Esta sexta-feira foi um dia comprido para Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-Presidente do Brasil que foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva passou o dia fechado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo, enquanto pendia sobre ele uma ordem para se entregar à Polícia Federal, em Curitiba.
Foi ali, naquele edifício onde chegou a ser detido e preso nos anos 80, que Lula passou um dos dias mais longos e atribulados da sua vida. Recordemos o que aconteceu nestas horas — e o que pode acontecer nas próximas.
O que aconteceu
- Lula não cumpriu a ordem do juiz Sérgio Moro para se entregar à polícia. O juiz mais famoso do Brasil indicou ao ex-Presidente que se deveria entregar na Polícia Federal de Curitiba às 17h00 locais (21h00 de Lisboa). Ao longo do dia, foram dados sinais de dentro do “bunker” onde Lula passou grande parte do dia fechado, acompanhado apenas por pessoas da sua máxima confiança, de que essa seria mesmo a sua opção. Os relatos que surgiram na imprensa brasileira apontaram para um dilema: de um lado, Lula tinha os advogados de defesa a dizer que se devia entregar; do outro, o ex-Presidente tinha os seus aliados políticos a dizer para não cumprir a ordem de Sérgio Moro. Lula acabou por escolher esta última opção.
- O ex-Presidente chegou a acordo com a Polícia Federal e entrega-se este sábado. Quando bateram as 17h00 locais (21h00 de Lisboa), foi ultrapassado o prazo imposto por Sérgio Moro para Lula se entregar. Momentos antes, o ex-Presidente terá dito: “Que me venham buscar!” Mas a postura de desafio acabou por dar lugar a uma de compromisso. Com a chegada da noite, foram feitas negociações entre a defesa de Lula e a Polícia Federal, para que fossem acordados os termos de entrega do ex-Presidente. O petista chegou a exigir que o local de detenção fosse a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e que esta fosse apenas na segunda-feira. Depois, chegou a um meio-termo com a Polícia Federal: ambas as partes acordaram que a entrega do ex-Presidente será este sábado, depois de uma missa celebrada ali mesmo, no exterior do sindicato. A missa será em honra a Marisa Letícia, a mulher de Lula, que morreu em fevereiro de 2017 e completaria 68 anos este sábado. Depois de chegar a acordo, a Polícia Federal garantiu que não faria a detenção esta sexta-feira, por não haver condições para isso.
O Brasil que o povo quer é um país de pé, não deitado!
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— Lula (@LulaOficial) April 6, 2018
- Prometeu mas não cumpriu: Lula não discursou aos seus apoiantes. Um dos acontecimentos mais aguardados do dia era um possível discurso de Lula. Esteve marcado para as 16h00 locais (20h00 de Lisboa), depois para hora incerta, mais tarde para as 19h00 (23h30 de Lisboa) — mas não chegou a acontecer. Lula apareceu duas vezes, surgindo numa janela do terceiro andar do sindicato. Do lado de fora, foi estacionado um carro de som, onde discursaram vários líderes de partidos e movimentos da esquerda brasileira: Gleisi Hoffmann (presidente do PT), Guilherme Boulos (pré-candidato presidencial pelo PSOL e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ou Manuela d’Ávila (pré-candidata presidencial pelo PCdoB), entre outros. Foi uma prova de que grande parte da esquerda brasileira está ao lado de Lula.
- Além de Lula, milhares de manifestantes foram os protagonistas do dia. Em frente ao carro de som, juntaram-se ali milhares de pessoas, cantando palavras de ordem como “Lula guerreiro do povo brasileiro!” ou “Lula é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!”. Algumas personalidades próximas do ex-Presidente quiseram dar um papel crucial àqueles manifestantes, caso a Polícia Federal decidisse avançar para deter Lula. “Quero que o povo faça um cordão humano para impedir a prisão”, disse Gilberto Carvalho, ex-assessor de Dilma Rousseff e homem de confiança de Lula. “Se tiver de levar o Lula, vai ter de levar todo o mundo, porque vamos resistir”, acrescentou o sindicalista Vagner Freitas, presidente da CUT. Não foi preciso nada disto, uma vez que as pessoas desmobilizaram a meio da noite. E, às 21h30 locais (00h30 de Lisboa), o carro de som utilizado durante o dia foi retirado do local e substituído por outro mais pequeno.
