Detroit: Become Human marca o regresso de um dos mais conceituados criadores de videojogos, David Cage,àquele que é um dos títulos mais esperados de 2018. A pouco mais de um mês do seu lançamento exclusivo na PlayStation 4, tivemos a oportunidade de conversar com Gregorie Diaconu, diretor criativo adjunto do estúdio Quantic Dreams, e um dos responsáveis por materializar este jogo altamente cinematográfico com múltiplas ramificações narrativas baseadas nas nossas escolhas, que nos fará repensar conceitos de moralidade e liberdade através dos olhos de androides num ambiente sci-fi.

Este não é o seu primeiro jogo na Quantic Dreams. Participou pelo menos nos últimos dois?
Sim, estou na Quantic Dreams há 10 anos. Comecei no Heavy como programador e trabalhei em game design no Beyond: Two Souls. Neste momento sou Game Director em Detroit: Become Human.

Tivemos a oportunidade de falar com o Adam Williams [argumentista principal de Detroit] sobre o conceito e a escrita desta obra. Dentro da Quantic Dreams, estavam preparados para a receção do público e dos media a um jogo com uma narrativa tão séria e tão pesada?
Claro que sim. O que tentámos fazer com Detroit foi dizer que sabemos que conseguimos fazer jogos mais pessoais e mais emocionais, tal como fizemos com projetos passados. Mas agora tentamos fazer jogos que sejam um reflexo da vida. E a vida é feita de coisas boas e também de coisas não tão boas. A vida tem assuntos difíceis e queremos abordá-los num jogo de vídeo, porque acreditamos que a interatividade é uma ótima maneira de o jogador chegar às suas próprias conclusões sobre um tema complicado. Queríamos mesmo seguir essa direção desde cedo e fazer um bom jogo sobre a cidade e sobre quem lá vive. Mas também queríamos ser respeitosos e nunca tirar partido ou ser preguiçosos com um tema difícil como o livre arbítrio, mas tratá-lo com algumas reservas e deixar os jogadores chegarem às suas próprias conclusões.

É a segunda pessoa da Quantic Dreams a quem podemos referir o arrojo de pegar num título blockbuster para se falar sobre assuntos que não são habituais no mercado, aproximando-o de uma perspetiva  cinematográfica. Sente o peso dessa responsabilidade, de serem reconhecidos com um estúdio que não tem medo de nos fazer perguntar coisas pesadas a nós próprios?
Sem dúvida, é uma grande responsabilidade que colocamos em nós próprios. Não podemos tratar de assuntos sérios com leveza, temos que lhes dar o devido respeito. E não é só em jogos de vídeo, é em qualquer forma de entretenimento. No cinema ou na literatura, há décadas que se fala de liberdade e das suas implicações morais e éticas. Os videojogos são um meio mais jovem e estamos a tentar encontrar posição, estamos à procura de limites, mas não somos pressionados para ser os pioneiros, nós estamos a fazer isto porque é o que queremos fazer. Podíamos fazer jogos que simplesmente existem para tirar partido das polémicas e rentabilizar um público alvo, mas preferimos colocar-nos em risco e tentar fazer coisas diferentes, que lancem discussões sobre assuntos ou mesmo sobre o que um videojogo pode ser como motor de debate filosófico.

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Tendo em conta o timing de lançamento de Detroit: Become Human, com todo o debate e projeções futuras sobre Inteligência Artificial que há neste momento: acham que o vosso jogo poderá trazer alguns bons pontos de vista culturais e artísticos para a discussão ideológica deste assunto?
Acho que o jogo pode trazer argumentos interessantes para qualquer debate. É interessante que Detroit fale de Inteligência Artificial porque coloca-nos numa situação em que temos que tomar as nossas próprias decisões acerca dessas perguntas. Há também uma componente muito social acerca disso. Quando eu o jogo, eu sigo o meu caminho e as minhas escolhas, contando a minha própria história, e talvez quando tu jogares irás tomar outras decisões, completamente válidas dentro do contexto. O que mais me entusiasma quando o jogo for lançado é ter pessoas a falar sobre as suas opções e porque as tomaram, criando um debate acerca disso que é algo que só é possível acontecer num jogo de vídeo.

