O Conselho do BCE decidiu esta quinta-feira, em linha com o que se esperava, prolongar os estímulos monetários de setembro para dezembro, mas nesses últimos três meses serão comprados 15 mil milhões por mês em dívida da zona euro — ou seja, metade do ritmo atual. Passou, portanto, a existir uma data mais concreta em que se prevê que os estímulos terminem — dezembro de 2018 — mas o presidente do BCE fez o possível para garantir que vai continuar a haver uma política “acomodatícia” na zona euro e que as taxas de juro não irão subir antes, “pelo menos, do verão de 2019”.
A decisão foi comunicada no final da reunião dos governadores e executivos do Banco Central Europeu (BCE), em Riga, e foi explicada, em mais detalhe, na conferência de imprensa de Mario Draghi, a partir das 13h30 (hora de Lisboa). O BCE anunciou de forma clara que as taxas de juro (de referência e dos depósitos) irão manter-se nestes níveis “pelo menos até ao verão de 2019”. A taxa de juro de referência está em zero e os juros dos depósitos estão em níveis negativos (-0,4%).
Apesar de dar a indicação de que o programa será prolongado mais três meses, depois do anterior final previsto (setembro), o BCE continua a não se deixar encurralar quando prevê uma redução das compras para metade: essa decisão estará “dependente de os dados económicos que chegarem confirmarem as projeções do Conselho sobre as perspetivas para a inflação no médio prazo”. A confirmar-se o plano, depois de dezembro de 2018 “as compras líquidas de dívida irão acabar“, antecipa o BCE.
A decisão de hoje não altera o compromisso do BCE de continuar a reinvestir todos os euros que receber de reembolsos de dívida em novas compras. Ou seja, o BCE vai continuar ativo no mercado — o que terminará em dezembro, se tudo correr como previsto, são o que o BCE chama de “compras líquidas”. Os reinvestimentos irão continuar “enquanto for necessário para manter condições de liquidez favoráveis e uma política monetária amplamente acomodatícia”.
Uma decisão “salomónica”, que agrada a falcões e pombas
“A decisão de hoje é um verdadeiro compromisso salomónico entre os falcões e as pombas“, escreve o banco holandês ING, em reação ao comunicado do BCE, referindo-se àqueles no Conselho do BCE que, na dúvida, preferem pecar por excesso de estímulos do que por carência. “Os falcões finalmente receberam uma indicação clara de data final para o programa de estímulos e as pombas mantêm a porta aberta para um reforço dos estímulos caso seja necessário. Muito bem feito”, elogia o ING.
Ainda que, tecnicamente falando, a reunião do BCE não tenha produzido uma verdadeira decisão mas, sim, uma declaração de intenções, o significado simbólico da reunião é grande. Esta reunião marcou um passo importante no sentido de uma retirada suave do programa de compras mas, ao mesmo tempo, não se pode dizer que tenha marcado o início do aperto da política monetária — uma subida das taxas de juro ainda é um cenário ainda longínquo”
O banco holandês regista que ainda há seis semanas, na última reunião do Conselho do BCE, a mensagem que se passava era de que o fim do programa nem sequer tinha sido discutido e, agora, temos “um passo importante no sentido do final do programa de quantitative easing“, mesmo num contexto macroeconómico que, neste período, se tornou menos previsível — com receios de uma “guerra comercial” e com o crescimento económico a dar sinais de algum enfraquecimento nos primeiros trimestres do ano.
“That’s all, folks”, avisa o ING. Economia europeia esmoreceu e não se prevê nova aceleração
Além das decisões de política monetária, o BCE também atualizou as perspetivas de crescimento económico para os próximos anos. E, aí, o ponto mais surpreendente foi uma revisão em baixa da projeção de crescimento em 2018: era 2,4% e passou para 2,1% — com Draghi a reconhecer que “o momento menos positivo pode durar mais tempo do que o que está nas projeções”. As previsões para 2019 e 2020 são de 1,9% e 1,7%, respetivamente.
