Em 1929, de visita a Hollywood, Winston Churchill foi convidado pelo milionário e magnata da imprensa William Randolph Hearst para a sua mansão de San Simeon (anos mais tarde, Churchill sairia a meio de um visionamento privado de “O Mundo a seus Pés”, de Orson Welles, baseado na figura de Hearst, chamando-lhe “uma maçada”). O futuro primeiro-ministro inglês travou ali conhecimento com o seu compatriota Charlie Chaplin. Ficaram logo amigos. Churchill disse que Chaplin era “um cómico maravilhoso, bolchevista em política e encantador de conversa”, e a páginas tantas propôs-lhe que fizessem um filme sobre a juventude de Napoleão Bonaparte, com ele a escrever o argumento e o criador de Charlot a realizar e interpretar o papel principal. A ideia não foi para a frente, mas podemos fantasiar à vontade sobre o filme que teria saído daquelas duas cabeças.

[Veja Winston Churchill com Charlie Chaplin:]

Winston Churchill gostava de cinema. Não só dos filmes cómicos de Chaplin, mas também de melodramas como “Vitória Negra”, com Bette Davis, de grandes produções históricas americanas e inglesas como “E Tudo o Vento Levou” ou “A Batalha de Trafalgar”, com Laurence Olivier no papel de lorde Nelson, e de “westerns”. Mesmo apesar do seu colossal ego, Churchill não deveria fazer ideia que, no futuro, viria a ser interpretado, no cinema e também na televisão, por alguns dos maiores e mais distintos actores britânicos: Richard Burton, Albert Finney, Michael Gambon, Robert Hardy, Brian Cox, Bob Hoskins ou Timothy West. E ter-lhe-ia agradado saber que todos esses filmes, telefilmes e séries seriam apologéticos, elogiosos, lisonjeiros, no essencial conformes ao cliché consagrado do “velho buldogue” que teve a coragem de enfrentar Hitler quando o resto da Europa se submetia a ele ou se agachava.

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[Veja Albert Finney no papel de Churchill:]

Se queremos encontrar uma visão crítica e contrária à visão admirativa e icónica de Winston Churchill – sobretudo do Winston Churchill no poder durante a II Guerra Mundial — não é no cinema que a devemos procurar, mas nas obras de historiadores e autores como John Charmley, Patrick Buchanan, David Irving ou Peregrine Worsthorne, entre outros. A demonstrá-lo mais uma vez, e de forma edificante e grandiloquente, está o novo filme sobre Churchill, “A Hora Mais Negra”, de Joe Wright. Ele acompanha a sua nomeação para primeiro-ministro, em Maio de 1940, após a demissão de Neville Chamberlain, e os dias em que Churchill (Gary Oldman) teve que remar contra a maré do seu próprio partido, cujos membros mais influentes não o achavam o homem ideal para o lugar face ao avanço Europa adentro da máquina de guerra alemã, enquanto lidava com a evacuação das tropas inglesas de França, amontoadas em Dunquerque.

[Veja o “trailer” de “A Hora Mais Negra”:]

A fita é uma amálgama empolada e laboriosa de factos históricos, deturpações da realidade, simplificações dramáticas e fantasias absurdas (a certa altura, Wright põe Churchill a sair do carro e, sem comitiva nem segurança, a apanhar o Metro – coisa que nunca fez na sua vida -, onde sonda o povo anónimo sobre se deve discutir a paz com Hitler ou enfrentá-lo e tem uma resposta unânime pelo confronto– isto quando parte considerável da opinião pública britânica, e não só da classe política, torcia o nariz à guerra), ora dando uma no cravo da verdade factual, ora outra na ferradura da sua distorção (por exemplo, o primeiro-ministro não estava sozinho, no Gabinete de Guerra, na sua oposição a uma negociação com a Alemanha).

[Veja a entrevista com o realizador Joe Wright:]

Se a invenção de uma secretária particular jovem, bonita e sensível (Lily James) se aceita para fins de “humanização” de Churchill, já a promiscuidade entre verdade e ficção no argumento (de Anthony McCarten, que já em “A Teoria de Tudo” tomou liberdades com a vida intima de Stephen Hawking) faz de “A Hora Mais Negra” um filme pouco fiável, em que o rigor histórico é sacrificado às simplificações do entretenimento de massas. O estilo rebuscado e bombástico de Joe Wright, que usa e abusa do “ponto de vista de Deus”, quer filme um bombardeamento alemão, quer a Câmara dos Comuns, e recorre a a uma banda sonora a condizer, também não ajuda. É como se ele nos estivesse constantemente a lembrar, por imagens solenemente iluminadas e notas musicais grandíloquas, que estamos a ver H-I-S-T-Ó-R-IA feita por U-M-G-R-A-N-D-E- H-O-M-E-M, em maiúsculas bem soletradas, no caso de não o percebermos bem.

[Veja a entrevista com o actor Gary Oldman:]

Gary Oldman foi uma escolha curiosa para fazer de Winston Churchill, sobretudo porque o seu aspecto físico não qualificaria o homem que já interpretou Sid Vicious para encarnar o então já anafado e idoso primeiro-ministro. Mas a maquilhagem e os enchimentos tratam de parte desse problema, e a interpretação de Oldman, apesar de ter muito de “isco de Óscar”, é o melhor que fica de “A Hora Mais Negra”. O actor dispensa a imitação suada dos trejeitos físicos, faciais e vocais de Churchill, bem como o lugar-comum do exibicionismo da inflamada retórica churchilliana a que recorreram vários dos seus antecessores no papel, interpretando-o com mais contenção nas sequências públicas e, em privado, pondo-o a expressar-se entredentes e murmurando, como se estivesse a rezar ou falasse com os seus botões. Tal como o próprio Churchill fazia, segundo os testemunhos de vários dos que lhe foram próximos nesta altura. E Oldman apanha também o “actor” (por vezes cabotino) que havia nele.

[Veja uma sequência do filme:]

Seria injusto falarmos apenas do Churchill de Gary Oldman sem referirmos os versatilíssimos Ronald Pickup e Stephen Dillane, actores com enorme experiência do palco, da tela e da televisão, aquele num Chamberlain semi-cadavérico, este num lorde Halifax caído num transe de defesa sincera e desesperada da paz. E ambos, ao invés de Oldman, são as caras chapadas dos homens que interpretam. Se “A Hora Mais Negra” fosse um teste de História, Joe Wrigh tinha um Suficiente Menos. E os actores um Bom Mais.