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Fizz. "Como é que eu não vi isto?", interroga Cândida Almeida

Este artigo tem mais de 5 anos

A procuradora, que esteve à frente do DCIAP, validou um despacho de arquivamento relativamente a Manuel Vicente que mandava destruir documentos relativos aos seus rendimentos. O que não era habitual.

Manuel Vicente, Cândida Almeida e Orlando Figueira, três nomes centrais no processo Fizz
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Manuel Vicente, Cândida Almeida e Orlando Figueira, três nomes centrais no processo Fizz

Manuel Vicente, Cândida Almeida e Orlando Figueira, três nomes centrais no processo Fizz

A procuradora Cândida Almeida disse esta quinta-feira em tribunal que ficou surpreendida quando soube que o procurador Orlando Figueira tinha sido detido por corrupção. Mais explicou que, só quando foi chamada a prestar declarações no âmbito do processo, se apercebeu de um despacho de Orlando Figueira em que mandava destruir os documentos onde vinham indicados os rendimentos de Manuel Vicente. A magistrada garante que esta não era uma prática comum no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Cândida Almeida, que foi arrolada como testemunha no julgamento do caso Fizz, explicou que, apesar de a lei prever a destruição, era do seu entendimento que os documentos relacionados com a vida privada de cada um, como o caso dos rendimentos, deviam ser retirados dos processos e deixados ou “em cofre ou na contracapa fechados e lacrados”. “Essa era a prática. A destruição acho que não deve ser feita”, disse.

Eu achei estranhíssima a destruição. Se eu tivesse visto, dizia para não fazer. Esta foi a minha estupefação quando fui confrontada com este documento. Como é que eu não vi isto?”, interrogou-se.

A procuradora Leonor Machado projectou na parede o despacho de arquivamento relativamente à investigação ao vice-presidente angolano, Manuel Vicente, em que se investigava a compra de apartamentos no condomínio Estoril Sol e que foi assinado por Orlando Figueira (o titular da investigação) e revisto por Cândida Almeida (a então responsável máxima do DCIAP). Mas a procuradora diz apenas lembrar-se da parte em que fala na restituição dos documentos e não da parte da destruição, que aparece posteriormente. Referiu, ainda, ter estranhado que nesta página (a que fala na destruição), ao contrário de todas as outras do documento, não estivesse a assinatura da procuradora-adjunta Teresa Sanchez (que coadjuvava Orlando Figueira).

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— Qual a sua opinião do que aconteceu?, perguntou-lhe a procuradora Leonor Machado.
— Não estou aqui para dar a minha opinião, respondeu Cândida Almeida.

Cândida Almeida disse ter ficado surpreendida com a investigação que acabou na acusação por crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação e violação de segredo de justiça em que está envolvido Orlando Figueira. “Para mim foi um surpresa a prisão do Dr. Orlando”, disse.

“Posso dizer que tinha uma grande estima pelo Dr. Orlando. Era uma pessoa simpática, que discutia, queria tirar duvidas, tinha uma grande estima e um grande respeito pelo trabalho dele”, acrescentou mais tarde.

Quando questionada sobre o relacionamento com o advogado Paulo Blanco, também arguido no processo, e que tem falado sobre a estreita relação que mantinha com os magistrados do DCIAP, a procuradora esclareceu que mantinha apenas uma relação “cordial” com ele. Tal como todos os advogados, contou, Blanco podia circular pelo DCIAP e falar com os magistrados dos processos que tinham em mãos. “Sempre entendi que o DCIAP devia ser aberto”, disse.

Por outro lado, a magistrada referiu que a relação entre Orlando Figueira e Paulo Blanco era diferente daquela que o procurador mantinha com outros advogados. Principalmente depois da viagem que fizeram juntos a Luanda, para a Semana da Legalidade em Angola, em 2011.

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O que tem de saber sobre esta sessão

As frases do dia

“Eu achei estranhíssima a destruição, se eu tivesse visto, dizia para não fazer. Esta foi a minha estupefação quando fui confrontada com este documento. Como é que eu não vi isto?”, interrogou-se Cândida Almeida.

“Para mim foi um surpresa a prisão do Dr. Orlando”, Cândida Almeida.

“Posso dizer que tinha uma grande estima pelo Dr. Orlando. Era uma pessoa simpática, que discutia, queria tirar duvidas, tinha uma grande estima e um grande respeito pelo trabalho dele”, disse Cândida Almeida.

Decisões importantes

Como Cândida Almeida acabou por tomar toda a sessão de julgamento, o testemunho de Vítor Magalhães passou para a próxima sessão de julgamento. Na parte da tarde dessa sessão, continuará a ser ouvida Cândida Almeida inquirida pelo advogado Rui Patrício.

A defesa de Orlando Figueira pediu para juntar ao processo a auditoria feita ao DCIAP após a saída de Cândida Almeida.

Quem foi ouvido

A procuradora Cândida Almeida, que coordenava o Departamento Central de Investigação e Ação Penal quando o arguido Orlando Figueira ali prestou serviço (entre 2008 e 2012)

Quando é a próxima sessão

Quarta-feira, 13 de fevereiro.

O DCIAP, os advogados e o telefonema de Blanco

A procuradora lembrou, porém, um telefonema menos agradável que o advogado lhe fez para o seu telemóvel. “Pelo indicativo percebi que estaria em Luanda. Falou-me de uma Averiguação Preventiva que ia ser arquivada e que, afinal, tinha sido convertida em inquérito. Estava um pouco exaltado”, descreveu. Cândida Almeida garante que lhe respondeu que não falava de processos e que lhe desligou o telefone. Neste momento, o advogado Paulo Blanco pareceu desconfortável no banco dos réus, como se estivesse indignado com o que a procuradora tinha acabado de dizer.

