A icónica galeria Jeanne Bucher Jaeger, fundada em Paris há 92 anos, a única que se manteve aberta durante a ocupação nazi e que detém uma ligação afetiva à pintora Vieira da Silva, inicia a sua internacionalização em Lisboa.
O espaço expositivo ficará instalado no n.º 1 da rua Serpa Pinto, na zona do Chiado, em Lisboa, e é inaugurado a 19 de janeiro, com uma exposição dedicada aos artistas naïf André Bauchant (1873-1958) e Louis-Auguste Déchelette (1894-1964).
A galeria foi fundada por Jeanne Bucher, em 1925, que começou por abrir uma livraria de obras estrangeiras, quando chegou a Paris, nos 50 anos, porque falava várias línguas e tinha muitos amigos escritores e poetas, recordou o galerista Rui Freire, responsável pela instalação portuguesa, em declarações à agência Lusa.
“Ela apercebeu-se de que a sua paixão era mais as artes plásticas”, à medida que foi conhecendo artistas vanguardistas muito jovens, que estavam a fazer coisas diferentes, como Kandinsky, Giacometti, Léger, Picasso, que ainda não eram conhecidos, na altura.
Ali conheceu uma jovem portuguesa exilada em Paris, Maria Helena Vieira da Silva (1908 — 1992), e a sua primeira colaboração foi um livro que mostra uma grande parte das edições de artistas pela galeria.
Jeanne Bucher “é interpelada pela qualidade da pessoa e do trabalho de Vieira da Silva, e [as duas] mantêm uma relação muito próxima de amizade, que durou durante toda a vida, até à morte [da galerista], em 1946”, e que continuaria com Jean-François Jaeger, à frente da galeria durante mais de 60 anos.
Em 2008, mantendo-se em Saint-Germain, foi aberto um novo espaço, de grandes dimensões, no Marais, também na capital francesa, dedicado à arte contemporânea, na linha da vocação da galeria original, desenvolvendo um trabalho com novos artistas.
Nessa altura, o galerista português Rui Freire entrou para a galeria, dirigindo-a no último ano, e veio depois abrir o espaço em Lisboa, para apresentar artistas portugueses — Jeanne Bucher já trabalhava com Miguel Branco e Rui Moreira, entre outros — e estrangeiros.
Questionado sobre a decisão de escolher Lisboa como primeiro espaço de internacionalização da galeria quase centenária, Rui Freire respondeu: “A vinda para Lisboa tem a ver com as ligações do passado — Vieira da Silva e outros artistas portugueses –, mas também porque, sendo uma cidade que não está no centro da Europa, tem um papel cada vez mais importante a todos os níveis”.
Na capital portuguesa, a programação não será exclusiva da arte contemporânea, mas irá mostrar conjuntos temáticos relacionados com a coleção da galeria, como os artistas Naif que vão marcar a inauguração, a 19 de janeiro, às 18h30, ficando até 17 de março, de terça-feira a sábado.
Questionado sobre se estão previstas exposições dedicadas a Vieira da Silva e ao marido Arpad Szénes, o galerista indicou que serão realizadas, “seguramente durante o próximo ano”, pois a galeria possui na sua coleção um “conjunto significativo de obras da pintora portuguesa”, que tem cedido temporariamente ao museu da pintora em Lisboa.
Para já, a galeria mostra artistas que foram da preferência da fundadora, que pugnou pela divulgação e promoção do trabalho de artistas Naïf.
André Bauchant, artista autodidata, iniciou-se na pintura aos 46 anos, quando regressou da Grande Guerra 1914-18, onde começou por pintar pequenos postais que vendia aos seus camaradas soldados. A sua obra é inspirada pelas leituras que fez sobre a Grécia Antiga, bem como pela paisagem, a natureza morta, o retrato, o nu e os grandes temas da mitologia e da antiguidade.
Está representando internacionalmente em coleções privadas e públicas, como Peggy Guggenheim, Catesby Jones, o Museu de Arte Moderna (MoMa), em Nova Iorque, o Musée International d’Art Naïf Anatole Jakovsky, em Nice, ou o National Museum of Western Art, em Tóquio.
Por seu turno, Louis-Auguste Déchelette representa cenas quotidianas, de rua ou de campo nas suas pinturas, que demonstram um particular gosto pelo detalhe e introduzem jogos de palavras e trocadilhos. Déchelette dedicou-se exclusivamente à pintura em 1942, na sequência do bom acolhimento pela crítica da sua primeira exposição, organizada por Jeanne Bucher.