O primeiro emigrante do futebol português é um perfeito desconhecido de quase todos.

Francisco dos Santos nasceu ainda durante o século dezanove, em Paiões, Sintra. E quando em finais daquele século o football chegou a Portugal, tornou-se um dos pioneiros do desporto. Aluno distinto de Belas-Artes, formou-se em pintura e escultura — é dele a co-autoria do Monumento ao Marquês de Pombal, em Lisboa –, ganhando em 1906 uma bolsa (o subsídio foi concedido pelo Visconde de Valmor) para prosseguir os estudos na capital italiana. Em Portugal jogava no Real Casa Pia, seu primeiro clube, tendo jogado no Sport Lisboa (clube que estaria na origem do Benfica) antes de mudar para Roma e para a Lazio.

Foi o primeiro emigrante do futebol português mas igualmente o primeiro imigrante do futebol italiano. Médio, diz-se que de fino trato da bola — então um pesadão esférico de cautchu –, baixo, realmente baixo, magro, tornar-se-ia, num tempo em que não exista liga ou taça em Itália, um ídolo dos adeptos laziale, chegando mesmo a envergar a braçadeira de capitão enquanto lá jogou. Sim, ídolo. Desde logo porque no primeiro dérbi romano, a Lazio venceu a Roma e Francisco foi, rezam as crónicas da época, o melhor no pelado lá da capital. Em Pisa, certo dia, num tempo em que o spray “milagroso” não resolvia achaques nos relvados, Francisco jogaria com algumas costelas partidas.

Finda a bolsa em Itália, e regressado a Portugal, Francisco acabaria, aos 33 anos, a carreira de futebolista no Sporting.

Inglaterra 1966

O que seria desta Seleção (já de si tremenda) com o goleador que não queria cumprir o serviço militar?

Outros seguiram igual percurso ao que o pioneiro Francisco desbravou. E emigraram.

Jorge Mendonça, formado no Sporting, onde chegou com apenas onze anos –, emigraria cedo para Espanha, sendo, nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado, um temido avançado — era dele a camisola nove — do Atlético e do Barcelona. Curiosamente, não estaria presente, Mendonça, na convocatória de Otto Glória para o histórico Mundial de Inglaterra, em 1966, o primeiro em que Portugal participou. Porquê? “Não podia voltar a Portugal: se o fizesse, teria de fazer o serviço militar”, explicaria Mendonça em entrevista.

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O festejo de Eusébio no 2-0 de Portugal à Bulgária. Seria de Torres (à direita) o terceiro e último da tarde em Manchester (Créditos: Central Press/Getty Images)

O Sporting (Carvalho, Hilário, Morais, Alexandre Baptista, José Carlos, Fernando Peres, Ernesto de Figueiredo e Lourenço) e o Benfica (Germano, Mário Coluna, António Simões, Fernando Cruz, José Augusto, Eusébio e José Torres) seriam os clubes mais representados. Curiosamente, e olhado só à espinha-dorsal de Glória, José Pereira e Vicente Lucas, do Belenenses, e Jaime Graça, do Vitória de Setúbal, eram imprescindíveis.

O Futebol Clube Porto viu três jogadores serem convocados: Américo, Custódio Pinto e Alberto Festa — sendo que apenas este último foi a jogo. Manuel Duarte, do Leixões, nunca jogou também,  é certo, mas era, com breves 21 anos, o “caçula” dos Magriços que só cairiam nas meias-finais, em Wembley, aos pés de Bobby Charlton.

México 1986

Saltillo não é uma cidade mexicana mas uma “novela”

A convocatória não podia ser mais… discutível. E atribulada. Desde logo, Torres, o selecionador, convoca Jordão, isto depois de uma época fraca (e atribulada por conflitos internos) no Sporting, mas não convoca Manuel Fernandes, o melhor marcador da época em Portugal. Depois, Veloso, do Benfica, acusa positivo num teste anti-doping — a contra-análise viria a provar a inocência do defesa –, sendo substituído por Bandeirinha (do Futebol Clube do Porto), que se juntaria à concentração da Seleção no… aeroporto.

A derrota (1-3) com Marrocos, em Guadalajara, fez com que Portugal regressasse mais cedo a casa… (Créditos: JORGE DURAN/AFP/Getty Images)

A Federação descuidou os aspetos logísticos. Quase todos, da viagem para o México, com escalas atrás de escalas — de Frankfurt a Dallas, nos Estados Unidos –, à escolha do hotel (e campos para treinar) já em Saltillo. Em Portugal circulava a notícia, incómoda, da alegada presença de prostitutas na concertação da Seleção. Seguiu-se uma ameaça de greve caso os prémios de jogo não fossem melhorados. Não foram.

E a 25 de maio os jogadores recusaram-se a voltar a treinar. Mas mais que recapitular o que foi Saltillo, relembremos uma passagem (precisamente sobre o inenarravél Mundial do México) da entrevista de Augusto Inácio ao Observador em janeiro último:

Qual é a tua primeira memória do Mundial?

