O mistério começou ainda antes do primeiro dia do festival. O Tremor já se tornou sinónimo de surpresas — veja-se os Tremores na Estufa, concertos de artistas incógnitos em locais desconhecidos —, mas a que envolveu 50 sortudos na passada sexta-feira, 23 de março, explodiu com esta escala de melomania inusitada.
“Estão disponíveis para um programa de 14 horas que começa às 4h30 da manhã?” — lia-se num e-mail enviado pela organização uma semana antes da estreia. Conhecendo o cadastro deste festival que já organizou concertos em estufas de ananáses ou festas em termas à beira-mar, a resposta só podia ser “sim”.
Já em terras micaelenses, a surpresa — feita em parceria com o Governo Regional em jeito de celebração do 5º ano de Tremor — tornou-se tema recorrente nas conversa do público. “Acho que vamos de barco para qualquer lado”, diziam uns. “Não, isto vai ser uma viagem de avião para outra ilha”, respondiam outros. O debate manteve-se durante os primeiros três dias de concertos até que, na hora “H”, um transfer levou toda a gente ao aeroporto: íamos para Santa Maria.
A 3ª ilha mais pequena do arquipélago foi o destino eleito e o entusiasmo que isso trouxe ia conseguindo anular o efeito nefasto das duas singelas horas de sono — havia corajosos que nem essas tinham. E lá seguimos juntos em modo Grupo Excursionista Tremor, tanto o público como a banda que nos ia dar música — a incógnita dissipou-se ao ver a farta cabeleira de Dinho, vocalista dos brasileiros Boogarins (cabeças de cartaz que atuam este sábado no Coliseu Micaelense) por trás de um carrinho de aeroporto cheio de malas e caixotes de ar resistente.
A viagem, como seria de esperar, teve tanto de pacata — registaram-se alguns roncos na cabine do avião — como de rápida e em pouco mais de meia-hora estávamos na ilha primogénita do arquipélago açoriano onde, supostamente, Cristóvão Colombo terá passado no regresso da sua nada aleatória descoberta do continente americano. As restantes horas seriam passadas a fazer aquilo que Diogo de Silves fez em 1427, ou seja, percorremos montes e miradouros a descobrir a ilha. O concerto? Esse estava marcado para as 13h30. Antes disso houve muito para fazer.
De autocarro, com a guia Laurinda a segurar na batuta — perdão, no microfone —, calcorreámos locais como o Forte de São Brás, bastião de defesa contra piratas — “os argelinos eram os piores!” — que hoje se tornou no modelo perfeito para qualquer cartão postal que se preze; o agradável Espaço em Cena, protótipo de “casa-fofinha” que serve refeições, exposições e aulas de dança; os absolutamente deslumbrantes (e seguramente photoshopados) miradouros da Macela e da baía de São Lourenço; o Pico Alto, elevação mais imponente de Santa Maria de onde se pode ver toda a ilha em 360º; a Cooperativa de Artesanato de Santa Maria, que gentilmente nos ensinou a fazer tanto tapetes como biscoitos; e até o Poço da Pedreira, imponente parede gigante em pedra vermelha que salta a vista entre todo o verde que a rodeia. Enfim: tudo paisagens que deixam qualquer um sem adjetivos suficiente para as descrever.
Felizmente existem fotografias para ajudar na missão. Já de barriga cheia depois de tanto comer com os olhos, chegava a hora do espetáculo prometido. Ao chegar ao coração de Vila do Porto, ao coreto local, mais precisamente, já lá estavam os rapazes de Goiânia à nossa espera. E não estavam sozinhos.
Em jeito de festa religiosa de verão, várias dezenas de pessoas reuniram-se no jardim do coreto para ver o que ia acontecer. Novos e velhos não quiseram perder nada do rock psicadélico (ou psicodélico, como dizem os nossos amigos brasileiros) que pôs toda a gente a viajar sem sair do sítio. No final, as palmas e os sorrisos foram tantos que até houve um encore e a rapariga brasileira que vivia “já ali ao lado” não conseguiu mostrar mais a sua satisfação. O dia terminou entre a mesa e o mar, num restaurante plantado em cima das piscinas naturais dos Anjos, com a companhia de uma típica “sopa de nabo”, a versão local do cozido à portuguesa.
Toda esta felicidade acabou beliscada pelo tempo, que passou a fugir entre raios de sol e mãozinhas de vitelo cozidas. “Está na hora de regressar ao aeroporto”, avisaram. Lá teve de ser. Com vários gigabytes de fotos e um valente escaldão voltámos. Já com as rodas do avião assentes em solo micaelense, um estrangeiro que vinha no grupo de tremorettes escrevia num sms: “I just had the best experience of my life! [Acabei de ter a melhor experiência da minha vida!] *emoji a sorrir* *emoji coração*”. Se dúvidas sobrassem do sucesso desta aventura, todas elas ficaram por ali, entre polegares e um smartphone.
O Observador viajou a convite da Azores Airlines, da Visitazores e do Neat Hotel Avenida.