Enviado especial do Observador à Rússia (em Saransk)
Já deu entrevistas a jornais de referência ingleses, brasileiros e espanhóis, mas a visibilidade vai também para dentro de campo, onde tem apenas um golo sofrido em dois jogos (e meio esquisito, num ressalto que bateu num avançado contrário). Alireza Beiranvand, o tal que foi o primeiro iraniano de sempre a estar nomeado para um prémio FIFA, será a última barreira de Portugal para chegar aos oitavos de final. Logo ele, que tem nas mãos a história de um modesto país que nunca passou à segunda fase de um Campeonato do Mundo depois de ter feito com as mãos uma história que inspira milhões de iranianos.
Nascido numa pequena vila do Lorestão, e sendo o filho mais velho, desde cedo que começou a ajudar o pai com as ovelhas. Ia à procura de comida para os animais, era pastor. Pelo meio, começava a dar os primeiros passos em dois jogos que sempre lhe despertaram o interesse: o futebol e o Dal Paran, que na forma mais simplista possível tem a ver com o arremesso de pedras o mais longe possível. Sobre o segundo, o pai não dizia nada; sobre o primeiro, nunca achou particular graça. Não achava ele mas achava Ali, que um dia pegou na mochila e fez-se à vida à procura de um sonho tão grande como o que o Irão de Queiroz tem hoje.
Em Teerão, sozinho, encontrou um mundo de oportunidades. E agarrou muitas, em busca da maior de todas: chegou a não ter casa ficando numa zona onde concentravam imigrantes mais carenciados, ganhava algum a lavar carros (um deles do maior jogador de todos os tempos do Irão, Ali Daei, com quem teve vergonha de falar), a varrer ruas, a entregar pizzas. Mais tarde, e para ter um sítio para dormir que fosse “seu”, aquele cantinho onde se ganha forças para continuar a correr por um sonho impossível, trabalhou numa fábrica de roupas. Entre tanta gente que conheceu, houve um que lhe abriu a porta do Naft. Teve a oportunidade, agarrou-a e nunca mais a largou. Quando em 2016, aos 23 anos, passou para o Persepolis, essa oportunidade já era sua. E a partir de agora, tudo o que vier a mais já é um extra: Ali só queria jogar futebol.
O meu pai não gostava de futebol e pediu sempre para ir trabalhar. Chegou mesmo a rasgar as minhas roupas e as minhas luvas com as suas mãos variadas vezes (…) Sofri muitas dificuldades para realizar os meus sonhos mas não tenho qualquer intenção de esquecer o caminho que fiz até aqui”, contou Ali Beiranvand numa entrevista ao The Guardian.
Bicampeão iraniano e vencedor da Supertaça, Beiranvand foi considerado um dos 15 melhor guarda-redes da FIFA no ano passado e assume-se como uma das principais figuras de um Irão que já começa a ser uma equipa diferente do que a perceção de quem não está por dentro pode indiciar, com alguns jogadores a jogadores em campeonatos europeus e um em específico, Masoud Shojaei, a conquistar mesmo o título na Grécia. Mas mais do que o aumento exponencial das oportunidades dos atletas iranianos para chegarem à Europa (e o valor dos passes é baixo, talvez até dos mais baixos deste Mundial), nota-se que por trás de uma organização coletiva de jogo muito forte está uma crescente melhoria a nível técnico e tático. E que, no caso do guarda-redes, tem outro ponto curioso: influência do Dal Paran ou não, coloca a bola facilmente à mão no meio-campo contrário.
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É por isso também que o encontro desta noite contra Portugal está a ser vivido com uma ilusão nunca antes vista num país onde muitas vezes, incluindo por razões políticas, parecem existir mais atenções perante a realidade dos clubes do que da seleção. Pela primeira vez, e perante alguma desconfiança extensível a muita gente, o Irão depende de si, na última jornada da fase de grupos, para qualificar-se pela primeira vez aos oitavos de final. Ganhou a Marrocos, perdeu com Espanha num encontro onde os antigos campeões europeus e mundiais foram encostados às cordas. Qualquer que seja o resultado do confronto com a Seleção Nacional, o conjunto de Queiroz já fez o “seu” Mundial. Mas com Beiranvand na equipa, não existem sonhos impossíveis.