Tratando-se de Carlos Gil, o termo sportswear ganha contornos muito especiais. Não é à toa que o criador usa a expressão athleisure, própria das peças de vestuário concebidas para a prática de exercício física, mas que fazem um brilharete quando usadas noutros contextos. Ainda assim, é preciso usar aspas. O certo é que Carlos Gil entrou a matar no desfile desta sexta-feira, no Museo Nazionale Della Scienza e Tecnologia Leonardo da Vinci, em Milão. Quer dizer, não entrou o próprio, mas entraram 15 modelos, qual esquadrão implacável numa primeira volta à passerelle. A plateia acordou, até porque isto do clímax ser logo nos primeiros segundos não acontece em todos os desfiles.

A mistura da materiais, os padrões geométricos e os elementos naturais na coleção de Carlos Gil © Ugo Camera

A opção não deixa de ser audaciosa. Durante a grande entrada, ficaram apenas duas modelos nos bastidores, ao mesmo tempo que o criador pôs todas as cartas em cima da mesa. E não falamos apenas de um casting invejável. O tropicalismo pisou a passerelle bem mais leve do que o texto de apresentação da coleção levava a crer, enquanto o tal lado sporty (ou, simplesmente, sport, como lhe chama o designer) chegou cheio de subtilezas. Há três anos, o criador fez as modelos desfilarem de raquetes na mão, naquele que admite ter sido um momento de viragem para marca. O que se vê agora são os ecos dessa coleção, o Carlos Gil que hoje conhecemos e que dá cartas no mercado internacional.

A mulher Carlos Gil tem um toque desportivo, mas é sempre uma mulher sofisticada. Ela procura o sport pelo conforto que a peça lhe dá. O importante é ter conseguido chegar a esse ponto, em que o corte das peças, um corte de alfaiataria, se torna um corte sport. Não é fácil. Consegue-se com muito esforço de modelagem e costura.

Rigor geométrico e formas orgânicas, eis o contraste onde assenta o mais recente trabalho de Carlos Gil para o próximo Verão. Os padrões e estampados são a face mais visível. As formas hexagonais atravessam a coleção em várias escalas, enquanto a figura da costela-de-adão surge como selo em peças chave. Nos materiais, o designer tirou partido das misturas. Sedas, sarjas, redes e lantejoulas sucedem-se, por vezes numa única peça, naquele registo, já habitual, da festa de cruzeiro que nunca acaba. Nas silhuetas, também coabitam duas espécies: os vestidos e calças esvoaçantes, cheios de movimento, e os ombros e lapelas estruturados. Nas cores, uma coleção de opostos. Se o desfile começou com amarelo, magenta, violeta e verde esmeralda, o camel apareceu pelo meio a fazer a transição para o preto e o branco.

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Na busca de inspiração, o criador não teve de ir longe. “Estou em Milão, onde em 2014 foi construído Bosco Verticale. Mas também estive em Singapura, onde a arquitetura contemporânea está muito aliada à natureza. Em grandes torres, há piscinas, campos de golfe e jardins enormes com árvores”, explica Carlos Gil ao Observador.

Carlos Gil, no final do desfile, em Milão © Ugo Camera

Ao contrário das restantes marcas e designers que o Portugal Fashion traz à semana da moda, Carlos Gil tem um showroom em Milão durante todo o ano. Na capital da moda italiana, a marca lida sobretudo com os mercados asiático e do Médio Oriente, pontos de internacionalização prioritários. Esforços que também surtem efeito junto da imprensa internacional. Carlos recorda o dia em que tropeçou numa imagem de uma coleção sua quando folheava um catálogo de tendências da Next Book. “Até pensei que me tinham copiado. Nunca pensei poder estar ao lado da Gucci ou da Prada, fiquei estupefacto”, confessa.

Carlos Gil desfilou em Milão com o apoio do Portugal Fashion pela quinta estação consecutiva. No dia 14 de outubro, volta a apresentar a coleção primavera-verão 2018, desta vez em Lisboa. Mais perto de casa, embora seja no dress code italiano que esta roupa assenta na perfeição.

O Observador viajou para Milão a convite do Portugal Fashion.