Do nosso, o de 1986? É o aparato à chegada ao México, quando saímos do avião e entrámos no autocarro para Saltillo. Era só polícia, polícia, polícia e mais polícia, à frente, atrás, no lado esquerdo, no lado direito, em todo o lado. E eu a pensar ‘mas alguém vai atirar uma bomba?’

Quando chegaram a Saltillo, imagino.
Nem me fales. Foi aí que se deu um grito de revolta para acordar estes gajos, os nossos dirigentes, que queriam aquilo mais por diplomacia, por aparato, por vaidade pessoal do que para ajudar os jogadores. Digo-te sem merdas, o campo de treinos era assim [Inácio tira a mão direita do volante e inclina-a para cima] e depois assim [agora com a mão esquerda, inclina-a para o lado esquerdo]. E eles [os dirigentes] diziam ‘isto é provisório’. Provisório o caraças. Fazíamos buracos normais na relva com as chuteiras e, no dia seguinte, aquilo estava tapado com cimento. Era impressionante, pá. Isto tem muitas histórias.

Na convocatória, seis jogadores eram do Benfica e mais seis do Futebol Clube do Porto, quatro vinham do Sporting, três pertenciam ao Belenenses, dois eram do Boavista e um da Académica. O problema não foi a convocatória em si; problema foram as seguintes. É que vários jogadores se mostraram “indisponíveis” para regressar à Seleção após o Mundial — que até começou bem, com uma vitória (o golo de Carlos Manuel é memorável…) à Inglaterra, mas acabaria mal, com derrotas frente à Polónia de Smolarek e Marrocos.

E Portugal só regressaria a novo Campeonato do Mundo ao fim de 16 anos.

Coreia/Japão 2002

Do doping de Kenedy ao (literal e metafórico) soco no estômago: não podia ser pior

A geração tinham-na como dourada. Mas a prestação no Oriente foi pior que lata. Esperava-se mundos e fundos, muito por “culpa” do Europeu em 2000 — onde a Seleção é vencida por uma mão e o pé direito de Zidane que se lhe seguiu –, muito por culpa de haver Figo, Rui Costa, João Pinto, Vítor Baía, Fernando Couto ou Pauleta entre nós, mas a expetativa culminou em desilusão. Tudo o que podia correr mal, correu.

E cedo começa a correr, ainda durante o estágio em Portugal e antes mesmo da partida para Macau, onde Portugal prosseguiu a preparação: Kenedy (que havia feito uma época no Marítimo merecedora de figurar na convocatória de António Oliveira) acusou positivo no controlo anti-doping e acabou substituído por Hugo Viana — viajando o médio sportinguista diretamente do Europeu de Sub-21 para Macau.

O minuto era o 27 mas o argentino Sánchez expulsaria logo João Vieira Pinto. O que se seguiu valeria um castigo pesado ao jogador do Sporting (Créditos: Shaun Botterill/Getty Images)

Quanto à convocatória em si, este é já o tempo de haver lusos nos principais colossos europeus, Figo jogava no Real, Rui Costa no Milan e Conceição no rival Inter. Couto estava na Lazio e Nuno Gomes veste então o púrpura da Fiorentina. Jorge Costa, “encostado” por Octávio Machado no Futebol Clube do Porto, acabaria a temporada no Charlton de Inglaterra. Em Inglaterra jogava igualmente Abel Xavier, defesa do Liverpool. Paulo Sousa estava no ocaso do futebol jogado e vestia a “camiseta” do Espanyol de Barcelona, Pauleta era o goleador-mor do Bordeaux.  O Benfica tinha somente um jogador na convocatória: Caneira. O Sporting seria o clube mais representado, ou não se tivesse sagrado campeão em Portugal, incluindo sete jogadores nos convocados. Futebol Clube do Porto e Boavista assistiram a três dos seus ser chamados.

A prestação começou mal, com uma derrota (3-2) com os Estados Unidos, seguiu-se uma goleada (com um hat-trick de Pauleta) à Polónia, terminando Portugal a participação no Mundial com um derrota com a anfitriã Coreia: 1-0. Mas pior do que a derrota foi tudo o mais que se viu. João Pinto é expulso ao minuto 27 e agride a soco o árbitro Ángel Sánchez.

Alemanha 2006

Zidane, outra vez ele, sempre ele

A prestação foi imaculada. Portugal só cairia (uma vez mais, tal como em 2000) aos pés da França e de Zidane, agora com um penálti logo ao minuto 33 e não em tempo extra. Depois, na luta pelo terceiro lugar do Mundial e a medalha de bronze ao pescoço, a Alemanha, anfitriã, derrotaria Portugal 3-1 em Estugarda.

