Na primeira aula de kayak, o instrutor ensina que para nos movermos para a frente, a direito, devem usar-se as pagaias para dar um impulso ora à esquerda, ora à direita. Este é o tipo de exercício que o Banco Central Europeu (BCE) tem feito nos últimos meses, na sua comunicação com os mercados financeiros, e que deverá continuar esta quinta-feira, na conferência de imprensa que o presidente Mario Draghi irá dar após mais uma reunião periódica do Conselho do BCE. Há sensivelmente uma semana, o economista-chefe do BCE (Peter Praet) usou a pagaia para dar uma pista, meticulosamente preparada, de que o fim dos estímulos monetários extraordinários não estará longe. Agora, preveem os analistas, Draghi irá dar um impulso do outro lado, mostrando não ter pressa — sendo certo que ninguém duvida que o kayak está, de facto, a mover-se nesse sentido e o desafio é, apenas, tentar levá-lo o mais direitinho possível, causando o mínimo de turbulência nos mercados.

“O BCE tem de fazer uma avaliação sobre se os progressos obtidos até ao momento justificam uma retirada gradual das nossas compras de ativos”, afirmou Peter Praet a 6 de junho, numa declaração que não compromete ninguém com nada mas que os investidores perceberam ser uma tentativa calculada de ajustar as expectativas dos mercados financeiros sobre quando é que vão terminar as compras de dívida da zona euro e a expansão monetária que esse programa histórico há três anos tenta provocar.

BCE intervém nos mercados pelo menos até setembro

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Para já, a indicação dada aos mercados é que as compras de dívida decorram pelo menos até setembro de 2018. Mas, mais importante (e ambíguo) do que essa data é a garantia de que o programa vai continuar “até que o Conselho do BCE considerar que existe um ajustamento sustentável na trajetória de inflação que seja consistente com o seu objetivo de atingir uma taxa perto, mas abaixo, de 2%”. As compras de dívida (pública mas, também, pacotes de dívida privada) foram feitas ao ritmo de 80 mil milhões de euros entre abril de 2016 e março de 2017, 60 mil milhões até janeiro de 2018 e 30 mil milhões desde então.

A expectativa dos analistas é que o programa seja prolongado até dezembro de 2018, potencialmente com uma nova redução da intensidade, mas a decisão ainda não foi anunciada — poderá sê-lo esta quinta-feira ou na próxima reunião, em julho. Para já, e ao contrário do caminho pré-definido que a Reserva Federal dos EUA adotou no seu processo de desmame, o BCE prefere manter uma atitude de “ambivalência construtiva” e fazer depender as suas decisões dos indicadores que vão chegando da economia.

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“Na reunião do Conselho do BCE desta semana, acreditamos que o banco central vai ajustar a comunicação que faz com os mercados, mas não nos parece provável que seja já anunciada o prolongamento (e, ao mesmo tempo, a redução) dos estímulos para além de setembro, até dezembro de 2018”, escreve o economista Florian Hense, do Berenberg Bank, em nota enviada aos investidores. “No máximo, o Conselho do BCE deverá indicar que está a inclinar-se nesse sentido, caso as perspetivas para o crescimento e para a inflação continuem a evoluir como se espera“, acrescenta o especialista.

Com a taxa de inflação (subjacente) ainda em 1,1%, o crescimento económico na zona euro a dececionar no primeiro trimestre e a dar sinais pouco animadores para o segundo trimestre, “as circunstâncias presentes parecem indicar que não há razões para ter pressa“, defende Florian Hense.

Ainda assim, mesmo sabendo que os banqueiros centrais aprenderam bem a lição do kayak, poderá não ser cauteloso desvalorizar as declarações de Peter Praet. Afinal de contas, o economista-chefe do BCE é visto como uma das maiores “pombas” da autoridade monetária, ou seja, um dos maiores defensores de que, na dúvida, se prefira pecar por excesso de estímulos do que por carência. Se até Praet começa a pensar mais no desmame dos estímulos, como pensará o restante conselho? Além disso, trata-se do economista-chefe do BCE, que tem um papel decisivo no momento de traçar o quadro macroeconómico (presente e futuro) em que o banco central se movimenta.

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Outras razões para não ter “pressa”, por outro lado, estão ligadas ao contexto de incerteza causada pelos receios de uma “guerra comercial” a nível global e, por outro lado, à instabilidade política em Itália. Uma instabilidade que veio demonstrar, com a subida dos juros nos mercados, quão vulnerável é a confiança dos investidores e quanta dependência ainda existe em relação às compras de dívida pelo BCE — sim, porque se veio a saber, nos últimos dias, que o BCE reduziu a proporção de dívida italiana que comprou na recente “semana negra” que se viveu em Itália (ou seja, o BCE permitiu que os juros subissem, mais do que teriam subido caso o banco central tivesse intensificado a sua ação).

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Mesmo que as compras sejam feitas a um ritmo cada vez menor, a existência do programa de expansão monetária dá um conforto aos investidores que só poderá ser medido com exatidão quando o programa terminar, provavelmente em dezembro. Poucos acreditam que o BCE gostaria de reforçar o ritmo das compras, mas essa é uma opção que, enquanto o programa estiver em curso, pode sempre ser tomada sem sobressaltos de maior. Já quando o programa for concluído, o cenário muda um pouco de figura — e é por isso que o BCE “já está a tentar desviar as atenções do mercados para longe das compras de dívida e a destacar a taxa de juro como principal ferramenta da política monetária”, suspeita o Berenberg, admitindo que os juros podem sair de zero já em junho de 2019.

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