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— Lindbergh Farias (@lindberghfarias) April 6, 2018
- Não houve intervenção policial contra os apoiantes de Lula. Chegaram a ser destacados polícias para São Bernando do Campo, incluindo 60 elementos da força de intervenção da Polícia Militar, munidos de um canhão de água. Apesar do aparato, não houve confrontos nas imediações do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. O mesmo não se pode dizer noutras zonas do país. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) bloqueou 45 estradas em 15 estados do país — e uma das suas militantes foi atingida a tiro numa perna por alguém que seguia num carro que furou um desses bloqueios. A registar também que o prédio da juíza do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, foi atingido com tinta vermelha por militantes do MST.
Manifestantes jogam tinta vermelha em prédio onde mora Cármen Lúcia em Belo Horizonte. https://t.co/eujzTwvsng pic.twitter.com/IVGCFMPR69
— Jornal Extra (@jornalextra) April 6, 2018
- A defesa de Lula e vários advogados tentaram mais uma vez travar a pena de prisão. O dia começou com dois pedidos de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda instância mais alta do sistema judiciário brasileiro. Um deles foi colocado pela própria defesa de Lula, outro foi pedido por um advogado independente — e ambos foram recusados por aquele tribunal. Mais tarde, a defesa de Lula colocou uma queixa no Supremo Tribunal Federal (STF), o mais alto do Brasil, alegando que o juiz Sérgio Moro não esperou o tempo necessário para emitir a ordem de prisão — em teoria, a defesa de Lula tinha até 10 de abril para recorrer. Esta aceleração, soube-se também nesta sexta-feira, deve-se à ação do procurador Maurício Gotard Gerum, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Este argumentou que era preciso “estancar a sensação de omnipotência” de Lula e evitar que este levasse a “movimentos manipulatórios das massas”.
O que vai acontecer
- Lula vai entregar-se este sábado depois da missa e a logística já está pronta. A missa em honra da mulher falecida de Lula está marcada para as 9h00 locais (13h00 de Lisboa). Se cumprir aquilo que foi acordado com as autoridades, Lula vai entregar-se depois daquela cerimónia. A Polícia Federal já tem um avião da sua frota à espera de Lula no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Congonhas, para levar Lula para Curitiba, onde será preso. À chegada a Curitiba, ao Aeroporto Afonso Penna, Lula encontrará um helicóptero. Será nele que vai ser transportado para o local da sua cela.
- O ex-Presidente vai ser colocado numa cela de 15 m2 onde estará isolado. A cama dupla foi substituída por uma individual, entre a parede que tem duas pequenas janelas com grades e a da casa-de-banho privada. O espaço tem 15 metros quadrados (3 metros por 5 metros).
- Depois de estar rodeado por apoiantes, Lula será recebido por opositores. Lula passou o dia rodeado de apoiantes: por perto, teve líderes de partidos da esquerda brasileira, sindicalistas de topo e personalidades destacadas do próprio PT. Além disso, na rua, tinha milhares de apoiantes à espera de um discurso dele — que não chegou a acontecer. Enquanto tudo isto acontecia em São Bernardo do Campo, São Paulo, o cenário era diametralmente oposto em Curitiba. Ali, em frente à sede da Polícia Federal, um grupo de manifestantes anti-Lula aguardava a chegada do ex-Presidente para ser preso.
- A presidente do STF vai decidir se dá seguimento à queixa dos advogados de Lula. A presidente do STF, Carmen Lúcia, vai decidir se admite ou não que a queixa colocada pela defesa do ex-Presidente é discutida em plenário. Não é garantido que isso venha a acontecer — nem é garantido que, havendo plenário, este resulte numa votação favorável a Lula. Seja como for, por decisão da juíza Carmen Lúcia, o caso foi entregue ao juiz Edson Fachin (que na quarta-feira votou contra o habeas corpus) e não ao juiz Marco Aurélio (que votou a favor), como tinha pedido a defesa de Lula. Ou seja, o caso está agora nas mãos de um juiz que está a favor da prisão imediata de Lula — algo que pode resultar num desfecho contrário ao desejado pela defesa do ex-Presidente.