O ministro das Finanças negou esta segunda-feira ter feito qualquer acordo para isentar da entrega de declarações de rendimentos os gestores da Caixa. Mário Centeno admitiu que possa ter havido “erros de perceção” da parte de António Domingues na interpretação das alterações legislativas. No auge da polémica, Mário Centeno diz que falou com o Presidente da República e com o primeiro-ministro a quem disse que o seu lugar estava à disposição desde o primeiro dia em que tomou posse. Mas garante que não pediu a demissão.

O esclarecimento de Mário Centeno surgiu depois da crescente pressão política, sobretudo vinda da direita, por causa da troca de mensagens com António Domingues relativas às condições para o gestor aceitar o convite para presidir ao banco público.

A verdade é que nunca neguei que houvesse acordo, só disse que esse acordo não envolvia a eliminação do dever de entrega das declarações de rendimento e património — matéria aliás prevista noutro diploma que não foi revogado ou alterado [lei de 1983 sobre controlo de riqueza dos titulares de cargos político]”, começou por dizer o ministro, sublinhando que “houve acordo do Governo para alterar o estatuto do gestor público” mas “acordo do Governo para isentar os gestores de entregarem declarações de rendimento e património ao TC não houve”.

O acordo para António Domingues entrar como CEO da Caixa tinha como base “um conjunto vasto de documentos e condições”, mas nesses documentos, garante o governante, “não existe uma referência à questão declarativa ao Tribunal Constitucional”. “O que existe é um conjunto vasto de referências que decorrem do estatuto do gestor público e que tem a ver com questões de remuneração, incentivos, etc.”, afirma. Foi por isso, diz, que o Governo alterou essas questões na política de governação da CGD, acabando com os tetos salariais por forma a o banco público ter as mesmas regras dos restantes bancos do sistema financeiro.

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Mário Centeno garante que agiu sempre de boa fé. “A acusação que foram feitas falsas declarações corresponde a um comentário de uma resposta do meu ministério a um requerimento da comissão de inquérito. A resposta que demos aos deputados corresponde exatamente ao entendimento que tínhamos desse mesmo requerimento. Foi nesse contexto que referimos a não existência de comunicações no âmbito da questão levantada. Foi essa a acusação que nos foi feita de falsas declarações e não corresponde de todo à verdade”, disse.

Declarações. Comunicação formal foi a 15 de novembro, mas houve outras conversas

Segundo o ministro das Finanças, a única comunicação formal em que António Domingues levanta a questão da entrega de declarações ao Tribunal Constitucional é de 15 de novembro, já depois de ter rebentado a polémica sobre a isenção dada aos gestores da Caixa e quando já muitas vozes apontavam para a obrigação de entregar as declarações. Nessa comunicação, António Domingues deixava claro que, no seu entender, tinha havido uma violação do acordo. E informava que alguns gestores da sua equipa não estavam dispostos a entregar a declaração, mas dando a entender que até estaria disposto a fazê-lo. E informal? Mário Centeno admite que terá tido conversas sobre declarações, mas não explica o contexto.

O ministro das Finanças admite por isso que António Domingues, “por eventual erro de perceção mútuo”, poderá ter percebido que “o acordo poderia cobrir de alguma forma a eliminação do dever de declaração no Tribunal Constitucional”. Esse “erro de perceção” é atribuído a uma eventual leitura diferente das alterações legislativas ao estatuto do gestor público que António Domingues possa ter feito, sendo que Mário Centeno garante que a leitura do Governo foi a de que essas alterações não incluíam qualquer isenção de declarar rendimentos e património ao TC.

“Admito que não possa ter afastado do entendimento do senhor António Domingues que o acordo poderia retirar o dever de apresentação das declarações”, disse.

