Chama-se Bica Studios, nasceu num T0 no quente agosto de 2013, em Lisboa. Deu nas vistas com o Smash It, o primeiro jogo da empresa que, por mês, ainda põe 50 mil pessoas a esmagar os maléficos Blarghinis para salvar o Mr. Bica, gato da bruxa Agnes. Mas o foco agora é outro. Este estúdio de jogos voltou-se para um mercado que se estima valer 60 mil milhões de dólares em 2021 e que chegará aos mil milhões de utilizadores: bem-vindos ao mundo da Realidade Aumentada.
Imagine um dispositivo capaz de reconhecer objetos e superfícies em qualquer espaço, de uma mesa a um ecrã de computador. Agora, adicione objetos digitais a esse espaço e interaja com eles. Basta pegar num smartphone ou tablet e apontar para onde quer que apareçam, como já fazemos com as orelhas de cão no Instagram e Snapchat, ou com os Pokémons que, há uns tempos, queríamos apanhar. É isto que a Bica Studios quer fazer com o PuzzlAR, o primeiro jogo em Realidade Aumentada, de mais de uma dezena que estão a ser pensados pelo estúdio. É uma experiência que põe os jogadores a construir monumentos de várias cidades, peça a peça, no mundo real. O jogo está disponível para Hololens (óculos de Realidade Aumentada da Microsoft) e será lançado, em setembro, para Google Tango e iOS 11 (iPhone 8).
Nuno Folhadela, 33 anos, líder da startup que tem chamado a atenção das gigantes tecnológicas como a Microsoft, Google e Apple (que estão a construir dispositivos que suportam tecnologia de Realidade Aumentada) conta ao Observador que estes são só os primeiros passos na revolução tecnológica que a Bica Studios quer liderar.
O puzzle digital que é uma volta ao mundo
Como é que tudo isto começou? No tal T0, no verão de 2013, quando Nuno e Miguel Tomás deixaram de fazer jogos para os outros para passarem a criar os seus próprios jogos. Acabaram por entrar na Startup Lisboa e lançaram o Smash It Adventures, que chamou a atenção de investidores, nomeadamente da Portugal Ventures. Lançaram depois a sequela, o Smash Time, e foi aí que perceberam que o mercado estava “mega, mega competitivo” e que estava a ser “muito difícil competir com os grandes”, conta Nuno. Em 2015, ainda antes da explosão do Pokémon Go, decidiram mudar a estratégia e apostar numa nova tecnologia para “revolucionar” uma nova área.
Hoje, numa sala do Labs Lisboa, com máquinas de jogos e maquetas dos projetos nas paredes, o sonho destes sete jovens continua a ser fazer jogos. E tiveram a “ideia maluca” de fazer isso em Portugal. É a partir daqui que querem “mudar por completo a forma como jogamos e interagimos uns com os outros, seja ao lado de um amigo ou com pessoas de qualquer parte do mundo”, diz Nuno. Como? Produzindo conteúdo para uma tecnologia que vai caber num bolso já em setembro, com o lançamento no iPhone 8, que vai ser capaz de suportar apps de Realidade Aumentada.
Nuno, que estudou Cinema e é um confesso “geekazoid” pela Marvel, encontrou nos jogos aquilo que mais gosta de fazer: contar estórias. Desta vez, quis criar uma viagem pelo mundo, guiada por monumentos icónicos de várias cidades. Começa nos Estados Unidos e, peça a peça, começa a erguer-se a Estátua da Liberdade. Salta depois para o Taj Mahal, na Índia, e para a catedral de São Basílio, na Rússia. A próxima paragem é em Portugal, na Torre de Belém.
Da mesma forma que a evolução tem de ser tecnologicamente natural, queremos que a nível de conteúdo também o seja. Estamos a adotar coisas que são conhecidas a nível mundial, como os puzzles ou jogos de tabuleiro”, explica Nuno.
