Um “desafio” e uma “caricatura”. É assim que a defesa de Armindo Pires, o representante legal do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, a ser julgado por corrupção no caso Fizz, descreve a tentativa de notificar os donos da empresa que contratou o magistrado Orlando Figueira e que está no centro do processo. A Primagest, através do seu advogado, enviou para o tribunal um documento uma semana antes da audição do banqueiro Carlos Silva, mas agora diz que não consegue localizar o seu beneficiário final, Agostinho Afonso, para que ele possa testemunhar em tribunal.

O pedido foi feito pelos advogados do empresário português, Armindo Pires, sentado no banco dos réus por ter intermediado o contrato de trabalho que o Ministério Público (MP) diz ter sido celebrado entre o magistrado Orlando Figueira e Manuel Vicente, através da Primagest. Tanto Agostinho Afonso, o beneficiário final da empresa, como Manuel António Costa, seu administrador, prestaram declarações em fase de inquérito e garantiram ter celebrado contrato com o procurador. Mas agora seriam fundamentais em tribunal para se perceber se a Primagest está, ou não, ligada à Sonangol de Manuel Vicente — como acredita o MP.

Tribunal não consegue encontrar donos da empresa que contratou Figueira

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aos olhos do MP, estes dois homens são testas de ferro de Manuel Vicente — uma tese que as defesas têm tentado derrubar desde o início de julgamento, em janeiro. As agulhas têm sido apontadas ao banqueiro angolano Carlos Silva, como estando por trás da empresa — uma informação desmentida pelo próprio, assim como pelo advogado Proença de Carvalho (que o representou num processo em Portugal). Ambos dizem que eram estes os donos da empresa e que o contacto com Figueira foi feito com o advogado Paulo Marques, que ali trabalhava e que entretanto faleceu sem as autoridades terem conseguido o seu depoimento.

Além de Rui Patrício, também a defesa do advogado Paulo Blanco e do procurador Orlando Figueira consideram que estes dois empresários são peças fundamentais para a descoberta da verdade, segundo os requerimentos que enviaram para o juiz e a que o Observador teve acesso. A audição de Manuel António Costa, aliás, chegou a estar marcada, mas um dia antes da sua audição via Skype, o consulado informou o tribunal que não o tinha conseguido notificar e que este, agora, viveria em Moçambique. Manuel António Costa tem dupla nacionalidade e em julgamento algumas testemunhas declararam que vinha com frequência a Portugal. “Não deixa de ser curioso”, escreve o advogado Rui Patrício no requerimento. Quanto a Agostinho Afonso , a defesa sugeriu que este fosse contactado através do seu advogado, que há duas semanas juntou um documento ao processo que corre em Portugal em sua representação, mas que agora diz não o conseguir encontrar.

Uma “fábula”, um “mentiroso”, uma “agenda escondida”. Juiz obriga banqueiro a olhar para arguidos nas acareações

Diz Rui Patrício que encontrar estas duas personalidades tem-se revelado “um desafio” de “incompreensivelmente difícil de concretização”. “E um desafio que, durante a última semana, atingiu o seu auge e chegou a um ponto de quase caricatura”, lê-se no requerimento que ainda aguarda resposta. E pede ao tribunal que notifique o advogado de Agostinho Afonso, de Manuel António Costa e o Banco Privado Atlântico, onde a Primagest tem conta, para que lhe forneçam os contactos, mesmo que isso signifique prolongar o julgamento que está na reta final.

Ana Rita Relógio, advogada de Blanco, até propôs no seu requerimento que fosse contactada a Ordem de Advogados de Angola para que esta forneça o contacto de Manuel António Costa. Aliás, em anexo ao requerimento, enviou um documento daquele organismo em que aparece um contacto de telefone e um endereço de email do administrador da empresa Primagest para que o tribunal português o notifique.

Levantamento de sigilo de advogado N’GunuTiny

No requerimento enviado esta semana ao tribunal, a defesa de Armindo Pires (e de Manuel Vicente) recorda ainda o tribunal de que o advogado N’Gunu Tiny, que prestou depoimento presencial a 20 de março, se ofereceu para voltar a falar caso a Ordem de Advogados de Angola lhe levantasse o sigilo profissional. O MP, diz Rui Patrício, nunca aproveitou esta “disponibilidade”. Para o advogado, já que ele colaborou com a Sonango,l entre 2005 e 2015, e com o Banco Privado Atlântico (BPA) e representou a Primagest num negócio com a Coba, poderia saber se a empresa central do processo está, ou não, ligada a Manuel Vicente, como diz a acusação. O advogado, no entanto, não garantiu em julgamento que mesmo que fosse livre para falar poderia trazer essa resposta.

“Associar negócios à Sonangol dava prestígio e poder negocial”, diz advogado angolano

Recorde-se que, já na reta final do julgamento, o Ministério Público pediu que fossem, ainda, ouvidos dois inspetores da PJ que não era previsto ouvir. O pedido foi feito depois da inspetora Anabela Ruivo ter declarado em tribunal que, quando pegou na investigação, foi-lhe dado como “adquirido” pelo MP que a Primagest pertencia ao universo da Sonangol, e que estaria ligada a Manuel Vicente, logo nunca questionou o contrário.

O coletivo de juízes, presidido por Alfredo Costa, ainda não se pronunciou sobre estes pedidos.