“Perguntava a uma empreendedora, uma única fundadora, que angariou sete milhões de investimento, como era ser uma mulher bonita na liderança de uma startup. Ela respondeu-me que nunca tinha agido como mulher: para o investidor, era um fundador, para o empregado, era o patrão”, disse Alice Zagury, investidora da Octopus Ventures num debate durante o primeiro dia do Lisbon Investment Summit, que juntou 1.600 participantes ente investidores, empreendedores e executivos, esta terça-feira, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa. No final das contas, “isto não é sobre quem eu sou biologicamente”, rematou.

À mesa, mulheres investidoras em capital de risco e empreendedoras, como Carolina Brochado, da Atomico, Laura Grimmelmann, da Accel Ventures, Alice Zagury, fundadora da The Family, Rebecca Hunt, da Octopus Ventures, com moderação de Alex Barrera, da Press 42, deram o testemunho de como é ser mulher num mundo que é ainda dominado por homens. “Pelo facto de verem uma investidora no conselho de administração, os empreendedores tomam consciência de que não há só homens brancos à volta da mesa e que há diversidade além do género, mas também da raça, da sexualidade, de backgrounds. E isso funciona como um lembrete”, afirmou Laura Grimmelmann.

Há 200 investidores e 450 startups internacionais a caminho de Lisboa

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Alice Zagury que há quatro anos fundou a The Family, uma sociedade privada de investimento, partilhou outro episódio.”Há uns meses, estava a voltar de Nova Iorque para Berlim, com um super jet lag, para reuniões com investidores. Estava com o meu cofundador e, durante uma hora, não falei. No final da reunião, achava que não iam investir porque a CEO simplesmente não tinha aberto a boca. O meu cofundador é que estava a falar. E eles investiram. Eles não quiseram saber se eu estava a falar, eles nem estavam à espera que eu falasse.”

Quando Alice lançou a sua empresa, não tinha nenhuma formação na área. Estava no meio artístico, até que começou a trabalhar com startups e descobriu este “novo mundo”. “Se tiveres de te adaptar, vais ter de ser melhor, mais forte, mais esperta”, começou a empreendedora, salientando que singrar no mundo do empreendedorismo é mais difícil para as mulheres.

Já para Rebecca Hunt, da Octopus Ventures, capital de risco que já investiu na portuguesa Uniplaces, a perceção de que a “barra é mais alta por se ser mulher está errada”. “Acho que é uma coisa que nós [mulheres] pensamos, e que não acontece realmente. A falar com uma empreendedora no outro dia, ela disse-me que quando está a recrutar e tem cinco ou seis especificações para esse lugar, se um homem tiver metade delas, ele vai candidatar-se”, exemplificou, admitindo que as mulheres são quem põem a própria barra muito alta.

O género é só mais uma forma de olhar para as pessoas”, admite Laura Grimmelmann, da Accel Ventures, que tem 40% de mulheres na equipa.

“Não faz mal ter a sexta-feira das cervejas se tivermos o karaoke na semana seguinte”

Mas o que é preciso fazer para que o género deixe de ser visto como algo que é capaz de definir a competência (ou a falta dela)?

“Há dias estava numa empresa de jogos, em que a equipa é mais ou menos 50-50, relativamente ao género. A palavra passe da rede de wifi era Dragon Ball. E perguntei aos geeks que tinham escolhido o nome se percebiam que isto era o tipo de coisas que transformava o local de trabalho num ambiente masculino. Isto são coisas inconscientes que estão lá e que nós não vemos”, partilhou Alex Barrera.

Em reposta, Laura Grimmelmann ripostou. “Eu não acho que as mulheres devam dizer que não devemos ter esse tipo de password. Eu acho que essa é exatamente a mensagem errada”.

De uma perspetiva feminina, acho que o que devemos fazer é não nos pormos na posição de vítimas ou achar que o mundo está contra nós. Não é daí que a mudança tem de vir. Se eu tivesse jogado esse jogo, não estaria sentada nesta cadeira agora”, continuou.

Para a investidora da Accel Ventures, que esteve no Porto na semana passada à procura de startups portuguesas para investir, é uma questão de tempo até termos role models (exemplos) femininos, tanto de investidoras como de empreendedoras, e que esta geração, em relação à anterior, está “numa posição privilegiada”, notou.

Elas ainda são poucas nas tecnologias – é preciso abrir caminho desde a infância

Carolina Brochado, da Atomico, que foi criada por Niklas Zennstrom, cofundador do Skype, fala-se de “cultura de empresa”. E não tem dúvidas: é preciso apelar à diversidade. “Acho que é uma coisa que os fundadores têm de pensar cuidadosamente. Como fazer a sexta-feira das cervejas [para fortalecer o espírito da empresa] . Será que isso é uma coisa em que toda a gente na empresa tem interesse?”, questionou.

Falar de diversidade, vai além do género. É pensar em relação às pessoas de outras nacionalidades, que vêm de diferentes contextos e que pensam de forma diferente, criando “uma dinâmica de equipa mais construtiva, notou Carolina Brochado.

Alice concorda. A palavra é “inclusão”. “Não é um problema nós termos uma cultura geek se, do outro lado, pudermos ter karaoke”, notou.

Atentando para o número de mulheres licenciadas e pós-graduadas, o cenário mudou ao longo dos últimos 20 anos, observou Rebecca Hunt. No entanto, alertou “no ambiente empresarial, e em conselhos de administração, não está a acontecer esse tipo de progressão”.

Acho que temos uma responsabilidade, como mulheres, de mostrar isso a outras mulheres. Temos muita sorte por estarmos numa posição em que podemos influenciar”, considerou a investidora da Octopus Ventures.

O Lisbon Investment Summit é um evento organizado pela Beta-i e junta investidores, executivos e startups europeias durante dois dias, em Lisboa, para reforçar a cidade como uma das capitais de referência do empreendedorismo da Europa. Esta terça e quarta-feira, o renovado Pavilhão Carlos Lopes recebe cerca de 200 investidores, mais de 100 oradores e 450 startups, de 35 países diferentes