Devido às questões morais que Detroit nos quer confrontar na sua narrativa, querem que, num jogo sobre vida artificial, tenhamos um debate sobre a Humanidade no geral ou sobre a nossa própria humanidade intrínseca?É uma questão interessante, porque qual é a diferença entre a nossa humanidade e a Humanidade no seu todo, já que fazemos parte dela? O que fazemos dela? Como encontramos o nosso lugar nela? Quando estamos sozinhos, quando não há ninguém a decidir por nós e somos forçados a tomar decisões que não estão baseadas em fazer o que queremos mas o que parece certo?
O feeling do jogo é esse, quando somos um androide cuja função é fazer o que lhes é ordenado e seguir os outros, e de repente esses androides são forçados a tomar as suas escolhas, por razões variadas. Então desenvolvem o seu próprio sentido de moralidade, a sua visão do mundo, a sua perspetiva de o que é importante para eles e a sua responsabilidade civil. E nisto definem que estão a fazer, como influencia os outros androides, e se as suas escolhas estão “certas” ou não.

As escolhas que tomou a jogar Detroit: Become Human, fizeram-no aprender algo novo sobre si mesmo?
É interessante pensar sobre isso. Estou numa posição diferente porque trabalhei em construir a história, mas foi algo que discutimos bastante com o David Cage, que descobrimos coisas sobre nós enquanto escrevíamos o jogo. Sabíamos o que estava “certo”. Algo que tentámos bastante foi que as escolhas do jogo cobrissem tudo para o personagem e que fizessem sentido para ele. Que fossem sempre relacionáveis com quem somos naquele momento. Sem fazer spoilers, podemos ver as tendências nos nossos user testers, e é curioso ver que quando sabem as consequências dos seus atos, às vezes, voltam atrás e escolhem outras opções, mas alguns seguem com as suas decisões. É muito interessante de um ponto de vista sociológico.

A única vez que escrevi sobre Detroit: Become Human foi quando lançaram o trailer na E3. O que senti foi que, quando somos confrontados com escolhas sobre a vida de um androide, estamos distanciados porque podemos não vê-lo como um “ser vivo”. É possível que muitos jogadores venham a ter dificuldade em encontrar o seu norte moral. Apesar de ser um jogo sobre vida artificial, acredito que Detroit seja mesmo sobre ser/tornar-se humano. Não só por causa do nome, mas pelas dificuldades inerentes às suas questões. Há um paralelismo com aquela tensão de Blade Runner, mas, no filme, não somos nós os protagonistas, temos a quarta parede a separar-nos. Em Detroit, tudo o que fazemos é nossa culpa. Acha que vamos carregar o peso de Detroit: Become Human connosco mesmo depois de acabarmos de jogá-lo?
Espero que sim, é algo interessante de ver. É algo que exploramos no jogo, o quanto nos importamos com o que é real e não é. Quando vemos um filme ou jogamos e nos importamos com um personagem estamos a fazê-lo com alguém que existe realmente para nós. Empatizamos com a encarnação daquela ideia e personagem e é interessante vermos, como jogadores, como nos importamos com os personagens. E como Connor e Marcus [dois dos protagonistas de Detroit] têm objetivos diferentes. E nós, ao tomarmos decisões para vemos que terão repercussões más no outro. E aí sentimos como aceitamos as consequências e se ficamos em paz com elas.

No inicio dizia que não estavam ativamente a tentar ser progressistas, que é simplesmente o que querem fazer como arte. Mas sabem que ao fazê-lo estão a mudar o mercado?
É verdade que um jogo destes tem consequências no mercado como um todo, quando fazemos algo assim há um grande foco nas perguntas que ele faz, e essa seriedade tem que ser tratada como deve ser. Por isso demorámos tanto tempo a fazer Detroit. No final do dia, se fizer as pessoas questionarem o que se pode fazer com jogos ficaria muito contente. Ou se, simplesmente, as fizer pensar um pouco sobre o que fizeram depois de jogar, ou voltar a jogar para explorar outras hipóteses, outros caminhos ou outras consequências das suas decisões.

Entrevista: Ricardo Correia
Tradução: João Machado, Rubber Chicken