Essa revisão em baixa das projeções económicas poderá, paradoxalmente, ter ajudado a fazer desta conferência de imprensa um sucesso, do ponto de vista de Mario Draghi. Porquê? Porque a cotação do euro baixou cerca de 1%, para 1,17 dólares, e o risco mais imediato de uma definição mais clara do plano de conclusão dos estímulos seria, em teoria, uma valorização da moeda (que seria desfavorável para as exportações europeias e, portanto, para a economia). Além disso, os juros da dívida dos países do sul da Europa continuaram a cair — ainda que ligeiramente — com a taxa a 10 anos de Portugal ligeiramente acima de 1,9%.
E, falando sobre o sul da Europa, Mario Draghi procurou desvalorizar a incerteza em torno do novo governo italiano, considerando esta uma questão de caráter “local”. O presidente do BCE pediu aos jornalistas presentes na conferência de imprensa para “desdramatizarem” impasses políticos como o que houve em Itália: “temos 19 países na zona euro e é normal que surjam mudanças de governo, que apresentam visões divergentes”, afirmou Draghi, sublinhando, porém, que essas “divergências têm de ser discutidas dentro dos tratados existentes” e evitando uma “linguagem que destrua os progressos que já foram feitos, à custa de muitos sacrifícios”.
Sobre as notícias de que o BCE terá comprado menos dívida italiana na semana pior do impasse político (de certa forma permitindo que os juros subissem mais no mercado), Mario Draghi sublinhou que não podemos estar “obcecados” com os valores semanais ou mensais das compras de dívida de cada país, porque o programa decorre sempre com alguma flexibilidade. “Não existe qualquer conspiração aqui“, garantiu.
BCE. Portugal é um dos países em risco de nova crise por depender demasiado do crescimento
Apesar de garantir que não existe qualquer “conspiração”, neste caso contra o novo governo italiano, o BCE publicou uma nota sobre estabilidade financeira em que avisava que os países mais endividados da zona euro estavam muito dependentes da continuação do crescimento nos níveis atuais. Essa nota foi publicada, precisamente, na “semana negra” nos mercados, depois de o Presidente italiano recusar dar posse a um governo em que um eurocético acérrimo aparecia com a pasta das Finanças (na segunda formulação, Paolo Savona apareceu com a pasta dos Assuntos Europeus, e aí o governo já teve luz verde).
O BCE destacava os casos da Bélgica, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha (por ordem alfabética, em inglês) como os países mais vulneráveis. A mensagem da instituição liderada por Mario Draghi é que aquilo que os mercados dão, os mercados podem tirar — e, se tirarem, vão tirar mais a uns do que a outros. Se o crescimento abrandar, os países mais endividados que perderem empenho no equilíbrio das contas públicas podem ver, de novo, barrado o acesso aos mercados, avisava o BCE.
Esse risco será ainda mais importante a partir do momento em que o BCE deixar de estar presente nos mercados de dívida, como comprador regular de obrigações. Os analistas têm apontado que sem a presença do BCE no mercado irá haver uma maior tendência para momentos de volatilidade — os emitentes de dívida, países e empresas, vão estar mais “por sua conta” e dependentes do grau de procura que existe nos mercados pela sua dívida, por parte dos investidores privados, e deixa de existir a presença do BCE, que desde 2015 tem servido não só como “almofada” em momentos de maior tensão mas, também, como comprador ativo de títulos, contribuindo para baixar os juros implícitos.
Por essa razão, há quem esteja feliz com o anúncio feito esta quinta-feira. O instituto alemão de pesquisa económica IFO diz que haver uma data para o fim das compras de dívida “é uma notícia muito boa“. “As compras de dívida transformaram os bancos em credores dos governos nacionais (…) colocando em risco a independência da política monetária”, afirma o instituto, defendendo que “um regresso ao normal na política monetária também é importante porque, caso contrário, não haverá margem de manobra para intervir na próxima crise económica”.