Desde que chegou ao AS Mónaco vindo do Sporting, em 2014, Leonardo Jardim já teve de contornar inúmeros obstáculos. E foi conseguindo, sem nunca se queixar das partidas que o caminho lhe ia pregando. O melhor exemplo tem a ver com o capítulo das contratações: até chegar ao Principado, os monegascos compravam que nem reis; no Verão em que iniciou esta aventura, começou a ver o clube a apertar o cinto. Deu a volta de duas formas: recuperando os valores seguros que andavam perdidos (Falcao) e lançando os novos valores por quem todos se perdem (Mbappé, Martial, Mendy, Bernardo Silva, Bakayoko ou Kondogbia). Até se sagrou campeão diante de um poderoso PSG. Mas agora, de forma indireta, pode ter um outro problema à vista a breve prazo.

Desde 2011, altura em que o AS Mónaco estava exilado na 2.ª Divisão, que o clube tem dois “donos”: um maioritário, Dmitry Rybolovlev (apesar de, no papel, os 66,67% de ações compradas pertencerem a um fundo em nome da filha, Ekaterina), outro minoritário, a casa Grimaldi, hoje liderada pelo príncipe Alberto. Sempre tiveram uma boa relação, surgindo juntos em diversos eventos e comemorando lado a lado o sucesso da última temporada. Até que o verniz estalou. “Sur un rocher tremblant”, coloca esta terça-feira em manchete L’Équipe a propósito do caso do momento.

As razões não têm qualquer ligação à vertente desportiva: há duas semanas, após uma notícia do Le Monde sobre alegadas suspeitas de tráfico de influência entre ‘Rybo’, como também é conhecido o russo, e Philippe Narmino, o responsável pelos serviços judiciais do Mónaco demitiu-se. Mas, como conta o ABC, terá sido o príncipe Alberto a forçar essa mesma saída, num caso que poderá envolver ainda mais pessoas e instituições.

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O epicentro da questão data de 2015, quando o magnata russo, presença constante nas listagens da Forbes com os homens mais ricos do mundo (170.º lugar na última revisão), fez uma denúncia por fraude e até lavagem de dinheiro de Yves Bouvier, um comerciante de arte suíço que o teria feito perder milhões de euros após vender quadros com preços inflacionados. Segundo o Le Monde, Rybolovlev teria subornado Narmino para ganhar essa batalha em tribunal: uma semana antes de vencer o caso, o russo terá pago um fim-de-semana de luxo ao antigo responsável e à mulher na sua casa na estância de esqui, em Gstaad, na Suíça. Foram também divulgadas algumas mensagens entre a advogada de Rybo, Tetiana Bersheda, e membros da polícia judicial do Principado.

Na sequência daquele que começou a ser apelidado por ‘Monacogate’, a que se juntou ainda uma reportagem da Paris Match que revelava outras razões para a guerra entre o russo e Bouvier (uma zona franca no porto de Singapura), o príncipe Alberto demarcou-se de tudo e decidiu abrir um inquérito para apurar tudo o que se terá passado, levando às notícias que dão conta de uma espécie de guerra fria entre os donos do AS Mónaco.

Mas quem é Dmitry Rybolovlev? Aos 50 anos, este empresário russo nascido em Perm que se formou em cardiologia (os pais também eram médicos) fez fortuna após criar um fundo de investimento e comprar ações de indústrias, passando a liderar a Ukralkali, uma das maiores empresas de produção de fertilizantes do mundo, em 1995. Foi nesse ano que se mudou para a Suíça e alargou os seus interesses à arte. Não fez a coisa por menos, entre Picassos, Monets e Van Goghs. E chegou a estar detido onze meses numa das piores prisões da Rússia, antes de ser ilibado de ter matado o antigo sócio. Agora, é mais reconhecido pelas milionárias transações no ramo imobiliário.

Protagonista daquele que foi considerado “o divórcio mais caro do mundo”, tendo sido obrigado a dar cerca de metade da sua fortuna a ex-mulher após sete anos de constantes batalhas jurídicas, Rybolovlev, um amante de futebol e de surf, ficou também conhecido por ter comprado, através de fundos em nome da filha Ekaterina, inúmeras propriedades, entre as quais a Casa da Amizade, na Flórida, que pertencia ao agora presidente americano Donald Trump, um apartamento com mais de 600 metros quadrados no Central Park, em Nova Iorque, uma mansão que era do ator Will Smith no Havai e duas ilhas gregas de Athina Onassis, entre outras.

Vadim Vasilyev, o vice que escolheu Jardim, entre Rybolovlev e o treinador português num treino (mais à direita, Makelele)

Curiosamente, e em relação ao AS Mónaco, Dmitry Rybolovlev assumiu após a conquista do Campeonato, no ano passado, que a escolha de Leonardo Jardim para o comando técnico da equipa… não foi sua. “Lembro-me do primeiro encontro e não fiquei seduzido. Conheci Leonardo Jardim num almoço em Lisboa no dia da final da Champions, quando a escolha já estava feita pelo Vadim Vasilyev [n.d.r. vice-presidente do clube] e tenho confiança nele. Jardim não comunicou muito, praticamente não conversámos”, assumiu entre rasgados elogios ao treinador português que, apesar da forte cobiça, acabou por permanecer nos monegascos.