámos a consciência de que as atividades económicas desperdiçam demasiados recursos”. “Para as empresas”, acrescentou, “maior circularidade pode significar igualmente maior competitividade na vertente dos custos”. O ano que se avizinha é um ano crucial para a Economia Circular, assumida como compromisso pela Comissão Europeia, e será realizado um encontro europeu da COTEC, em Espanha, em fevereiro, onde o tema voltará a estar em destaque.
Neste encontro da COTEC, no Convento do Beato, foram, também, entregues os Prémios COTEC 2016, incluindo o Prémio PME Inovação COTEC-BPI às empresas ERT Têxtil Portugal e i2S – Informática, Sistemas e Serviços. Foi, também, entregue o Prémio Produto Inovação COTEC- ANI à empresa TMG. Estas foram empresas que se distinguiram pelo carácter inovador dos seus produtos, serviços e modelos de negócios.