A estratégia, diz Nuno, começa no mobile e tem a regra dos 3 E’s: Educate (educar), Engage (viciar), Entertain (entreter). Por isso, para jogar o PuzzlAR será preciso um smartphone com a tecnologia Tango (Google), Hololens (Microsoft) ou ARKit (Apple), que, para já, não estão acessíveis a qualquer bolso.
Um dos protótipos que a Bica Studios está a desenvolver promete mudar a experiência num museu. Vai ser possível ter, por exemplo, uma caravela à frente, à escala real, e andar à volta dela. Isto porque a base do Hololens é a imagem tridimensional e a 360º.
A tecnologia, que cria uma camada digital sobre o mundo real, permite reconhecer e guardar o espaço em que se está. Ao ponto de cada elemento da família, cada um com os seus óculos, poder ter a casa decorada de uma maneira completamente diferente. Só são precisas paredes brancas. Ao mesmo tempo, permite experiências mais “sociais” do que, por exemplo, com os óculos de Realidade Virtual que são muito mais imersivos.
Tudo o que absorvemos em termos de informação é um retângulo. Isso vai desaparecer, vai ficar tudo 360º. Webdesigners, designers gráficos, vão ter de aprender tudo de novo”, nota o líder da Bica Studios.
Ser a próxima Nintendo ou Supercell
Juntar os dois mundos (o real e o virtual) é, cada vez menos coisa de ficção científica. Por isso, avisa Nuno Folhadela, os céticos que se preparem: “Não vão ter outro remédio”.
O trabalho passa agora por convencer de que isto dá para brincar, mas não é uma brincadeira. O fundador do estúdio de jogos acredita que sempre que há uma nova plataforma tecnológica, aparecem os novos gigantes. Foi assim com a Zynga, que fez o Farmville, ou com a Rovio e o Angry Birds.
“Neste momento não há ninguém com quem fale que não esteja interessado”. Porquê? “Google, Apple, Microsoft, ODG, Meta Games, há imensas empresas a fazer hardware de Realidade Aumentada, mas quantas é que estão a fazer conteúdo? Uma, que somos nós. Estamos numa posição interessante e é esse o gozo, é perceber o que está a acontecer”, admite.
E é a partir de Portugal que Nuno Folhadela quer tornar a Bica Studios na próxima Nintendo ou Supercell, apesar de faltarem investidores no país que se tenham especializado na indústria dos videojogos. “Somos a única empresa com investimento em Portugal nos últimos dez anos, com a Portugal Ventures”, diz o líder da Bica Studios.
Ainda assim, o país tem hoje uma indústria de videojogos feita de talento português, que já não é “embrionária”, sublinha. É uma indústria, com gente experiente e com procura externa — e não apenas meia dúzia de geeks, como no passado -, de que é exemplo a MiniClip, um estúdio que tem 140 pessoas, e que está por detrás do jogo “8 Ball Pool”.
Portugal é um desafio, mas estamos convictos de que podemos fazer isto em qualquer lado. Por norma, as indústrias devem ser formadas nos seus próprios ecossistemas. Nós tivemos a ideia maluca de fazer isso em Portugal”, diz.
A Bica Studios está, neste momento, a levantar uma nova ronda de capital, no valor de um milhão de euros, que quer fechar até setembro. “Num ano éramos assim um bocadinho maluquinhos, mas agora estamos a ficar num fase apetitosa [para os investidores]”, admite.
Com essa ronda, diz Nuno Folhadela, um dos objetivos é ter um escritório de comerciais nos Estados Unidos para que a equipa fique mais próxima do que se está a fazer lá fora e de possíveis parceiros, aproveitando para dar nas vistas das grandes empresas da indústria. E com um olho no exit (quando uma empresa é comprada).
Alguns desafios já sabemos como ultrapassar. Elas [outras empresas de jogos] ainda vão ter de passar por isso ou falar connosco. Ou então comprar uma empresa que saiba fazer isso. A estratégia passa por aí”, conclui.