Questionado sobre as declarações do secretário de Estado Mourinho Félix no seguimento da suspeição levantada em relação à isenção de declarar rendimentos e património, onde o governante disse, a 26 de outubro, que “foi intencional” e que o Governo “sabia que isto [o fim do escrutínio público dos rendimentos dos novos gestores da CGD] seria uma consequência da sua retirada do Estatuto do Gestor Público”, Mário Centeno limita-se a dizer a ideia sempre foi apenas de “retirar a CGD do estatuto do gestor publico era para que a Caixa fosse tratada como qualquer outro banco”. O acordo feito com Domingues foi apenas no sentido de “colocar a CGD ao nível de concorrência dos outros bancos”, insiste.

“Foi nesse sentido que foi dada a resposta de que não foi um lapso e que o escrutínio declarativo a que se referia já era feito. Também é verdade que o estatuto do gestor público era uma condição essencial daquilo que era o acordo de princípio para a recapitalização”.

Já o secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, acrescenta que a isenção da declaração de rendimentos e património, quando foi levantada, “não nos pareceu preocupante, e foi por isso que aí disse que não foi lapso, porque o quadro regulatório a que os gestores estavam sujeitos já cobria a obrigatoriedade de escrutínio”. “No mesmo dia eu também disse que os gestores obviamente não estavam dispensados de qualquer lei que vigorasse e que não tivesse sido alterada”, acrescentou, referindo-se à lei de 1983 sobre o controlo público de riqueza.

Centeno não apresentou demissão, mas disse que lugar estava à disposição

Centeno afirma que deu conhecimento de “tudo isto” ao primeiro-ministro que lhe sugeriu pedir também uma audiência ao Presidente da República, que aconteceu esta segunda-feira. “Tive oportunidade de explicar todo o processo ao Presidente da República”, disse. No seguimento destes contactos, Mário Centeno afirma que pôs o seu lugar à disposição de António Costa, ainda que não tenha apresentado qualquer pedido de demissão. “Reiterei ao primeiro-ministro que o meu lugar está à sua disposição desde o dia em que iniciei funções”, começou por dizer. E depois explicou melhor: “Não pedi a minha demissão, disse obviamente que o meu lugar está sempre a disposição, reiterei isso ao primeiro-ministro porque é evidente que o ministro da Finanças tem de estar dotado da confiança de todos os agentes económicos e sociais nacionais e, quando isso não acontece, agirei sempre desta forma”.

Segundo o ministro, a discussão com António Domingues e a equipa que estava a tratar do tema, os advogados e consultores financeiros indicados pelo gestor, centrou-se sobretudo em matérias de remunerações e prémios de gestão. E o Governo alterou essas regras. Mas Centeno afasta qualquer fragilização dos mecanismos de controlo do Estado, antes pelo contrário.

O estatuto de gestor público, na legislação que aprovamos em junho, isenta a CGD de um vastíssimo conjunto de condições, nomeadamente de transparência, que consideramos totalmente satisfeitas por outras formas de controlo. Não houve nenhuma fragilização dos mecanismos de transparência e de funcionamento da CGD, muito pelo contrário. O que fizemos nas alterações múltiplas que operamos na CGD foi reforçar os mecanismos internos de controlo, de auditoria, os riscos, que são essenciais para o funcionamento de uma organização com esta dimensão”, disse.

As mensagens e correspondência trocadas entre o ex-presidente da Caixa e o Ministério das Finanças, divulgadas na quarta-feira passada, parecem apontar para o facto de que uma das condições impostas por António Domingues para presidir ao banco do Estado era a dispensa da entrega de declaração de rendimentos e património dos novos gestores da Caixa. Não é contudo conhecida, para já, qualquer comunicação escrita das Finanças a dar essa garantia prévia expressa. Nem o contrário. O Ministério das Finanças sempre negou a existência de compromissos escritos no sentido de excecionar os gestores da Caixa da obrigação de entregar declarações.

O PSD e o CDS vieram a público acusar o ministério liderado por Mário Centeno de mentir e há vozes a exigir a demissão do ministro das Finanças que até agora mantém a confiança do primeiro-ministro, António Costa, e do Presidente da República. Para Marcelo Rebelo de Sousa, Mário Centeno só estará em causa se surgir entretanto algum documento assinado pelo ministro.