O Ministério Público avançou com um processo para a perda de mandato do presidente da câmara de Ourém, Paulo Fonseca, eleito nas listas do PS. O processo (226/17.8BELRA) está a decorrer no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e, além da perda de mandato, o socialista pode ficar inibido de concorrer às autárquicas de 2017, deixando o PS órfão do seu candidato preferencial naquele município. A decisão era expectável depois de, no final de novembro, o Tribunal Constitucional ter rejeitado o recurso que visava impedir a insolvência do autarca, tal como noticiou o Observador.
O processo de perda de mandato é praticamente automático, embora Paulo Fonseca — que o Observador tentou, sem êxito, contactar — tenha cinco dias a partir do momento em que é notificado para se pronunciar. Caso perca o mandato, Paulo Fonseca já não volta à autarquia sem ser de novo submetido a eleições. E, mesmo isso, parece difícil a curto-prazo.
O presidente da câmara de Ourém está insolvente e a única coisa que faria com que se pudesse candidatar nas próximas autárquicas seria chegar a acordo com os credores. Segundo fontes próximas do caso ouvidas pelo Observador, esse acordo para o pagamento da dívida está longe de ser alcançado até porque estão em causa mais de 4,6 milhões de euros. Além disso, uma das entidades é a Parvalorem, sociedade-veículo que ficou com os ativos tóxicos do BPN e que está nas mãos do Estado. Ora, seria difícil ao Governo (a qualquer um, mas ainda mais a um executivo PS) justificar qualquer perdão de dívida a um autarca da mesma cor política. Apesar disso, Paulo Fonseca tem tentado negociar com os credores.
Em meados de dezembro, já após a decisão do Tribunal Constitucional, Paulo Fonseca classificou, em declarações à imprensa local, a possibilidade da perda de mandato como “fantochadas da oposição“. E admitiu ser candidato nas próximas autárquicas: “Disse que não tinha grande vontade de ser candidato, porque precisava de fazer outras coisas, mas com estes passos que a oposição tem estado a dar está-me a dar ganas de ser.”
Quem é Paulo Fonseca
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Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca tem 53 anos e já foi deputado do PS em duas legislaturas. É presidente da câmara municipal de Ourém desde 2013 e foi governador civil de Santarém durante o governo de José Sócrates.
Paulo Fonseca viu recentemente o seu poder de intervenção ser reforçado, depois do Governo ter aprovado um decreto-lei que permite ao município de Ourém não estar sujeito ao lançamento de concursos públicos em tudo o que sejam despesas relacionadas com o centenário das aparições e a visita do Papa a Fátima, a 12 e 13 de maio. Desta forma, tanto o Estado como o município de Ourém podem contratar empreitadas por ajuste direto até 5,1 milhões de euros, quando — em condições normais — é obrigatório concurso público para obras acima dos 150 mil euros. Os bens e serviços por ajuste direto também passam, com este decreto, dos 75 mil euros para os 207 mil euros.
Uma longa batalha judicial
O caso da insolvência de Paulo Fonseca arrasta-se há anos. Quem pediu a insolvência do atual presidente da câmara foi o empresário José Carlos Serralheiro que alega ter-lhe emprestado dinheiro (350 mil euros, embora o valor da ação seja inferior). Paulo Fonseca precisava de capitalizar a empresa de construção da qual era sócio (Batista&Fonseca, Lda) e terá emprestado o dinheiro com base num acordo de que ou lhe era devolvido ou ficava com 50% da empresa em causa.
José Carlos Serralheiro chegou a contar ao jornal Mirante que nunca ficou com quotas da empresa e que, apesar de ter passados cheques em três ocasiões, estes foram rejeitados. Tudo isto se passou em 2008, quando Serralheiro conheceu Paulo Fonseca (na altura governador civil de Santarém) na venda de um terreno e decidiu emprestar dinheiro ao político “com base na confiança”. Como se tratava de um governador civil, Serralheiro achou que bastava a palavra, que este não lhe falharia no pagamento e que agiria de boa fé.
Num primeiro momento, Paulo Fonseca foi declarado insolvente em primeira instância pelo Tribunal de Ourém (processo 189/14.1 TBVNO). De seguida, o autarca recorre para o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo o recurso admitido e a venda e partilha do património suspensa.
O Tribunal da Relação acaba por se pronunciar (o relator foi o juiz Luís Marinho) para dizer que é necessário simplificar as conclusões, que eram demasiado extensas. O advogado de Paulo Fonseca não as terá alterado ou resumido, o que fez com que o recurso tenha sido rejeitado pelo relator. É feita então reclamação para a conferência, que confirmou a rejeição do recurso. Paulo Fonseca insiste e faz um recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que não é aceite.
A 30 de março de 2015, é feita reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça que é admitido quanto à questão da má-fé, mas não admitido o recurso da sentença de insolvência, porque o processo não tem o valor suficiente para que possa ser objeto de recurso (o valor da ação é 30 mil euros e seria necessário, pelo menos, 30.000,01 euros). Por um cêntimo, o recurso não é aceite.
A 4 de junho de 2015, Paulo Fonseca recorre para o Tribunal Constitucional desta decisão do Supremo de não receber o recurso. A 15 de outubro do mesmo ano o TC admite o recurso. O processo (1011/2015) é concluído a 23 de novembro de 2015, sendo a relatora a juíza Maria Rangel de Mesquita. A decisão final foi tomada, em conferência, a 22 de novembro de 2016, dia em que é publicado o acórdão que estabelece que o recurso não foi aceite.
Esgotam-se assim as hipóteses de recurso, após cinco decisões de juízes e tribunais diferentes que decidem ou mantêm a decisão de insolvência. A única forma de Paulo Fonseca evitar a perda de mandato é ver a ação ser retirada por quem a colocou e chegar a acordo com os credores. O que se afigura difícil porque, entretanto, ao empresário que pediu a insolvência, juntaram-se os credores da tal empresa de construção, a Batista&Fonseca, Lda.
Em causa estão dívidas que totalizam — de acordo com fonte próxima do processo — cerca de 4,6 milhões de euros e incluem como credores bancos (como o BCP ou a Caixa de Crédito Agrícola de Leiria) e até o antigo Banco Português de Negócios (com os créditos a pertencerem a uma sociedade-veículo, a Parvalorem, que ficou com os ativos tóxicos do BPN).
Se nada se alterar, nos termos da lei, o mais certo é que, como insolvente, Paulo Fonseca não se possa igualmente recandidatar às próximas autárquicas. Só o poderia fazer caso fosse alterada a Lei Eleitoral nesse sentido, o que não se perspetiva neste momento.
Na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, no artigo 6º, referente às “inelegibilidades gerais” é referido que:
São igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais:
a) Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados;”
O Partido Socialista terá aqui um problema em Ourém, já que o secretário-geral, António Costa, convidou todos os presidentes da câmara municipal em exercício que não atingem o limite de mandatos a recandidatarem-se nas autárquicas de 2017.
Já há precedente de perda de mandato por parte de outros autarcas. O caso mais mediático foi o de Macário Correia, quando em julho de 2012 o Supremo Tribunal Administrativo determinou “a perda do mandato” do então presidente da câmara de Faro, por ter violado o Plano Regional do Ordenamento do Território do Algarve e Plano Diretor Municipal em 2006.