Mais de 200 entrevistas, registos internos de empresas e emails até aqui privados foram o material que permitiu ao New York Times fazer uma investigação de fundo à forma como Harvey Wenstein, o produtor de cinema caído em desgraça, tudo fez para esconder as acusações de abuso sexual que agora pendem sobre si.
A informação recolhida pelo jornal engloba relatos das relações do produtor com os seus subordinados (que o ajudavam levando até si atrizes, para quartos de hotel), com o poder político (de que Weinstein se gabava para intimidar quem ameaçava denunciá-lo) e com os media (que Weinstein utilizava para abafar suspeitas sobre o seu comportamento).
O jornal revela ainda que antes de publicar o primeiro artigo que expôs as acusações de abuso sexual e que iniciou uma torrente de outras acusações, o próprio Weinstein telefonou aos jornalistas responsáveis pelo artigo. “Alternando entre a lisonja e as ameaças, disse que tinha sempre maneira de saber quem colaborou com a investigação e que tinha forma de a esmagar. ‘Sou um homem com grandes recursos”, avisou“, escreve o diário norte-americano.
Os subordinados
A maior parte dos funcionários que trabalhou com Weinstein tinha receio de denunciar o comportamento do chefe e chegou mesmo a ser cúmplice dos abusos. De acordo com o relato de uma trabalhadora, Lauren O’Connor, o departamento de recursos humanos ignorou os seus receios de que pudesse ser vítima dos abusos de Weinstein, tendo-lhe dito para os informar apenas em dois casos: “Se ele te bater ou ultrapassar a linha física”. Quando O’Connor apresentou ao departamento um documento que detalhava as circunstâncias em que tinha sido assediada por Weinstein, os advogados da produtora procuraram chegar rapidamente a um acordo judicial para abafar o caso.
De acordo com o New York Times, outras funcionárias foram coniventes com o assédio do patrão a outras mulheres. A título de exemplo, o jornal aponta a assistente que levou a bailarina Ashley Matthau a um quarto de hotel para se encontrar com Weinstein, onde este se terá masturbado para cima de Matthau. Quando ela saiu, a assistente estava à espera dela. “Parecia uma máquina bem oleada”, contou Matthau, que começou a chorar em frente à assistente, mas não obteve qualquer reação.
Sandeep Rehal, outra assistente, contou ao jornal como tinha a responsabilidade de comprar medicamentos para a disfunção erétil e entregá-los a Weinstein, por vezes nos quartos de hotel onde ele se encontrava com as mulheres. Em troca, recebia um bónus de 500 dólares. “Começamos a perceber o que se está a passar e o que é que estamos a ajudar a limpar e não queremos contar a ninguém — amigos, família, os meus pais — que tipo de trabalho temos”, disse a jovem de 28 anos ao New York Times. Weinstein chegou a ameaçar Rehal, dizendo que tinha o poder de expulsar a sua irmã mais nova da escola. “Um telefonema e estás feita”, terá dito Weinstein, de acordo com outro funcionário.
Os conhecimentos
Harvey Weinstein era até recentemente um conhecido democrata, que se movimentava na elite artística, mas não só. De acordo com emails a que o New York Times teve acesso, o próprio milionário e dono da Amazon, Jeff Bezos, chegou a pedir conselhos profissionais a Weinstein.
Weinstein é também amigo de longa data de Bill e Hillary Clinton, tendo sido financiador das suas campanhas e um conhecido apoiante. O casal jantou com o produtor apenas dias depois da eleição presidencial, de onde Hillary Clinton saiu derrotada. O artigo revela ainda que algumas pessoas do meio de Hollywood, como Lena Dunham, avisaram membros da campanha de Clinton das alegações que se ouviam nos corredores sobre o comportamento sexual de Weinstein.
“Eu conheço o Presidente dos Estados Unidos. E tu, conheces quem?”, é uma frase que Weinstein utilizava com regularidade durante os anos da presidência de Barack Obama, de acordo com o jornal. “Sou o Harvey Weinstein, sabes o que sou capaz de fazer.”
Os jornalistas
Weinstein beneficiou ainda de uma rede nos media, que procurou criar para contrariar relatos negativos que pudessem surgir sobre si. A certa altura, por exemplo, contratou A. J. Benza — um antigo colunista da área das celebridades no New York Daily News — para que este lhe desse histórias sobre outros famosos. Assim, Weinstein poderia fornecer estas histórias aos media quando estes o questionassem sobre suspeitas que pairavam sobre si. A ideia partiu do próprio Benza, mas o colunista não sabe se Weinstein chegou a utilizar as histórias que lhe deu.
O produtor tinha também “laços fortes” ao grupo tablóide American Media (dono de várias publicações). O grupo, escreve o jornal, “era conhecido por às vezes ajudar os seus aliados em apuros com uma estratégia conhecida nas redações tablóides como ‘apanhar e matar’ — adquirir direitos exclusivos sobre histórias lesivas e nunca as publicar“.
Para além de toda a investigação do Times, o jornal confirmou ainda a investigação que já tinha sido avançada pela revista New Yorker sobre as ligações a antigos espiões israelitas. Um amigo de Weinstein assinou um contrato há alguns meses com a empresa de investigação de antigos analistas de informação israelitas Black Cube. Estes tentaram impedir a publicação do primeiro artigo do Times com as acusações de assédio sexual.