Katinka Hosszu tinha apenas 15 anos quando participou pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. Valeu pela experiência, sobretudo: terminou as qualificações dos 200 metros livres no 31.º lugar com 2.04,22, a quase três segundos da última apurada para as meias-finais. E foi nessa prova que apareceu um grande nome para a modalidade: Federica Pellegrini, que ganhou a medalha de prata com 16 anos, apenas atrás da romena Camelia Potec, batendo nomes como a alemã Franziska van Almsick ou a americana Dana Vollmer.

Regressou em 2008, nos Jogos de Pequim, com 19 anos e a apostar nos estilos: nos 200 metros, onde Stephanie Rice bateu o recorde mundial, ficou a uma posição das meias-finais; nos 400, onde a australiana superou também a melhor marca de sempre, falhou uma posição nas oito primeiras que se qualificavam para a final, terminando no 12.º posto, a um segundo da última apurada para a prova decisiva.

Voltou em 2012, em Londres, e tinha de ser ali – à terceira, com 23 anos, era de vez. No entanto, acabaria por ser a grande desilusão dos Jogos, acabando a final dos 400 metros estilos na quarta posição, atrás de Ye Shwen (que bateu o recorde do mundo), Elizabeth Beisel e Li Xuanxu. E ainda iria terminar a corrida decisiva dos 200 metros estilos no oitavo e último posto, a mais de cinco segundos do pódio, e os 200 metros mariposa na nona posição, a 32 centésimos da final.

A natação parecia ter desistido dela. Mas ela não desistiu da natação. E é aqui que começa a verdadeira história da húngara, a mais versátil e competitiva nadadora da atualidade.

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Na ressaca da maior derrota que sofrera em termos competitivos, Katinka mudou radicalmente a forma como olhava para a natação. E começou desde logo com uma decisão que, para os especialistas, era o início do fim: acabou a licenciatura em psicologia, terminou a ligação com o técnico Dave Salo, mentor de nomes como Aaron Peirsol, Jessica Hardy ou Rebecca Soni, na Universidade da Carolina do Sul, e passou a trabalhar com o namorado Shane Tusup, que também tinha sido nadador.

Ia ser uma mistura explosiva, entre uma nadadora frustrada por não conseguir dar o salto definitivo para a elite da natação (tinha ganho até aí um ouro e dois bronzes em Mundiais e três ouros e uma prata em Europeus de Piscina Longa) e um ex-nadador com mau feitio e sem qualquer experiência como treinador. No entanto, mantém-se como uma das maiores relações de cumplicidade da atualidade no desporto, dentro e fora das piscinas.

Ainda nesse ano de 2012, Hosszu conseguiu cinco ouros em dois dias na Taça do Mundo, altura em que ganhou pela imprensa do seu país a alcunha de Dama de Ferro. E ainda foi aos Mundiais de Piscina Curta sacar mais cinco medalhas: duas de ouro (200 metros mariposa e 100 metros estilos), duas de prata (200 metros livres e 200 metros estilos) e uma de bronze (400 metros estilos). A opção de começar a apostar nas provas como ferramenta de treino funcionou. Assim começava uma era.

Em 2013, a húngara teve um ano de afirmação. Nos Mundiais de Barcelona, deu uma demonstração de superioridade nos 200 e nos 400 metros estilos, batendo Alicia Coutts, Mireia Belmonte e Elizabeth Beisel no Palau Sant Jordi, ao rubro a puxar pela espanhola, e ainda venceu o bronze nos 200 metros mariposa. Mais tarde, nos Europeus de Piscina Curta de Herning, ganhou mais um ouro, duas pratas e um bronze. Pelo meio, em etapas do Mundo, conquistou 24 medalhas de ouro, quebrando seis recordes mundiais.

Katinka seguiu as indicações de Tusup e, fora de água, apostou no trabalho físico, com muito ginásio. Com isso, ganhou a explosão e a potência para ganhar provas na ponta final e, em paralelo, a resistência para fazer mais especialidades no mesmo evento, como se viu com as experiências bem sucedidas nadando costas. Entre 2014 e 2016, Taças do Mundo à parte, ganhou um currículo verdadeiramente impressionante: três medalhas em Mundiais de Piscina Longa (em 2015, duas de ouro); 11 medalhas em Europeus de Piscina Longa (em 2014 e 2016, sete de ouro); oito medalhas em Mundiais de Piscina Curta (em 2014, quatro de ouro); sete medalhas em Europeus de Piscina Curta (em 2015, seis de ouro). Três, 11, oito e sete. 29 medalhas. Sem Taças do Mundo e Nacionais. Tudo apenas em dois anos e meio.

