As repercussões do caso Harvey Weinstein continuam a fazer-se sentir, com o número de denúncias a crescer a cada dia que passa. Um dos nomes mais sonantes que agora surge associado a casos de assédio sexual é o do comediante Louis C.K. Num artigo publicado no The New York Times (NYT), duas comediantes denunciam um comportamento que, aparentemente, parece ser recorrente, dado que outras vítimas já vieram a público comprová-lo, citando episódios semelhantes: a masturbação à frente de mulheres que trabalham com ele.

Em 2002, as comediantes Dana Min Goodman e Julia Wolov atuavam pela primeira vez no U.S. Comedy Arts Festival, em Aspen, no Colorado. Depois da performance, numa altura em que todos os bares já estavam fechados, a dupla aceitou o convite do comediante de ir até ao quarto dele beber um copo. Assim que se instalaram, Louis terá perguntado se podia tirar o pénis para fora. Goodman e Wolov, riram, pensado que C.K. estava a brincar, mas o norte-americano não estava. “Ele despiu-se todo, ficou completamente nú, e começou a masturbar-se”, disse Goodman ao NYT.

Durante esse momento surreal, as comediantes agarraram-se uma à outra, gritando e rindo de nervosismo enquanto C.K. se masturbava, sentado numa cadeira. “Estávamos paralisadas”, conta Dana Goodman. Depois de ter ejaculado sobre a barriga, fugiram, enquanto o norte-americano dizia: “Qual de vocês é a Dana e qual é a Julia?”

Pouco depois deste episódio, as duas mulheres cruzaram-se com Charna Halpern, proprietária de vários clubes de comédia em Los Angeles e Chicago, e contaram-lhe o sucedido. “Não sabia o que fazer, não sabia o que lhes dizer”, relata Halpern. A dupla decidiu não ir à polícia por não ter a certeza de que o que se tinha passado era crime. Mesmo assim, sentiam que tinham de fazer qualquer coisa “porque uma coisa maluca” lhes tinha acontecido.

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Começaram a explicar a colegas e outras pessoas do meio o que se tinha sucedido, mas ficaram surpreendidas pela reação que tiveram. “Vários homens começaram a afastar-se de nós”, diz Wolov. Poucas horas depois do episódio já sentiam “as repercussões”.

Rumores deste tipo de comportamento têm sido recorrentes há mais de uma década, contudo, até hoje, ninguém tinha vindo a público acusar C.K. O NYT explica no mesmo artigo que tentaram contactar o comediante, propondo até uma entrevista sobre estas recentes alegações, mas o mesmo, através de um representante, recusou. A estreia de “I Love You, Daddy”, novo filme do norte-americano, foi subitamente cancelada, assim como a presença no talkshow The Late Show With Steven Colbert.

Um episódio não isolado

Uma das características que muitas fãs costumavam associar a Louis C.K. era a de que o comediante era sensível às reivindicações das mulheres, sendo até considerado feminista. Contudo, a forma como agiu quando Goodman e Wolov começaram a falar sobre o sucedido, ainda antes de o caso ser tornado público, deita por terra essa imagem. Segundo as mesmas, nessa altura — pouco depois do episódio no quarto de hotel –, o agente de C.K. terá ficado incomodado quando soube que a dupla andava a falar sobre o assunto. Por medo que a sua carreira fosse sofrer represálias, optaram por não dizer nada, até agora. Dave Becky, o tal agente, terá informado o NYT por e-mail que “nunca ameaçou ninguém”.

O medo de consequências pessoais é uma constante nos cinco casos (todos envolvendo a masturbação). Rebecca Corry, uma comediante que em 2005 trabalhava numa série que tinha Louis como convidado especial, é outra das mulheres que agora se chega à frente.

Rebecca Corry. Foto retirada do Twitter (www.twitter.com/TheRebeccaCorry)

Segundo a história que relata ao NYT, num dia de filmagens Louis aproximou-se dela. “Ele inclinou-se e disse: ‘Posso perguntar uma coisa?’ Eu disse ‘Sim’. Ele perguntou se podíamos ir para o meu camarim para que ele pudesse masturbar-se à minha frente”, explica. Corry terá ficado espantada e prontamente recusou, realçando, zangada, que o comediante tinha uma filha e uma mulher grávida. “A sua cara ficou vermelha e disse-me que tinha problemas”, conta. Com medo de que o programa onde estava a trabalhar (que tinha Courtney Cox e David Arquette como produtores) fosse cancelado, Rebecca não disse nada.

