O Sporting inaugura esta quarta-feira o seu novo pavilhão, naquele que passará a ser o maior recinto desportivo de clubes do país. E será batizado com o nome de João Rocha, aquele que foi também o maior presidente dos leões. A nível de anos no cargo, a nível de títulos e a nível de sentido visionário. Um sentido que nem mesmo a Revolução de Abril foi capaz de inverter; apenas mudou o rumo.
Recuemos a 1973, ano em que chegou à liderança do clube. O Sporting vivia o tempo em que os presidentes eram escolhidos pelo Conselho Leonino, órgão que herdara essa competência do Conselho Geral e do Conselho de Presidentes. A 29 de março, Orlando Valadão Chagas foi o escolhido pelos leões; no dia a seguir, foi o escolhido por Marcelo Caetano. E aceitou, renunciando ao cargo e assumindo a Secretaria de Estado da Juventude e Desportos. Manuel Nazareth, número 2, assumiu o comando. Mas não queria. E houve um vazio diretivo.
Em setembro, um empresário chamado João Rocha assumiu a presidência dos verde e brancos. E com um projeto visionário que prometia virar por completo a conceção de clube que existia até então: queria formar a SCP, Sociedade de Construções e Planeamento, imaginando um clube-empresa que tinha ações (no total de 2,5 milhões, a 100 escudos cada) e que, na década de 90, viria mesmo a acontecer mas com a denominação de Sporting – Futebol, SAD. No entanto, a ideia, que tinha sido aprovada pelo Secretário de Estado do Tesouro da altura, José Luís Sapateiro, acabaria por ficar na gaveta no seguimento do 25 de abril.
E por falar em 25 de abril, nada melhor para recordar o tipo de pessoa que era João Rocha. O Sporting tinha jogado no dia 24 na RDA na véspera, perdendo na meia-final da Taça das Taças frente ao Magdeburgo numa eliminatória que foi disputada taco a taco. No final do encontro, e com a equipa já na RFA para apanhar o voo de Berlim para Frankfurt, a comitiva teve conhecimento das notícias que diziam estar a haver uma revolução em Portugal. Todos pensaram no pior: mortes, feridos, tanques. Tudo menos cravos. E a viagem foi longa. As coisas acalmaram quando se percebeu que tudo tinha corrido de forma ordeira e pacífica. Estava tudo bem. Mas faltava saber como se voltaria a casa.
O presidente leonino moveu diligências e conseguiu arranjar um voo para Madrid, onde estaria à espera um autocarro que transportaria a equipa para a fronteira de Badajoz. Tudo certinho, até à fronteira – estava tudo fechado. Com todos os hotéis lotados, ainda se arranjaram algumas camas mas houve quem tivesse de dormir no autocarro enquanto João Rocha tentava desbloquear o problema. Demorou, mas lá conseguiu falar com membros do Movimento das Forças Armadas e, na manhã de dia 26, lá partiram para Lisboa com paragem no Alentejo para um almoço de bacalhau a culminar a aventura de loucos.
João Rocha, nascido em Setúbal, estava na casa dos 40 mas tinha já um percurso assinalável na sociedade ligado à Comundo, considerada na década de 70 como a maior ‘trade company’ nacional, após passagens por vários bancos e empresas. Inspirado nesses conceitos, abriu a Loja Verde e criou o primeiro departamento que se assemelhava ao que hoje designamos de área de comercial e marketing. Além disso, via na construção um início e não um fim, tendo ficado associado a várias obras de relevo para os leões como a construção da pista de tartan no antigo José Alvalade, a Bancada Nova, o pavilhão ou a Nave, entre outras. Mas foi na parte desportiva que mais se distinguiu, a todos os níveis.
Entre 1973 e 1986, ano em que saiu da presidência, o Sporting ganhou mais de 1.200 títulos nacionais e internacionais (se somássemos regionais e distrais, esse número iria disparar) e assumiu-se verdadeiramente como grande potência do desporto, com um total de 15.000 atletas – sobretudo da ginástica e da natação – a passarem por Alvalade todos os dias. Aumentou o número de modalidades, devolveu-lhes uma outra competitividade e mostrou-se uma pessoa próxima de todos: tão depressa via um jogo na bancada ou na tribuna como ia até ao banco abanar toalhas para combater o desgaste dos atletas.
No futebol, entre algumas escolhas polémicas, ganhou um total de sete títulos (três Campeonatos, três Taças de Portugal e uma Supertaça) com equipas que, provavelmente, valeriam mais do que esse número. Mas, por vezes, essa veia apaixonada pelo clube que passaria aos filhos – que criariam a primeira claque do país, a Juventude Leonina, em 1976 – também o atraiçoou em algumas decisões, sobretudo quando tinha de mexer na equipa técnica.
A contestação, ainda que tímida, pela falta de resultados no futebol acabou por levá-lo ao primeiro sufrágio com mais do que um candidato. Também aí, em junho de 1984, se viu que não era “um” presidente mas sim “o” presidente – perante as promessas do adversário Marcelino de Brito, entre um hotel e uma mão cheia de jogadores até ao cheque de 220 mil contos para resolver os problemas dos leões, João Rocha chegou-se à frente e disse que sairia da corrida se visse tudo isso ali, na mão. Que nunca viu. E após uma longa espera durante a madrugada para apuramento de todos os votos, ganhou com um total de 82,4%.
João Rocha era astuto, inteligente. Tinha aquele dom da palavra. E foi isso que lhe permitiu, por exemplo, aumentar em quase sete vezes o número de sócios verde e brancos, que passaram de 20 mil para 136 mil. Em paralelo, foram essas características que lhe permitiram também colocar o Sporting como o primeiro clube português a visitar Angola e China depois do 25 de Abril. E visitou Ronald Reagan na Casa Branca, em 1986, quando acompanhou o campeão olímpico Carlos Lopes no convite feito pelo então presidente dos Estados Unidos.
João Rocha faleceu em 2013, vítima de doença prolongada, mas o seu nome permaneceu vivo na memória dos sócios do Sporting. A partir de agora, estará também presente com o seu nome ligado à nova casa das modalidades do clube.