Quando lhe perguntaram se sabia como tinha tido essa informação, a magistrada respondeu que só podia ter sido por via do magistrado titular do inquérito, que seria Paulo Gonçalves — o procurador que herdou os processos de Orlando Figueira e que chegou a reabrir um deles, relativo a Manuel Vicente. Este processo acabaria também por ser arquivado mais tarde.

Ainda do DCIAP, a procuradora lembrou que tinha poucos meios para trabalhar e que, por isso, era normal extraírem-se certidões dos processos para dar andamento aos casos, como aconteceu com Manuel Vicente.

“Por exemplo, quando eram operações a nível nacional — no caso Furacão seriam 800 inquéritos no Monte Branco 500 — então fazíamos um processo mãe e à medida que se ia resolvendo fazia-se a certidão. E arquivava-se ou acusava-se”, explicou.

Os documentos desaparecem no DCIAP?

Dada a dimensão dos processos, e seguindo a política de extrair certidões para ir resolvendo os casos, Orlando Figueira revelou que mandou destruir os documentos relativos aos rendimentos de Manuel Vicente porque era normal que no DCIAP “desaparecessem documentos”. Uma justificação que Cândida Almeida disse não ter qualquer cabimento. Ainda assim, ao longo do seu depoimento, a procuradora assumiu que tinha um dossier onde escrevia o acompanhamento que dava a todos os processos, mas que este se extraviou quando as instalações do DCIAP mudaram para a Rua Gomes Freire.

A decisão de mandar destruir os documentos, que indicavam que Manuel Vicente tinha rendimentos suficientes para adquirir os apartamentos no Estoril Sol, foi novamente escrutinada pelos juízes nesta sessão de julgamento. Figueira explicou que no processo onde se investigava a compra de apartamentos por várias sociedades, entre elas a Portmill, decidiu extrair uma certidão para que as suspeitas relativas a Manuel Vicente fossem arquivadas. E foi neste novo processo que deu duas ordens: destruir os documentos que revelavam os rendimentos de Manuel Vicente e apagar o nome de Manuel Vicente de um apenso do processo de origem.

O juiz presidente, Alfredo Costa, mostrou o apenso com várias folhas recortadas — onde antes estaria o nome do governante angolano. Orlando Figueira, que argumentou sempre que assim protegeria os direitos, liberdades e garantias de Manuel Vicente, acabaria por somar outra justificação: “Assim facilitaria o trabalho dos meus colegas que continuassem a tratar daquele inquérito. Porque aquela questão já estava arrumada”.

Mas era preciso isto?”, disse o juiz, enquanto exibia as folhas recortadas. “Dr., quer que eu o recorde das escutas do Sócrates que o Dr. Noronha de Nascimento destruiu?”, respondeu Figueira.

A procuradora Cândida Almeida, que garantiu que o arquivamento do processo foi adequado, disse que, no entanto, o magistrado não devia ter determinado apagar o nome de Manuel Vicente do outro processo. Recorde-se que Orlando Figueira é acusado de ter sido corrompido para arquivar este inquérito a troco de um pagamento alegadamente vindo de Manuel Vicente.

O desabafo de Cândida Almeida que incomodou o Procurador-geral angolano

“Estão a utilizar os tribunais portugueses para resolver os seus assuntos e depois deixam as investigações a meio”. O desabafo foi de Cândida Almeida, à data diretora do DCIAP, depois de Angola ter desistido de uma queixa que estava já a ser investigada em Portugal. A procuradora não se recorda a quem o disse. Mas sabe que o “desabafo” chegou aos ouvidos do Procurador Geral de Angola, João Sousa, que acabou por confrontá-la com isso.

A procuradora, que entre 2010 e 2012 foi coordenadora do procurador Orlando Figueira, julgado pelos crimes de corrupção e branqueamento de capitais, chegou esta manhã ao Campus de Justiça para testemunhar. A procuradora do julgamento, Leonor Machado, agradeceu o facto de o ter feito presencialmente. “Podia tê-lo feito por escrito”, realçou. E começou por pedir-lhe que esclarecesse como eram as relações entre as procuradorias portuguesa e angolana.

A magistrada lembrou que, em 2009, a Procuradoria Geral de Angola e a Procuradoria Geral portuguesa, pelas mãos de Pinto Monteiro, fizeram um acordo de formação. E que destacou uma equipa do DCIAP, onde estava Figueira, para dar formação aos angolanos. A certa altura o estado angolano desistiu de uma queixa que estava já a ser investigada. E Cândida soltou um desabafo.

“Eu terei desabafado… não me lembro com quem: estão a utilizar os tribunais portugueses para resolver os seus assuntos e depois deixam as investigações a meio”, disse.

Este desabafo, segundo descreveu, chegou ao Procurador Geral de Angola que aproveitou a reunião da formação para a confrontar. “Apresentou-me uma lei de Angola a dizer que recebia ordens diretamente do Presidente. Eu disse que foi um desabafo, pedi desculpa, os meus colegas nem sabiam disso. Foi a única vez que falamos de um processos”, disse.

A procuradora recusou que ambas as procuradorias discutissem processos, como chegou a avançar Paulo Blanco e Orlando Figueira. O procurador e arguido no caso Fizz disse que na viagem para Luanda, onde foi convidado a participar na Semana da Legalidade, levou um dossier de temas a discutir com o PGR de Angola. Uma realidade completamente contestada por Cândida Almeida. “Não fazia sentido”, esclareceu.

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