A chanceler alemã, Angela Merkel, vem a Portugal esta semana e a primeira paragem é a cidade de Braga, onde vai “batizar” a inauguração de um novo centro de desenvolvimento tecnológico que será decisivo para consolidar a operação portuguesa da Bosch na área da condução autónoma. É a expansão da unidade bracarense que há 20 anos era vista como uma unidade apenas de manufatura mas que foi conquistando a confiança da casa-mãe, cada vez mais, também na área do desenvolvimento de hardware e software. O desafio, reconhece o administrador da Bosch em Portugal em entrevista ao Observador, será contratar todos os quadros qualificados que vão ser necessários para a nova unidade.

“Não vai ser muito fácil, seguramente”, reconhece Carlos Ribas, cumprir os “planos agressivos” de contratação de quadros qualificados — engenheiros mas, também, pessoas com formação ligada, por exemplo, à física, à ótica e à programação informática.

Há cerca de 250 pessoas a trabalhar, hoje, na área de pesquisa e desenvolvimento (R&D), entre as quase 3.500 que estão empregadas pela Bosch em Braga — uma unidade onde a casa-mãe alemã investiu 240 milhões de euros nos últimos três anos. O objetivo (até ao final do ano) é passar das cerca de 250 para mais de 400 quadros qualificados exclusivamente dedicados à inovação e à pesquisa de novas soluções tecnológicas.

O novo Centro de Investigação e Desenvolvimento, que fica a poucos quilómetros da sede da Bosch Car Multimedia (a unidade que tem base em Braga), “vai ser uma área muito orientada para a condução autónoma“, que, lembra o representante da Robert Bosch GmbH em Portugal, é um conceito que inclui vários sistemas a funcionar em conjunto e que asseguram que os automóveis do futuro possam mover-se de forma autónoma e segura. “O coração e as veias” dos carros autónomos que tiverem a tecnologia da Bosch, a nível global, vão ter mão portuguesa, diz Carlos Ribas.

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“O coração e as veias” dos carros autónomos que tiverem a tecnologia da Bosch, a nível global, vão ter mão portuguesa, diz Carlos Ribas,

Para já, os principais projetos em que a Bosch de Braga se vai envolver, no âmbito da condução autónoma, estão ligados à componente da “perceção” — além desta, existem as componentes da “decisão” e da “ação” pelo carro autónomo. O enfoque dos engenheiros da Bosch em Portugal, nesta fase, é assegurar que o carro está sempre perfeitamente localizado no mapa e na faixa de rodagem e que, por outro lado, o automóvel esteja equipado com sensores avançados que lhe permitam reconhecer o que está à sua volta, explicou Miguel Santos, diretor do departamento de desenvolvimento da Bosch em Portugal.

Vai ser mostrada a Angela Merkel a nova tecnologia que está a ser desenvolvida em Braga, em cooperação com a casa-mãe, em particular nos sensores VMPS (vehicle motion and positioning sensor). Ao Observador, Miguel Santos adianta que esta é uma tecnologia que permite dar a “posição exata do carro, na casa dos centímetros”, indo muito além da falibilidade e pouco rigor do sistema comum de GPS. Este é um exemplo — dos que o engenheiro da Bosch está autorizado a revelar — dos produtos que a Bosch está a desenvolver.

Mas a Bosch de Braga não vai descurar as inovações ligadas ao “infotainment” e aos equipamentos que se acredita que vão passar a estar num carro conduzido de forma autónoma. Miguel Santos recorda que a história da unidade bracarense — na área da inovação em hardware e, também, software — começou com alguns modelos de auto-rádios que tiveram “muito sucesso no mercado e que mostraram à casa-mãe que os portugueses também sabiam criar” e inovar. Hoje, os engenheiros da gigante alemã definem como prioridade imaginar de que forma é que os passageiros vão passar a interagir com a máquina que deixa de ser um carro e passa a ser mais um “living space“, um “espaço para viver”.

Outras áreas em que Bosch Portugal também quer dar cartas estão ligadas aos sistemas de comunicação carro-carro carro-infraestrutura, aplicáveis não apenas à utilização comum dos carros mas, também, na área da camionagem e logística — usando camiões autónomos. “Estamos com boas possibilidades de entrar nesse segmento”, diz Miguel Santos, acrescentando, ainda, a criação de soluções para os veículos a duas rodas, não só na área dos display (mostradores) mas, também, na conectividade de motos e bicicletas.

Universidades não formam gente suficiente. Aposta no regresso de emigrados

A “Bosch está a contratar semanalmente“, dizem os responsáveis da empresa: dos mais de 150 quadros qualificados a contratar até ao final do ano, 100 são para este novo centro, para trabalhar na área de sensores, e 50 são para reforçar a área de multimédia automóvel. Estes são os objetivos para 2018 — tudo indica que nos anos seguintes a expansão irá continuar tão ou mais agressivamente. “Ao nível do crescimento temos planos muito agressivos — assim o mercado possa dar resposta“, atira o representante da Bosch em Portugal.

E “não vai ser fácil, seguramente”, porquê? Porque “Portugal está na moda. A Bosch foi pioneira a deixar de olhar para Portugal como apenas um país da manufatura low-cost. Agora, várias multinacionais já reconhecem o talento e do conhecimento dos portugueses, além da resiliência típica dos portugueses”, afirma Carlos Ribas, ao Observador. O responsável da Bosch, que tem há vários anos acordos de parceria com a Universidade do Minho, reconhece que, de um modo geral, as universidades estão a formar quadros “com qualidade”, mas em quantidade “insuficiente”.

Vê-se que há um aumento [da quantidade de quadros formados pelas universidades] mas para o aumento da procura que se está a verificar não é suficiente”, diz Carlos Ribas.

Enquanto as universidades não aceleram a formação de técnicos especializados nestas áreas com grande potencial, uma parte do esforço de empresas como a Bosch é tentar persuadir pessoas que estão a trabalhar fora e que possam estar interessadas em regressar — sobretudo algumas que tenham saído no auge da crise e que estejam, agora, após alguns anos fora, a pensar regressar devido à retoma económica ou por questões familiares e de plano de vida.

“Já fomos buscar alguns que tinham emigrado em 2011, mas gostávamos de fazer regressar mais”, diz Carlos Ribas. É claro que, em termos salariais, “se quisermos competir com uma Alemanha será um pouco difícil. Mas por vezes, fazendo algumas contas, e havendo vontade da pessoa de regressar, não se fica a perder tanto assim”.

Depois de Braga, Merkel vai ao Porto e a Lisboa

A chanceler alemã divide a agenda de quarta-feira, dia 30 de maio, entre a visita à Bosch de Braga e um “salto” até ao Porto para conhecer o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, ou I3s. Também no Porto, a chanceler vai participar num debate sobre o projeto europeu com estudantes de doutoramento, no âmbito da iniciativa “Encontros com os Cidadãos”.

Já no dia 31, quinta-feira, Merkel desce até Lisboa para ser recebida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e para se encontrar com o primeiro-ministro, António Costa. Nesse encontro, os dois chefes de governo procurarão “reforçar as relações políticas e económicas bilaterais e prosseguir o trabalho estreito que vêm desenvolvendo em temas centrais para o futuro da Europa, em particular o roteiro para completar a União Económica e Monetária, a gestão das migrações e o futuro Quadro Financeiro Plurianual”, refere-se numa nota emitida pelo gabinete do primeiro-ministro.

Esta é a segunda visita oficial de Angela Merkel a Portugal. A última foi há quase seis anos, em novembro de 2012, quando a chanceler alemã fez um périplo pelos vários países que estavam sujeitos a programas de ajustamento económico.