Havia já Ronaldo, então no United, e Ronaldo só não foi eleito o melhor jogador jovem do Mundial porque a organização lá achou que Podolski (Alemanha) foi melhor que ele. Não foi. Podolski venceu aquele título. Ronaldo ganharia cinco vezes a Bola de Ouro. Fair enough…

Nas seleções, Zidane levaria sempre a melhor: foi assim em 2000 e 2006. Fora isso, amigos como sempre e colegas de equipa no Real (Créditos: Michael Steele/Getty Images)

Mas havia igualmente Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho e Maniche do Chelsea, Miguel e Viana do Valencia, Meia do Estugarda, Nuno Valente do Everton, Costinha do Dynamo de Moscovo, Tiago do Lyon, Deco do Barça, Pauleta do PSG, Boa Morte do Fulham, Postiga do Saint-Étienne e Figo, já nos 33, do Inter de Milão. O Benfica era o clube nacional mais representado, com quatro jogadores. O Sporting dois, Futebol Clube do Porto e Boavista um jogador cada na Seleção. Não chegou.

África do Sul 2010

Todos a pensar no joelho de Pepe e afinal foi o ombro de Nani que cedeu

Queiroz não convocou 23 mas 24 jogadores. Pepe, então no Real Madrid, estava em dúvida (uma lesão grave no joelho fê-lo parar quase toda a época) e Zé Castro integra o estágio. Mas haveria de cair, Zé, quando se confirmou a recuperação do central — que com Queiroz até era trinco.

É duro, é. Mas a verdade é que aquela geração de Espanha era temível: Casillas, Ramos, Piqué, Puyol, Busquets, Xabi, Xavi, Iniesta, Fàbregas, Silva, Villa, Torres… Ufffff! (Créditos: Jasper Juinen/Getty Images)

Contudo, à última hora, ou melhor, a três dias do começo do Mundial, Nani, do Manchester, lesionou-se e o selecionar vê-se obrigado a chamar um substituto. Não chamaria um extremo mas, antes, um médio “faz-tudo”: Rúben Amorim — que jogaria somente cinco minuto no Mundial sul-africano, diga-se. Apesar da convocatória do benfiquista, o Sporting e o Futebol Clube do Porto seriam os clubes com mais atletas na Seleção, três cada, tendo o Benfica dois, tal como dois tinham o Real Madrid (Ronaldo já lá jogava), o Atlético, também de Madrid, o Chelsea e o Zenit. Werder Bremen, Lille, Iraklis da Grécia, Valência, Málaga e Braga tinham um jogador cada. Já o Fluminense do Brasil (não, não é habitual um jogador a atuar no Brasil ser convocado) também se viu representado. Quem era ele? Anderson Luís de Souza, vulgo Mágico, vulgo Deco.

Portugal, depois de ultrapassar uma primeira fase onde empatou (sempre a zero) com a Costa do Marfim e o Brasil, goleando (7-0) a Coreia do Norte, acabou eliminado logo nos oitavos com um golo solitário de David Villa. A Espanha levaria o “caneco”.

Brasil 2014

Quando a cabeça não tem juízo…

Parte da Seleção que dois anos depois venceu o Europeu estava já nesta convocatória de Bento, tendo-se juntado a ela a Seleção de Sub-21 (com João Mário, André Gomes, William, Raphaël Guerreiro e Rafa) que em 2015 foi finalista vencida do Europeu da categoria.

Curiosamente, o clube português mais representado no Brasil até era o Braga (Eduardo, Rafa e Eder), com os mesmo três jogadores do Real. Sporting, Benfica, Valência e Fenerbahçe levavam dois cada. Seguiam-se vários clubes só com um convocado por Paulo Bento: Manchester United, Futebol Clube Porto, Lazio, Wolfsburg, Mónaco, Sevilha, Zenit, Dynamo de Kiev e Besiktas.

A grande ausência foi Quaresma — e muito se falou desta –, Quaresma que até estava pré-convocado. Bento explicaria: “As questões são normais. Este é um cargo mediático de grande prestigio, mas não é imune à crítica. Há que aceitar as criticas. Se for criticado por o meter nos trinta e agora o tirei, imaginem se não o tivesse posto nos trinta”.

Müller também é “fresco”, sim. Mas aquela expulsão tão cedo levaria à goleada que se viu: 4-0 (Créditos: Stu Forster/Getty Images)

Portugal não passaria tão pouco o Grupo G e Bento passaria à história — Quaresma regressaria à Seleção com Fernando Santos para se sagrar campeão europeu. Foi goleado pela Alemanha, 4-0, no jogo de estreia em Salvador da Baía, perdeu Pepe que agrediu Thomas Müller à cabeçada logo ao minuto 37, e Pepe não assistiria ao empate (2-2) com os Estados Unidos no encontro seguinte. Faltava defrontar o Gana. E Portugal até triunfou: 2-1. Mas não chegou. A “calculadora” exigia ganhar aos ganeses por uma diferença de quatro ou mais golos.