A forma como o Barcelona perdeu a Supertaça de Espanha com o Real Madrid, num contexto particularmente difícil por fatores internos como a saída de Neymar para o PSG e razões externas como o conturbado momento político que se vivia na Catalunha, colocou uma cruz em Ernesto Valverde. Pelo currículo, pelos conhecimentos e pelo trabalho que fizera em Bilbau, todos concordaram no final de maio que seria a melhor solução para substituir Luis Enrique; em agosto, de forma prematura, houve quem torcesse o nariz. Agora, em abril, percebe-se que foi um lapso.

A temporada dos blaugrana entronca naquela velha máxima do copo meio cheio ou meio vazio. Pesará mais a vitória no Campeonato e na Taça de Espanha? Ou pesará mais a derrota por 3-0 em Roma que afastou a equipa nos quartos da Champions (além dos dois desaires na Supertaça de Espanha com o rival Real Madrid)? Se juntarmos a tudo isto uma época onde a presidência de Josep Maria Bartomeu foi colocada em xeque, onde o “verdadeiro” sucessor de Neymar só chegou em janeiro (Coutinho, porque cedo se percebeu que Dembelé seria uma pérola para ir trabalhando) e onde Camp Nou teve tantas vezes manifestações políticas como desportivas durante os jogos, sendo que um até chegou a ser realizado à porta fechada, o saldo final terá de ser positivo. E o técnico de 54 anos tem muito mérito no resultado final.

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Se recuarmos a essa fase inicial da época que teve a Supertaça, Gerard Piqué admitiu que pela primeira vez se sentiu “inferior” ao Barcelona. Entretanto, e depois de uma campanha que teve por exemplo uma vitória expressiva no Santiago Bernabéu por 3-0, os catalães foram campeões a cinco rondas do final sem derrotas.

Conhecido como “A Formiga” (ou “Txingurri”, em basco), Valverde tem aquele tipo de perfil muito tranquilo, reservado e sereno, dentro e fora de campo. O que, num balneário como o do Barcelona, também pode ter as suas vantagens. Mas um dos segredos que pegou de estaca nesta nova era acabou por ser o planeamento de treinos, onde o técnico coloca em prática uma das suas maiores paixões: a tecnologia. “Há uma grande variedade de coisas no seu sistema, no seu método. Sabe como treinar: consegue construir algo divertido, com muita bola e trabalho técnico, sem ser repetitivo. Não é obcecado por aqueles pequenos detalhes táticos quando está no campo porque é fiel às suas ideias e à sua filosofia”, explicou no início da época o ex-médio no Athl. Bilbao, Javi González.

Depois da eliminação na Champions, muito se especulou sobre as eventuais discordâncias de alguns dos pesos pesados da equipa em relação às opções tomadas, mas mais uma vez tudo entroncou numa árvore (uma derrota sem precedentes por 3-0 em Roma) sem olhar para toda a floresta. E foi também por isso que Bartomeu, nesta semana que antecedeu o anunciado triunfo no Campeonato e que ficou marcada pelo emotivo anúncio da saída de Andrés Iniesta no final da temporada, veio a público defender que o treinador irá continuar na próxima época. Um treinador que chegou a estar perfilado para assumir o Real, quando a era Carlo Ancelotti acabou; um treinador que, antes de assinar pelo Barça, foi sondado após a saída de Pep Guardiola e, mais tarde, de Tata Martino.

Valverde é mais um dos técnicos influenciados pela filosofia do homem que maior importância teve a nível de evolução do jogo como atleta e treinador: Johan Cruyff. Como jogador, nas duas épocas em que representou os blaugrana (1988-90) após passagem pelo rival Espanyol, o então avançado que brilhara pelo Athl. Bilbao entre 1980 e 1986 (chegou a ser internacional por uma ocasião) ganhou uma Taça dos Vencedores das Taças e uma Taça do Rei ao lado de grandes jogadores como Zubizarreta, Roberto, Eusébio, Bakero, Aloídio, Amor, Beguiristain, Salinas, Gary Lineker e, mais tarde, Ronald Koeman e Michael Laudrup. Mais do que isso, ganhou uma orientação para a vida fora das quatro linhas. Uma orientação que, 28 anos após a saída de Camp Nou, ainda é útil.

Ernesto Valverde é o novo treinador do Barcelona. E também aprendeu com o mestre Johan Cruijff

Entre Athl. Bilbao, Espanyol, Olympiacos, Villarreal, Olympiacos de novo, Valencia e Athl. Bilbao, mais uma vez, tinha ganho “apenas” três Campeonatos da Grécia, duas Taças da Grécia e uma Supertaça de Espanha; agora, e logo na primeira tentativa, alcançou a “dobradinha” pelos catalães após vencer o Deportivo na Corunha treinado pelo holandês Clarence Seedorf (que assim vai mesmo descer de divisão) por 4-2. E com um ponto curioso: os catalães estiveram a ganhar por 2-0 (Coutinho, 7′ e Messi, 38′), permitiram o empate (Lucas Pérez, 40′ e Emre Colak, 64′), Valverde colocou uma linha bem definida de quatro médios com a troca de Coutinho por Paulinho e foi assim que Messi fez o hat-trick (82′ e 85′). Depois, ainda houve tempo para lançar em campo Iniesta, com todo o estádio de pé a aplaudir o Ilusionista campeão europeu e mundial que anunciou a saída no final da temporada (Nelson Semedo cumpriu os 90 minutos, André Gomes ficou fora dos eleitos esta noite).

Andrés Iniesta, o Ilusionista. Mais do que um nome e um futebolista, um sentimento

Ernesto Valverde, o treinador reservado que prefere ficar no seu canto enquanto os outros celebram, é destaque em Espanha. Ele que, além do gosto por música e filmes (teve uma tirada de génio quando voltou ao Athl. Bilbao e na apresentação referiu que as sequelas nunca eram boas a não ser no caso do “Padrinho II”), costuma passar horas e horas dedicado ao principal hobbie de todos: a fotografia. Nesta, dificilmente poderia ficar melhor.

“Quando persegues algo durante toda a temporada dizes ‘finalmente’! A Liga é muito longa, é preciso passar o outono, o cruel inverno. Passámos de tudo e, realmente, andámos atrás dele desde o início e construímos uma boa margem. Creio que fomos melhores. Para mim, a Liga parece-me a prova mais difícil, pois na Taça e nas provas a eliminar um dia mau atira-te para fora. Aqui tens de ser consistente”, comentou após o título.