A cerimónia militar comemorativa do Dia de Portugal, no Cais do Molhe, na Foz, no Porto, decorreu sob uma pontualidade britânica e sobre rodas (e não nos referimos aqui às viaturas militares). Marcelo Rebelo de Sousa chegou às 10h00 em ponto, começou a discursar à hora prevista (10h35) e usou ainda menos tempo do que o programado. No final das condecorações a três militares, às 10h48, tal como tinha sido previamente comunicado aos jornalistas, António Costa retirou-se para rumar a Lisboa, de onde voa para o Brasil, para dar continuidade às celebrações do 10 de junho, em São Paulo. E aí reencontrará Marcelo.
Sinal de corte na cooperação entre Presidente e primeiro-ministro? Nada disso. Marcelo Rebelo de Sousa a António Costa não podem viajar no mesmo avião, por questões de segurança, e foi esta a solução encontrada. Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, tomou o lugar de Costa à esquerda de Marcelo, que mais uma vez foi ele o rei da festa e da popularidade. Numa marginal mais ou menos sitiada – em que os curiosos procuravam acompanhar muito ao de longe a cerimónia, os ciclistas e adeptos do jogging viam a manhã mais ou menos estragada e alguns jovens pareciam ainda estar a terminar uma noite começada no vizinho NOS Primavera Sound –, sobravam junto dos convidados oficiais apenas alguns habitantes da zona, à varanda. E quem foi a única personalidade efusivamente aplaudida, depois de anunciada nos megafones? O Presidente da República, claro.
As cerimónias decorreram dentro do habitual formalismo e rigor, se bem que sem a pompa norte-americana ou a rigidez chinesa. Afinal, como notou no seu discurso Manuel Sobrinho Simões, médico e investigador e também presidente da comissão organizadora, há um ser português resultante da mistura de genes das mais variadas origens. E também não foi precisa a sua intervenção naquele que terá sido o único incidente protocolar: quando ainda Marcelo nem tinha chegado, um militar da Marinha perdeu os sentidos, mesmo em frente à tribuna e aos jornalistas. Foi assistido pela Cruz Vermelha e abandonou o Cais do Molhe pelo próprio pé. O sol batia forte sobre os militares enquanto as personalidades dos órgãos de soberania se sentavam nas tribunas VIP à sombra.
Ao todo, participaram na parada cerca de 1.460 militares, para além de cerca de 500 em funções de apoio. Coube-lhes romper com o silêncio que se fazia sentir na marginal da Foz, com o hino nacional cantado a plenos pulmões e o navio Figueira da Foz a disparar uma salva de 21 tiros. Quando o Presidente da República passou revista às tropas, num velho português UMM Alter azul, lá se ouviu a resposta das varandas – “Marcelo, Marcelo” –, mas a restante assistência estava muito distante para reagir. Os populares apenas se aproximaram quando os militares saíram da formação para iniciar a parada, Avenida Brasil abaixo.
E aí foi possível perceber que as palmas subiam de tom à medida que aumentava o aparato, com as forças do segundo bloco: Fuzileiros (ao som do grito “Fuzos: Prontos. Do Mar: para a Terra. Desembarcar: ao assalto”), Operações Especiais, Comandos, Paraquedistas e Força Aérea, incluindo um pelotão cinotécnico com 15 cães.
Desfilaram igualmente 84 viaturas (e algumas delas não deixaram de denunciar, pelo menos num olhar superficial, o passar dos anos) dos três ramos das Forças Armadas. Os aviões F-16, foram sobrevoando a Foz e a tribuna, onde Passos Coelho, líder do PSD, e Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, eram claramente os mais conversadores e animados. Mal terminou a parada, às 11h30, o público foi ultrapassando as barreiras, sem grande resistência da segurança, e aproximando-se das figuras de Estado.
Marcelo Rebelo de Sousa foi submerso por antigos combatentes e ex-militares que o queriam cumprimentar – e o Presidente da República também o queria fazer, mas tratou-se de uma tarefa complicada por entre jornalistas e muitas câmaras. “É sempre simpático”, comentava um diplomata, enquanto o mais alto magistrado da nação acenava à multidão antes de entrar no carro que o levaria ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro.
No rescaldo, as palavras foram mais ou menos redondas, porque o dia não é para polémicas. “Os dois discursos foram muito bons, como é timbre do 10 de junho. O Presidente da República fez um discurso sintético que foi ao ponto essencial, a unidade nacional”, notou Augusto Santos Silva. “Foi um discurso aglutinador daquilo que é ser português, da vocação ecuménica e universalista de Portugal e sobretudo de confiança nas nossas capacidades”, destacou Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD. Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, apenas fugiu ao tom para referir os emigrantes na Venezuela, os que “mais têm sofrido”: “Foi um discurso de unidade nacional, em que se lembrou que Portugal não é apenas constituído pelos portugueses do continente e regiões autónomas mas também pelos que estão espalhados pelo Mundo”. Para o ano há mais, num roteiro que, já sabemos, irá incluir os Estados Unidos da América.