O ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, considera que o ritmo de redução do défice imposto pelo programa de resgate da troika era demasiado elevado, mas reparte as culpas entre a troika, que não tinha muito para emprestar, e o Governo de José Sócrates que quis minimizar o empréstimo ao máximo.

Era necessário reduzir o défice e fazer reformas estruturais, “sem dúvida”, mas o programa devia ter sido diferente, afirmou Olivier Blanchard, numa conversa com jornalistas em Lisboa, à margem da apresentação de um artigo sobre a economia portuguesa que escreveu com Pedro Portugal, economista do Banco de Portugal.

“O racional de que tinham de ter consolidação orçamental e reformas estruturais, penso que foi o correto naquele nível, sem dúvida. Foi a consolidação demasiado rápida? A resposta é sim, mas, e o mais aqui é muito importante, o ritmo de consolidação foi determinado pela quantidade de financiamento que obtiveram, porque não tinham acesso aos mercados”, disse.

No entanto, e sublinha a importância deste ‘mas’, o programa era o adequado para o envelope financeiro que foi determinado. Sem mais dinheiro, o programa não poderia ter sido diferente. Deveria sim, defende, era ter sido acordado um empréstimo maior a Portugal do que os 78 mil milhões de euros que ficaram acordados entre o Estado português e o FMI e a União Europeia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A responsabilidade aqui, diz, é repartida entre a troika, que não tinha mais fundos e vontade política depois de dois resgates – Grécia e Irlanda -, e do próprio governo português, na altura o liderado por José Sócrates, que não queria um empréstimo maior para que o programa fosse mais curto.

“[O ritmo de consolidação] foi inteiramente determinado pela dimensão do programa. Estariam melhores com um programa mais generoso? Sim, penso que teria sido melhor ter um programa que permitisse que a consolidação orçamental fosse feita mais lentamente, penso que se pagaria sozinho. Por que razão não aconteceu? Penso que, e eu não estava na sala, mas tenho ideia que a responsabilidade foi tanto da troika, que não podia gastar mais, e do governo português, que não via com bons olhos receber demasiado, pedir emprestado demasiado. Olhando para trás, tanto do lado da troika como do lado do governo havia o desejo de minimizar o efeito esperado da consolidação orçamental, que levou à escolha de multiplicadores orçamentais demasiado baixos”, disse.

Menos entusiasmo no crescimento, se faz favor

A economista está melhor do que esperava há um ano, o crescimento de 2,8% no primeiro trimestre é uma ótima notícia, mas… calma. O ex-economista-chefe do FMI elogia o caminho feito até aqui e diz que a retoma está de facto em curso, mas como, diz, da mesma forma que uma andorinha não faz a primavera, este crescimento não deve durar.

“Tenhamos cuidado. Não penso que vá durar. Mais uma vez, a previsão para o crescimento da produtividade ainda não é muito boa, ainda há muitas dimensões onde as coisas não estão ótimas, mas é claro que a situação está melhor do que alguém pensava há um ano. O porquê, não é inteiramente claro para mim”, disse Olivier Blanchard.

A preocupação do economista francês também está expressa no artigo publicado com Pedro Portugal que apresentou esta sexta-feira em Lisboa, especialmente no que diz respeito às exportações, que continuam a ganhar quota de mercado mesmo sem ajustarem o preço, apesar do ajustamento na competitividade e nos custos de trabalho que aconteceu internamente.

“O desempenho das exportações, que são uma boa parte desta história de sucesso, não são fáceis de entender”, disse o economista. Irão continuar? Não sabe. A dificuldade em perceber esta evolução, juntamente com o perigo das importações começarem a crescer mais rapidamente que as exportações quando a retoma da economia estiver mais sólida, deixam o economista mais cauteloso sobre as perspetivas económicas de Portugal.

Só falar em reestruturação da dívida já é uma péssima ideia

No artigo apresentado esta sexta-feira, o economista defende que a melhor solução para resolver a questão da elevada dívida pública portuguesa – atualmente perto dos 130% do PIB – se deve resolver promovendo o crescimento económico. Seria sempre um problema para resolver durante um longo período de tempo.

Questionado diretamente sobre a hipótese de uma reestruturação a pedido do Governo português, Olivier Blanchard diz que não só Portugal não precisa, como só falar no tema é uma péssima ideia para Portugal e pode ter consequências.

“O custo de tentar seria enorme e vocês perderiam toda a credibilidade, seriam vistos com a Grécia, e a última coisa que querem é passarem a ser vistos com a Grécia”, afirmou.

O francês diz que os credores acham que Portugal consegue gerir a sua dívida e que, por essa razão, nem sequer dariam hipótese a Portugal. Por isso, não só não traria resultados, como só falar no tema poderia provocar um aumento imediato nos juros exigidos à dívida portuguesa.

“Eu não iniciaria negociações ou sequer a ideia de haver haver negociações, porque assim que o fizerem, ou ainda antes de as negociações começarem, teriam mais 200 pontos base na vossa taxa de juro”, disse.

Em alguns casos, como o da Grécia, “falar com os credores é essencial, porque sem isso nunca conseguiriam”, mas no caso de Portugal, “na ausência de choques”, o economista acredita que a dívida portuguesa é passível de ser gerida.

Reduzir o IRS só aumentando outros impostos

Questionado sobre a hipótese de se aplicar uma redução no IRS no próximo orçamento, o economista defende que não há margem para isso. “Não, a menos que aumentem outros impostos”. Olivier Blanchard diz que as restrições das regras orçamentais não devem dar margem a Portugal para fazer esse esforço e que esta não parece a melhor razão para as violar.

“Reduzir o IRS não me parece um motivo suficientemente válido para violar as regras como elas são, teria de ser algo que, plausivelmente, aumentasse o crescimento”, diz, acrescentando que uma medida deste género aumentaria o crescimento no curto prazo, mas aumentaria a dívida pública e não teria um efeito duradouro no crescimento.

Falando das regras orçamentais europeias, Olivier Blanchard é claro: têm de ser mudadas. Apesar de terem sido alteradas em resposta à crise das dívidas soberanas para as tornar mais credíveis, o ex-economista-chefe do FMI defende que os responsáveis europeus fizeram asneira e que estas terão de ser novamente mudadas. “Tornaram-as uma confusão. Tornaram-nas uma completa confusão”, disse.