Abby Schachner (uma escritora, ilustradora e artista norte-americana) é outra das vítimas do comportamento de Louis. De acordo com a própria, um dia, enquanto falava com ele ao telefone (queria convidá-lo para participar num projeto seu), o comediante terá começado a contar-lhe as suas fantasias sexuais numa voz melosa e com respiração ofegante. Percebeu que ele se estava a masturbar, do outro lado da linha, mas não sabia o que fazer. É firme a dizer que “não encorajou”, mas não sabia como parar — “Queres acreditar que aquilo não está a acontecer”, disse.

Há também o relato de uma mulher que preferiu manter o anonimato. Algures nos anos 90, nos bastidores do programa “The Chris Rock Show”, a acusadora terá sido abordada várias vezes por Louis, que lhe pedia sempre para se masturbar à frente dela. A rapariga, que na altura tinha pouco mais de 20 anos, foi acedendo, porém, afirma sempre ter-se sentido desconfortável ao fazê-lo. “Era algo que sabia estar errado”, diz, antes de descrever a forma como estes episódios decorriam — Louis masturbava-se sentado na cadeira da sua secretária. “Acho que a razão pela qual dizia que sim tinha a ver com a cultura que já estava instaurada”, relata. “Ele abusava do seu poder.”

A brincar, a brincar, dizem-se muitas verdades

Piadas sobre a masturbação são uma constante nas atuações de Louis C.K.. Numa delas em específico, por exemplo, o norte-americano queixa-se de não conseguir encontrar um sítio recatado em casa onde se possa satisfazer. “Faço-o nas ruas, por causa disso, não tenho mais lado nenhum para ir.” Afirma também que é prisioneiro das suas próprias perversões, dizendo que os seus “constantes pensamentos pervertidos” transformam-no “num otário”.

Tig Notaro, comediante que se insurge contra Louis C.K.

A comediante Tig Notaro, que também foi consultada pelos jornalistas que assinam o artigo do NYT, diz que a participação de Louis num projeto seu ajudou-a a subir na carreira, mas agora sente-se “presa” por isso. “Ele sabia que ajudar-me ia passar a imagem de que ele era um tipo porreiro, porque apoiava uma mulher”, diz Notaro. “Com muita pena minha, apercebi-me de que as vítimas do Louis C.K. não só são reais, mas muitas delas são minhas amigas”.

Numa entrevista dada ao The Times em setembro, no âmbito do Toronto Film Festival, Louis desvalorizou os rumores da sua má conduta sexual.

Seis anos depois da chamada telefónica perturbadora que Abby Schachner teve com o comediante, ele voltou a abordá-la, pelo Facebook, para lhe pedir desculpa pelo sucedido. “Da última vez que falamos, a nossa conversa acabou de forma sórdida”, escreveu C.K. “Estava numa fase má da minha vida e peço desculpa”, referiu também.

Abby terá aceitado o pedido de desculpa e disse que o perdoava, mas as marcas do episódio nunca a abandonaram. Fizeram, inclusive, com que desistisse de uma carreira na comédia.

Rebecca Corry também confirma que recebeu um pedido de desculpas através de um e-mail onde o humorista afirmava que lhe “devia um pedido de desculpas muito, muito, muito atrasado”. Mais tarde ligou-lhe e disse que se sentia mal por a ter empurrado para dentro de uma casa de banho. Confusa, Rebecca disse não foi isso que tinha acontecido, e relembrou-o do incidente em que ele lhe pediu para se masturbar à frente dela. De voz trémula, Louis disse que sim, acrescentando que costumava “ler mal as pessoas” nessa altura.

Dana Goodman e Julia Wolov afirmam que dado o impacto que revelações deste género estavam a ter no mundo do entretenimento, elas não podiam continuar caladas.”Sentimo-nos impelidas a falar”, explica Julia.