Mas havia qualquer coisa para provar. Hosszu estava sobretudo focada na quarta participação nos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro. Queria mostrar ali, no maior palco, que ninguém devia ter desistido dela.

A húngara foi simplesmente arrasadora. Nos 400 metros estilos, estabeleceu um novo recorde mundial com 4.26,36, superando Maya DiRado e Mireia Belmonte; nos 100 metros costas bateu o recorde nacional com 58,45, vencendo Kathleen Baker, Kylie Masse e Fu Yuanhui; e nos 200 metros estilos, melhorou o recorde olímpico com 2.06,58, batendo Siobhan-Marie O’Connor e Maya Di Rado (com uma curiosidade: Coutts e Shiwen nem foram ao pódio). Na última prova realizada, já fatigada de eliminatórias e finais, ganhou ainda a prata nos 200 metros costas atrás de DiRado.

Mas queria mais. Queria muito mais. E em dezembro, quando os nadadores ainda estão naquela fase pós-Jogos de descompressão, após meses e meses a fio de preparação rigorosa com inúmeras privações, foi a Windsor ganhar nove medalhas nos Mundiais de Piscina Curta, entre as 11 finais conseguidas. 100 e 200 metros costas, 100 e 200 metros mariposa e 100, 200 e 400 metros estilos, tudo dela. Verdadeiramente assombroso. E ainda foi sacar mais duas pratas aos 200 metros livres e aos 50 metros costas. Emily Seebohm, Kelsi Worrell, Alia Atkinson, Ella Eastin e Madisyn Cox foram algumas das adversárias que foi superando.

Em 2016, só em 2016, um ano muito especial na carreira de qualquer nadador por ser ano olímpico, Katinka Hosszu fez um total de 517 provas e ganhou 193 medalhas. Não desistiu e conseguiu.

Mais do que uma nadadora de elite, Katinka Hosszu tornou-se uma imagem de marca. As t-shirts, os chapéus e até a banda desenhada da Dama de Ferro começaram a estar presentes em todas as piscinas. Ganhou uma legião de fãs, como se viu nos recentes Mundiais de Piscina Longa, em Budapeste. Mas também nunca escondeu que a natação era a sua profissão, e tornou-se a primeira a ganhar um milhão de euros num só ano em prémios, grande parte vindos das Taças do Mundo, onde participava numa média de dez provas por evento. Algo que a Federação Internacional de Natação quis passar a limitar a quatro por etapa.

Inconformada com uma decisão “tomada pelos dirigentes sem consultar a peça principal, que são os nadadores”, a húngara avançou com a criação da Global Association of Professional Swimmers, contando com um total de 30 atletas de topo como a “rival” Sarah Sjöström (que bateu recordes mundiais nas duas primeiras provas da Taça do Mundo), Cameron van der Burgh, Kosuke Hagino ou Bronte Campbell, entre outros.

“Estou a tentar fazer muito mais pela natação do que faço dentro da piscina. É muito importante colocarmos a mesma força dentro e fora da piscina, porque tenho falado com muitos nadadores e não fazia ideia de que, pelo mundo fora, falamos todos a mesma língua. Não devemos olhar apenas com olhos de ver para a natação nos Jogos Olímpicos”, defendeu a nadadora antes dos últimos Mundiais de Piscina Longa, onde ganhou o ouro nos 200 e nos 400 metros estilos, a prata nos 200 metros costas e o bronze nos 200 metros mariposa.

“Só querem satisfazer os interesses comerciais. Estas regras são prejudiciais, não têm lógica e temos de defender-nos. Vejam o que aconteceu quando houve o boicote em Wimbledon em 1973, por exemplo. Temos de defender-nos, não podemos deixar que decidam por nós quando e onde competimos”, completou, já depois de ter deixado na sua conta oficial do Twitter uma carta aberta à natação.

A húngara tenta lutar pela liberdade dos nadadores fora das piscinas, mas dentro de água mantém a sua ditadura de vitórias e, depois de quatro medalhas na Taça do Mundo de Moscovo (três de ouro e uma de prata), ganhou quatro ouros em Berlim, batendo o recorde mundial dos 100 metros estilos (56,51) à frente de Sarah Sjöström e Alia Atkinson.

No ano passado, entre agosto e outubro, Hosszu participou em 112 provas entre as nove Taças do Mundo, ganhando 73 vezes. Agora, tem de ficar-se pelas quatro provas em cada evento. E está contra isso.

Em 2012, o mundo da natação parecia ter desistido da Dama de Ferro; cinco anos depois, ela continua a não desistir da natação. Dentro e fora de água. E esta terça-feira já ia a caminho de Eindhoven para mais uma Taça do Mundo.